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A lenda e o homem: Conheça o professor que ‘venceu’ o Capeta da Vilarinho numa batalha de dança

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capeta da vilarinho
Quem mora na região Norte de Belo Horizonte certamente já ouviu falar no Capeta da Vilarinho, uma das lendas urbanas mais antigas da cidade (Matheus Hass/O Que Te Assombra)

Neste 29 de abril de 2024, Dia Mundial da Dança, um professor universitário conta como venceu uma lenda de BH em um duelo de dança. Figura ilustre entre quem vive na região Norte de Belo Horizonte e famoso por toda a capital mineira, o Capeta da Vilarinho habita o imaginário de milhares de pessoas há mais de 30 anos. O que poucos sabem é que um homem, hoje com 58 anos, diz ter dominado o próprio “coisa ruim” na mesma quadra que projetou a assombração para todo o Brasil. Trata-se do professor Ricardo Malta.

Morador do bairro Planalto, também na região Norte da cidade, Ricardo conta com orgulho ter desafiado e vencido o Capeta da Vilarinho num dos bailes ocorridos no local. Segundo ele, o episódio ocorreu quando fazia “bicos” como DJ na juventude. Foi também na Vilarinho que Ricardo apaixonou-se pela dança.

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Ricardo Malta tornou-se parte da história do Capeta da Vilarinho
(Arquivo pessoal)

Hoje professor universitário, ele lembra daquele sábado, em dezembro de 1988, quando um homem diferente, no mínimo curioso, apareceu nas quadras para participar de uma das tradicionais competições de dança que aconteciam por lá. “Era um cara esguio, alto, de chapéu, pés pequenos”, diz.

“Como a gente frequentava o Vilarinho há muito tempo, quem era diferente a gente percebia”, relembra Ricardo, em conversa com o BHAZ. O professor conta que o homem misterioso logo foi a encontro de uma das meninas mais lindas da quadra e a chamou para ser seu par no concurso.

Logo que a música começou, todos se impressionaram com o talento do “pé de valsa”. “Passaram-se as fases do concurso e no final ficou eu com minha companheira e ele com essa menina. Todo mundo tinha certeza de que ele ia ganhar, pois ele realmente dançava muito bem, só que no final quem ganhou fui eu”, diz.

Revelação

A vitória de Ricardo, no entanto, não foi bem recebida pelo desconhecido, como relata o professor. Nervoso, ele começou a discutir com a parceira de dança, a culpando pela derrota. Durante a música lenta, na tentativa de acalmá-lo, a moça começou a acariciar o rosto dele, mas a magia do momento logo foi interrompida.

“Quando começou a música lenta, ela deu um grito e ele subiu correndo em direção ao banheiro. Nós perguntamos ela o que tinha acontecido e ela disse que foi fazer um carinho nele, o chapéu caiu e ela viu que tinha duas coisas pontiagudas na cabeça dele. Na hora que ela olhou para baixo, os pés dele se transformaram em pés de bode”, conta o professor.

Percebendo que atraiu os olhares de todo o baile para si, o homem saiu correndo em direção ao banheiro. “Fomos atrás dele, mas ele não tava mais lá. Entrando no banheiro o pessoal só sentiu um cheiro muito forte de enxofre”, explica ele.

Maldição do Capeta da Vilarinho?

Quando os dançarinos se deram conta, o homem já estava na porta de saída. O porteiro do local, Maciel, tentou contê-lo, mas foi empurrado para longe. “O Capeta deu um chute e jogou o Maciel longe, ele até hoje ele tem a marca na canela. Desde então nunca mais vi ele”.

Anos depois do confronto, Ricardo acabou se tornando deficiente visual, o que ele encara como um divisor de águas em sua vida. Quem conhece sua relação com a assombração mais famosa de Venda Nova, no entanto, encara a “cegueira” repentina como uma maldição.

Ricardo, por sua vez, garante que a deficiência teve pouco ou nenhum impacto negativo em sua rotina. “O bem sempre vence. Se ele achou que ia me parar, achou errado. Nunca deixei de fazer nada pelo fato de ser cego, muito pelo contrário, minha vida só andou”, diz.

Desde que a história se tornou conhecida, o professor se tornou “figurinha carimbada” no noticiário mineiro, tendo participado de várias reportagens especiais sobre a lenda belo-horizontina.

Lenda de Venda Nova vira ilustração

Toda a fantasia que envolve o Capeta da Vilarinho acabou atraindo olhares de várias partes do mundo. O caso, pra lá de curioso, chegou a ser registrado até mesmo no jornal New York Times na época em que a história se popularizou.

Recentemente, o roteirista Thiago de Souza, de Campinas, em São Paulo, transformou o Capeta da Vilarinho em uma história ilustrada a partir do projeto audiovisual “O Que Te Assombra”, idealizado por ele. É justamente o fato de ser um entusiasta dos contos brasileiros que fez com que ele conseguisse identificar algumas referências que nos ajudam a entender um pouco mais sobre o Capeta.

“A história do Capeta da Vilarinho é maravilhosa por vários motivos. Acho incrível como ela é soma de alguns arquétipos de outros universos. É muito interessante a relação dele com a dança, que é uma coisa do Zé Pelintra (entidade de cultos afro-brasileiros), até o chapeuzinho, o terno, a vestimenta”, explica ele.

Apesar de nunca mais ter sido visto na região, quem mora em Venda Nova acredita que um filho do Capeta ainda vive por lá. Para Thiago, esse aspecto da história lembra a famosa lenda amazônica do “Boto cor-de-rosa”, que se transformava em homem para engravidar mulheres ribeirinhas.

“Também destaco o fato de ele ser loiro de olho azul, para se destacar entre as pessoas majoritariamente negras que estavam em um baile black. No fim das contas, acreditando ou não naquilo, é uma história que é criada quase que para estigmatizar também o baile. Existem várias questões que giram em torno do Capeta que eu acho sensacionais”, acrescentou ele.

Lembrado até hoje por quem mora na região, seja com descrença, seja com medo, o Capeta da Vilarinho acabou se tornando parte da identidade de Venda Nova. Sobrevivente da história, Ricardo Malta se orgulha de ser conhecido como o dançarino que teve a audácia de vencer a assombração. São as duas faces da lenda.

Do Bonfim à Savassi: Fantasmas contam a história de BH

A professora de história da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Heloísa Murgel Starling, há anos se dedica a pesquisar a origem e os “rastros” deixados pelos fantasmas de Belo Horizonte. Para ela, esses personagens tão curiosos têm o papel fundamental de contar a história íntima e imaginária da cidade.

Da Loira do Bonfim, passando pela Avantesma da Lagoinha e até o fantasma do Palácio da Liberdade, BH está repleta de fantasmas que ajudam a contar a história da capital mineira (veja aqui).

Larissa Reis

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.
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