Após o 30º dia de buscas em Brumadinho, bombeiros são tomados por gratidão e também pelo cansaço

Buscas na montanha de lama completam 30 dias e corpos ou fragmentos ainda são encontrados pelos bombeiros (Bárbara Ferreira/BHAZ)

Bárbara Ferreira e Cristiana Andrade

Brumadinho – Um misto de cansaço e gratidão toma conta dos bombeiros militares que estão à frente do trabalho de resgate após o colapso da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, da Vale S.A., em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte. No 30º dia de buscas desde que a barragem se rompeu, em 25 de janeiro, os profissionais seguem se revezando em turnos (geralmente de sete dias) e equipes para que seja garantido o descanso de todos sem que a difícil missão seja prejudicada.

Em meio a um trabalho exaustivo na lama deixada pela Vale, as equipes encontram conforto reforçando a união entre as tropas e no apoio que recebem dos voluntários, da família e da população local. O saldo da tragédia, até este sábado (23), é de 176 mortos, 134 desaparecidos e 286 pessoas desalojadas ou desabrigadas de suas residências.

Diferentemente do que circulou nas redes sociais há uma semana, de que os militares estariam extenuados e até em depressão, o porta-voz do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, tenente Pedro Aihara, diz que não passou de notícia falsa. “É um trabalho árduo, muito cansativo, claro, mas essas informações foram fake news. Temos uma escala bem planejada de revezamento com os batalhões. Equipes muito especializadas ficam em campo sete dias direto; as outras, o rodízio é de três a quatro dias e, depois, descanso. Os militares voltam aos seus batalhões de origem, e vêm outras pessoas”, explica.

Um dos momentos de descontração no alojamento (Bárbara Ferreira/BHAZ)

Alojamento e alimentação

Acomodados em alojamentos montados no entorno da Mina Córrego do Feijão, os militares tomam café, almoçam e jantam, com lanches nos intervalos dessas refeições e, na maioria das vezes, pelo sistema de marmita. “Buscamos dimensionar bem a alimentação e a hidratação, para que não tenham nenhum tipo de baixa calórica, alimentação inadequada ou se sintam fracos”, acrescenta Aihara.

Quem está em campo, segundo Aihara, dependendo da função para a qual o bombeiro está destacado,  trabalha um dia e descansa outro. “Ao pôr do sol, quando os trabalhos são encerrados, há a descontaminação das roupas, recolhimento dos materiais, higienização e jantar. Daí é hora de descansar e dormir, para enfrentar o dia seguinte”, acrescenta.

Nos dias que sucederam o rompimento da barragem, quando o trabalho ainda não recebia o apoio de máquinas e era feito quase que em sua totalidade com a força física dos bombeiros, muitas vezes, eles retornavam da operação totalmente encobertos de rejeitos, apenas com os olhos aparentes. A limpeza era feita no gramado onde pousam os helicópteros com uma grande jato de água. Um dos militares em operação conta que, muitas vezes, aquela era a higienização possível e, no dia seguinte, vestiam as mesmas roupas e retomavam o trabalho.

Apenas dois dias após a tragédia, uma sirene de segurança foi acionada, evidenciando o risco de rompimento de uma segunda barragem. Os trabalhos foram interrompidos e toda a equipe se juntou no centro de operações montado na igreja do Córrego do Feijão. As ordens do comando eram claras: “Comam, descansem, falem com a família e usem esse tempo para retomar as energias. Não sabemos quanto tempo e trabalho ainda teremos pela frente”.

As equipes de bombeiros militares – tanto as de Minas Gerais como as de outros estados que vieram ajudar na operação – são treinadas e preparadas para enfrentar esse tipo de situação, mas algumas vezes é preciso parar e receber todo o apoio que é ofertado. Para o tenente Roberto Marangon de Varginha, no Sul de Minas, é preciso cuidar tanto do corpo quanto do psicológico e o monitoramento de quem está em campo é constante.

“Já tivemos situações, por exemplo, de homens que nos acionaram e pediram ajuda. Eles foram para um terreno muito longe, expostos ao sol e precisam de apoio para retornar”, relata. Ele coordena uma tropa e tem que estar atento tanto ao trabalho, quanto ao bem-estar de seus homens.

Para Marangon, algumas coisas podem mexer mais com o militar. “Se você encontra uma criança em uma situação dessa, por exemplo, e você tem um filho, a situação te deixa mais abalado”, pontua ele, que afirma não esquecer de uma criança carbonizada que resgatou quando sua filha, hoje com 20 anos, era pequena. Ainda conforme o tenente, em 10 anos na corporação, ele vive em Brumadinho sua missão mais intensa. Mesmo assim, durante as buscas, a preocupação com o trabalho em si acaba superando qualquer emoção. “A gente fica muito imbuído com a missão. No momento de atuar, o sentimento às vezes nem aparece tanto. Ele vai aparecer quando você coloca a cabeça no travesseiro, fecha o olho e vem aquela imagem na cabeça”, revela.

A farda para os leigos parece dificultar o trabalho, mas os bombeiros explicam que trata-se de uma proteção ao sol. “A gente acaba se acostumando com a roupa e ela serve para nos proteger. Mas temos sempre que manter a hidratação. Aqui mesmo tivemos um companheiro que não se hidratou devidamente e sentiu. No dia seguinte, tivemos que deixar ele de repouso. Mas eu prefiro usar a roupa e ficar protegido”, explica o tenente Marangon.

Máquinas minimizam esforço físico

Passadas três semanas do colapso, as tropas são, há cerca de 10 dias, apoiadas por máquinas como as retroescavadeiras e as anfíbias, o que tem minimizado um pouco a intensidade do esforço físico. Mesmo assim, os militares saem pela manhã e seguem para o mar de lama e passam o dia em busca dos corpos das vítimas do desastre. O trabalho é difícil, mas durante o treinamento, os bombeiros chegam a ficar 21 dias direto, o que faz com que se preparem para vivenciar esse tipo de situação na prática.

Capitão Tristão, de Juiz de Fora, passou sete dias em Brumadinho com sua equipe
(Bárbara Ferreira/BHAZ)

De acordo com o capitão Acácio Tristão Gouveia, de 37 anos, do batalhão de Juiz de Fora, na Zona da Mata, as equipes enfrentaram dias de trabalho intenso no local da tragédia. “Quando nós iniciamos, um dia após o rompimento da barragem, o grupo chegava aqui no pôr-do-sol, tinha limpeza da tropa, fazia um debriefing (reunião para análise de resultados) para planejar as ações do dia seguinte e íamos dormir por volta de 1h30, 2h, recomeçando com a mesma equipe por volta de 5h30”, contou Gouveia, cuja equipe deixou Brumadinho há uma semana.

Solidariedade afaga o cansaço físico

A solidariedade dispensada pela comunidade, no entanto, faz com o que os dias sejam mais afetuosos. Em um cenário de destruição, a bondade das pessoas que se empenham para minimizar os transtornos é reconhecida pelos militares.

As mulheres de uma igreja evangélica que se uniram para criar uma “lavanderia” improvisada no QG dos bombeiros e lavar as roupas após um dia na lama são um exemplo. “Para mim, você ter alguém para pegar sua roupa, lavar e te entregar no dia seguinte limpinha, com um bilhetinho, um bombom, é a excelência da humanidade. Tem muita gente boa no mundo”, reconhece o capitão Acácio.

As centenas de voluntários que se dedicam a atividades no local, inclusive, têm feito um trabalho louvável para manter não só as famílias amparadas, mas também para cuidar dos militares em trabalho. Os pequenos detalhes diferenciam as ações em Brumadinho de outros que o tenente Roberto Marangon, que integra a corporação há mais de 10 anos, já participou.

“Costumamos falar que estamos sendo mais bem tratados aqui que em casa”, conta em tom de brincadeira ao contar que até reiki (terapia aplicada pelas mãos que visa canalizar as energias) eles receberam de uma profissional que foi ao local prestar assistência. “Eu nem conhecia. Achei muito interessante”, elogia.

Homem enlameado, após mais um dia de trabalho na lama, nos primeiros dias após a tragédia (Bárbara Ferreira/Divulgação)

Família

De acordo com o tenente Pedro Aihara, foi montado um posto médico avançado para as equipes que estão em campo, e que funciona 24h. “Há psicólogos, médicos e enfermeiros prontos para atendê-los”.

Sobre os contatos com a família, tão fundamental nesses momentos difíceis, para quem está em campo, é via telefone ou internet. “Às vezes uma ligação, uma conversa no WhatsApp com a família, um vídeo… Isso tudo ajuda a gente a enfrentar os desafios. A gente foca na missão de levar conforto e pensa que tem muita gente com uma situação muito pior que a nossa”, complementa o capitão Tristão.

Além de todos os bombeiros que se revezam entre a lama de rejeitos, há uma grande equipe de profissionais nas atividades administrativas e de planejamento do resgate. Aliás, o que é fundamental para lidar com tropas que giram em média de 280 a 300 pessoas, dia

“É como se fosse uma empresa. As buscas em campo são nossa atividade fim, mas existe toda uma equipe que cuida de revezamento das equipes, de saber da localização de cada integrante, da logística, planejamento e tudo mais para alinhar as estratégias”, explica o capitão Tristão.

Segundo Pedro Aihara, tudo é bem dimensionado para que nenhum bombeiro fique sobrecarregado. “Buscamos empregar a mão de obra militar de forma inteligente, com acompanhamento, para que as equipes se revezem adequadamente. Estamos sempre atentos à alimentação, para que as equipes tenham energia suficiente para trabalhar e descansar”.

Amizade e companheirismo

< O clima de amizade e companheirismo do grupo colabora para que a rotina exaustiva de buscas seja minimamente mais leve. “A gente dorme um do lado do outro. Às vezes você vê  que o colega que é falastrão deu aquela murchada, a gente procura, pergunta, tenta ajudar”, explica o tenente Maragon, reforçando que um militar acaba sendo apoio do outro.

Lado a lado, bombeiros observam área afetada (Bárbara Ferreira/BHAZ)

Tristão afirma que, para lidar com a mudança na rotina do pelotão e minimizar o cansaço natural de tantos dias de trabalho intenso, busca-se proporcionar pequenos “mimos” para a equipe, gerando o que ele chama de “conforto no desconforto”.

“Muda um pouco a rotina, né? Mas o que a gente procura oferecer para tropa não é luxo, mas é conforto. Um banho quente, um colchão macio, uma água gelada, um isotônico, uma barra de cereal. Às vezes, a comunidade traz um bolo, um biscoito caseiro. Isso faz a gente se sentir mais humano”, diz. Os pequenos detalhes, que às vezes passam despercebidos no dia a dia de quem está distante de uma tragédia dessa magnitude, para eles faz toda diferença. “Outro dia alguém deu até uma Coca-Cola aqui para gente almoçar”, conta com admiração o tenente, mostrando o quanto pequenos atos fazem a diferença em um contexto como esse.

Balanço geral

Segundo estatísticas do Corpo de Bombeiros de Minas (CBMMG), de 25 de janeiro – dia do colapso da barragem 1 e das estruturas menores 4 e 4A – até 14 de fevereiro, foram empregados 1,5 mil militares de Minas e de outros estados nas buscas e salvamentos na área atingida pelo colapso da barragem Córrego do Feijão.

No caso do CBMMG, participam militares da região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e de unidades operacionais localizadas em diversas regiões do Estado. Da equipe mineira, foram, em média, 200 militares diariamente empenhados nas ações; e cerca de 100 bombeiros de outros estados. As equipes contam, em média, diariamente, com cerca de 15 cães farejadores, especializados em buscas e salvamentos, dos batalhões de Minas e cedidos de outras unidades da federação.

Neste sábado (23), 68 militares atuam na chamada zona quente, com o auxílio de quatro cães e 54 máquinas em campo. “A cada dia que passa, o serviço fica mais difícil, mais complexo e mais dependente de equipes preparadas e eficientes”, diz um bombeiro mineiro.

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