A Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) pode ser palco de uma audiência pública de teor antivacina, sob o pretexto de tratar da saúde de crianças e adolescentes. A discussão foi proposta pelo vereador Uner Augusto (PRTB) e aprovada por três membros da Comissão de Saúde e Saneamento, dois deles da base do prefeito Fuad Noman (PSD).
Inicialmente, o vereador levou à comissão a proposta de uma audiência pública com o tema “discutir a eficácia e os efeitos da vacina da Covid em crianças e adolescentes”. Na lista de convidados propostos, estavam figuras notáveis do movimento antivacina, como os médicos Maria Emília Gadelha Serra e Roberto Zeballos.
Como nos bastidores já havia um entendimento de que os membros da comissão não aprovariam o requerimento, antes mesmo da reunião no dia 2 de fevereiro, Uner Augusto retirou o próprio pedido. Poucas semanas depois, o vereador voltou a propor uma audiência pública, desta vez com o tema “discutir a atenção dada a saúde de crianças e adolescentes”, e sem apresentar previamente a lista de convidados.
O vereador era suplente de Nikolas Ferreira (PL) e assumiu a cadeira na CMBH neste ano, após o ex-PRTB ser eleito deputado federal por Minas Gerais com votação histórica.
Nova audiência pública
Em reunião da Comissão de Saúde e Saneamento no dia 9 de março, o vereador apresentou a nova proposta, sem mencionar o tema vacinação. Segundo ele, a demanda de pais de crianças e adolescentes em relação à saúde é ampla e abrange, por exemplo, a falta de pediatras em postos de saúde da capital. Entretanto, esse tema, da falta de médicos, já foi tratado em uma audiência pública realizada na última semana.
Os vereadores Helinho da Farmácia (PSD), Maninho Félix (PSD) e Reinaldo Gomes “Preto Sacolão” (MDB) aprovaram o requerimento pela realização da audiência pública proposta por Uner Augusto. Votaram contra o vereador Dr. Célio Frois (PSC) e Bruno Pedralva (PT).
Durante a própria reunião, Bruno Pedralva se opôs à proposta, lembrando que o último pedido do vereador contava com uma lista de convidados propagandistas de campanhas contra a vacinação, e que o novo requerimento não cita os nomes dos futuros participantes da audiência pública.
“O que o vereador vai discutir lá na frente é problema dele, mas não estamos falando de vacina, estamos partindo para outra situação”, respondeu o vereador Reinaldo Gomes “Preto Sacolão”, presidente da Comissão de Saúde e Saneamento, ao votar pela aprovação do requerimento.
Tentativa de cancelamento
O vereador Bruno Pedralva entrou com um requerimento pedindo o cancelamento da audiência pública proposta por Uner Augusto e aprovada pelos colegas. Ele argumentou que, ao não apresentar a lista de convidados, o parlamentar feriu o Regimento Interno da Câmara Municipal.
“As comissões poderão realizar reunião de audiência pública […] mediante Requerimento de qualquer vereador. O Requerimento, que conterá a indicação da matéria a ser examinada e das pessoas que serão ouvidas, será discutido e votado pela Comissão”, diz o artigo 48 do Regimento Interno da casa legislativa.
Em reunião da Comissão de Saúde e Saneamento na última quinta-feira (17), além de pedir o cancelamento da audiência pública pelo desrespeito ao regimento, Pedralva lembrou o pedido anterior de teor antivacina feito pelo colega.
“Sabemos que este tema da vacinação infantil é algo super polêmico, e neste momento existem movimentos organizadores de mentiras não embasadas na ciência. Fake news sobre saúde mata”, afirmou o vereador.
Uner Augusto, por outro lado, argumentou na reunião que o único objetivo da audiência pública é discutir a saúde infantojuvenil.
“Mais uma vez, o vereador tenta inviabilizar minha atuação parlamentar por meio do cancelamento de uma audiência pública. Não consta no tema da minha audiência o termo ‘vacinação’. Ela tem como único objetivo, não o que está na cabeça e nas palavras do Bruno Pedralva, mas apenas o que está escrito no papel”, disse.
Ao deliberar, os vereadores Helinho da Farmácia, Maninho Félix e Reinaldo Gomes negaram o pedido de cancelamento da audiência pública, e Dr. Célio Frois e Bruno Pedralva votaram a favor da anulação. Com isso, a audiência foi mantida e está marcada para esta quinta-feira (23), ainda sem lista de convidados.
O BHAZ procurou os parlamentares que votaram pela realização da audiência e aguarda retorno de Maninho Félix e Reinaldo Gomes. A equipe do vereador Helinho da Farmácia informou que ele votou a favor porque o requerimento não menciona o tema vacinação, mas que, se for comprovado que o objetivo é contestar a ciência, o parlamentar vai se opor à realização da audiência.
‘Questão técnica e científica’
Ao BHAZ, Bruno Pedralva voltou a criticar a falta de apresentação da lista de convidados para realização da audiência, além de repudiar uma potencial discussão antivacina em um Plenário da Câmara Municipal de Belo Horizonte.
“Todo vereador tem direito de propor debates que julgar necessários, mas a Câmara não pode ser palanque para divulgação de fake news. Não se pode politizar a discussão sobre as vacinas, trata-se de questão técnica e científica. Isso fere as atribuições do legislativo”, defende.
O vereador acredita que, ao pedir o cancelamento da própria audiência pública e requerer uma nova com um nome diferente e sem apresentar os convidados, Uner Augusto estaria buscando uma saída para realizar a primeira discussão proposta, com os mesmos ativistas contra a vacinação.
O que diz o vereador Uner Augusto?
Procurado, o vereador Uner Augusto afirmou que o regimento interno da casa permite que a lista de convidados seja apresentada e votada no próprio dia da audiência pública. Segundo ele, os nomes ainda estão sendo levantados, e as presenças estão sendo confirmadas.
“De toda forma, foi aberta a possibilidade para qualquer vereador sugerir nomes de palestrantes. O tema a ser discutido é a atenção dada a saúde da criança e do adolescente, tema este muito relevante e que sempre deve ser discutido no município de BH”, diz comunicado encaminhado pelo vereador ao BHAZ.
“Gostaria de lembrar que a audiência pública é a ferramenta de trabalho do vereador e ele deve utilizá-la sempre que acreditar necessário, seja para ouvir a sociedade, seja para fiscalizar o poder executivo municipal”, completa.
O parlamentar diz estar aberto ao diálogo com outros vereadores e com a sociedade e convoca os interessados para acompanhar a audiência presencialmente ou pelo canal da CMBH no YouTube.
