Câmara aprova Lei que permite uso da Bíblia como material paradidático em escolas de BH

08/04/2025 às 17h36 - Atualizado em 08/04/2025 às 19h14
Foto: Divulgação Igreja Metodista

A Câmara de Vereadores de Belo Horizonte aprovou, nesta terça-feira (8), em segundo turno, Projeto de Lei que permite que a Bíblia seja utilizada como recurso paradidático, ou seja, complementar, nas escolas públicas e particulares da capital mineira. De autoria da vereadora Flávia Borja (DC), o PL obteve 28 votos favoráveis, 8 contrários e 2 abstenções e agora segue para sanção do prefeito Álvaro Damião (União Brasil).

De acordo com a parlamentar, o livro, considerado sagrado para muitas religiões, é também um importante instrumento para oferecer aos estudantes de Belo Horizonte referências filosóficas, históricas e éticas.

“É um material de suporte, de enriquecimento. É isso que esse projeto se propõe. É um livro milenar, mais lido em toda a História. Calcula-se que existam dois bilhões de livros impressos. É um livro de cabeceira de tantas pessoas. Tem uma riqueza de fonte inesgotável, de saber, que conta da história de todas as civilizações. Nós temos ali detalhes, que não se encontram em nenhum lugar”, explica Borja.

Borja defendeu que a Bíblia como um recurso complementar e não obrigatório pode ajudar na compreensão, por exemplo, sobre diferentes estilos literários que compõem o texto e garantiu que nenhum aluno deve ser obrigado, diante da aprovação pela Câmara, a participar das atividades relacionadas, sendo garantida, pela própria Lei, a liberdade religiosa.

“Nós temos diversas narrativas, como crônicas, cânticos, poemas, lamentações, parábolas, reflexões, provérbios. Por que não estar na escola? Por que temos que barrar a Bíblia dentro da escola? Vamos permitir que ela seja utilizada como fonte de informação, conhecimento e riqueza. Não é um projeto religioso. É um projeto de consulta”, defendeu.

“A Bíblia oferece insights valiosos sobre a religião, a cultura, a História. Contém uma riqueza histórica. O projeto não está obrigando as escolas a ministrar os ensinos da Bíblia. Quem dera fosse. Mas estamos diante de um livro milenar, cujo autor está vivo”, disse Wanderley Porto (PRD)

“O projeto, em momento algum, fala em imposição. O Estado é Laico, mas não é ateu. A Bíblia é o maior mapa arqueológico do mundo, traduzida para mais de 3.500 idiomas, dialoga com os 4 pilares do conhecimento: filosófico, vulgar, científico e teológico. Não estamos falando sobre imposição sobre fé”, reiterou Pablo Almeida (PL)

Durante a votação, vereadores contrários ao projeto citaram os riscos da Lei ferir a liberdade religiosa e ir contra a Constituição.

“Todo mundo sabe que esse projeto é inconstitucional. Se a PGM (Procuradoria-Geral de Belo Horizonte) não orientar o veto, vai cair na Justiça. Não é papel dessa Câmara discutir comportamento. O papel é discutir os problemas reais do povo de Belo Horizonte”, defendeu Bruno Pedralva (PT).

“Nós não somos contra a Bíblia. Mas o projeto não observa os princípios constitucionais, que reconheceu que nosso País é um Estado Laico, que não deve favorecer nenhum tipo de crença ou religiosidade em detrimento de outra”, disse Juhlia Santos (PSOL).

“É um projeto que passa por cima de valores democráticos, republicanos. Nós temos um comitê da Secretaria Municipal de Educação para avaliar qual tipo de livro é levado para as crianças das escolas de Belo Horizonte. Não é papel do Legislativo. Temos a Base Nacional Curricular, a Lei de Diretrizes e Bases”, disse Luiza Dulci (PT).

Dos 41 vereadores, apenas 8 votaram contra a lei: Bruno Pedralva, Luiza Dulci, Pedro Patrus e Pedro Roussef, do PT, Cida Falabella, Iza Lourença e Juhlia Santos, do PSOL, e Wagner Ferreira, do PV.

Especialistas criticam

Professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutor e pesquisador dos temas da laicidade, diversidade religiosa e escola pública, Heli Sabino de Oliveira lembra que um livro paradidático sempre é usado para aprofundamento de temas trabalhados em sala de aula que, segundo ele, compete ao corpo docente essa escolha.

“Não se trata de alguém externo à escola definir qual livro deve ser usado ou quais temas, já definidos pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que devem ser trabalhados. Quando você apresenta a Bíblia, a autonomia do professor pode ser colocada em xeque”, explica.

“A Bíblia pode ser usada como catequese de doutrinação e não para esse fim (paradidático). A Bíblia não é um único livro. É, na verdade, um conjunto de livros que se difere dependendo das versões, católica, evangélica, cristã ou judaica. A primeira parte diz respeito à parte judaica e a segunda ao cristianismo. Mesmo entre os cristãos, há diferença e não há consenso sobre a quantidade de livros”, complementa.

Alexandre Franco Bahia, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), critica a aprovação.

“É inconstitucional, porque fere a ideia de Estado Laico, garantido no artigo 19. Quando a gente pensa que escolas públicas teriam esse tipo de estudo, isso fere a laicidade e, pior ainda, é pensar que o custo de compras de Bíblias pelo orçamento público está sendo privatizado em favor de uma só corrente religiosa. Não se pode ter vínculo do Estado com nenhuma religião, o Estado não pode patrocinar nenhuma corrente”.

Pablo Nogueira

Pablo Nogueira é jornalista, formado pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), com mestrado em comunicação pela UFMG. Tem passagens pela Rádio Itatiaia, Rede Minas, TV Alterosa, governo do estado, Agência Minas e Centro de Comunicação da Universidade Federal de Minas. Venceu os prêmios de jornalismo CDL, em 2024, MOL, em 2023, e Amagis, em 2022, além de ter sido finalista dos prêmios ABMES, em 2023, CDL, em 2022 e 2023, e C6 Bank, em 2022. É editor do BHAZ.

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Pablo Nogueira é jornalista, formado pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH), com mestrado em comunicação pela UFMG. Tem passagens pela Rádio Itatiaia, Rede Minas, TV Alterosa, governo do estado, Agência Minas e Centro de Comunicação da Universidade Federal de Minas. Venceu os prêmios de jornalismo CDL, em 2024, MOL, em 2023, e Amagis, em 2022, além de ter sido finalista dos prêmios ABMES, em 2023, CDL, em 2022 e 2023, e C6 Bank, em 2022. É editor do BHAZ.

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