Em meio à pandemia, PBH demole casa e idosa e a filha ficam sem lar: ‘Me senti envergonhada’

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Enquanto a casa era demolida, vizinhos assistiam à cena, constrangendo a dona (Arquivo Pessoal)

Enquanto a recomendação das autoridades e dos órgãos de saúde é de “ficar em casa”, uma vendedora de 65 anos viu seu próprio lar ser demolido por um trator em meio à pandemia de Covid-19. Na última quinta-feira (21), a PBH (Prefeitura de Belo Horizonte) demoliu o imóvel e deixou a dona da casa e a sobrinha, que é filha dela de criação, sem lugar para morar.

A advogada especialista em direito da família Andrea D’Amato explica que tudo começou com um processo judicial de desapropriação do imóvel, que fica no bairro Boa Vista, na região Leste da capital. A justificativa da PBH seria a construção de uma avenida, mas, segundo a advogada, um engenheiro comprovou que a casa não seria atingida pelas obras da via.

“Foi feita a medição e isso foi comprovado. Tentamos agir judicialmente para que a prefeitura assumisse que a construção não pegaria a casa, mas o juiz não aceitou e determinou a demolição”, explica a advogada.

O acordo entre a PBH e a dona do imóvel, que preferiu não ter o nome divulgado, determinou que ela recebesse uma indenização de R$ 224.416,50 pela desocupação do local. Mas, até hoje, ela ainda não recebeu o valor e não tem como comprar ou alugar outra casa.

“Pedi para que o juiz, pelo menos, liberasse o valor antes da demolição, mas ele disse que só liberaria depois. Também pedi que fosse oferecido algum tipo de abrigo a elas enquanto a indenização não fosse paga, mas isso também foi negado”, conta Andrea.

A advogada pediu que a PBH aguardasse o período da pandemia para que a ordem fosse cumprida, mas não adiantou. Antes das moradoras conseguirem tirar todos os móveis da casa, ela foi demolida.

A PBH justificou a ação por meio de nota (leia na íntegra abaixo) e afirma que uma vizinha alega que a vendedora e a sobrinha não moravam no local. Apesar disso, todos os pertences das moradoras estavam no imóvel e a dona da casa afirma que morava por lá.

Constrangimento e decepção

Ao BHAZ, a dona da casa desabafou sobre a decepção que sentiu ao ver a prefeitura da própria cidade agir de tal forma. Ela conta que, no dia da demolição, os vizinhos saíram de casa para assistir à cena, deixando-a constrangida.

“Foi o cúmulo do absurdo, me senti envergonhada, todo mundo estava vendo. Nossa casa é nossa segurança durante essa pandemia, é nosso conforto, onde vamos ficar agora? Nós respeitamos as leis e esperamos que elas nos defendam, mas quando mais precisamos, cadê?”, conta.

Ela havia sido comunicada sobre a demolição na sexta-feira (15) e, na terça-feira da semana seguinte (19), a PBH já queria colocar o plano em ação. As moradoras e a advogada conseguiram postergar a decisão por dois dias, enquanto os móveis e os pertences eram retirados da casa, mas o tempo não foi suficiente e, na quinta-feira (21), a casa foi ao chão.

“Eu encontrei documentos importantes em meio ao lixo da demolição. Deixei os pertences que consegui tirar na casa de uma vizinha, mas ela me deu uma semana para tirá-los de lá, porque está arrumando a casa para alugá-la”, conta a dona da casa.

A idosa está morando na casa de uma irmã, junto com a sobrinha, mas ainda não sabe quando vai receber a indenização. A advogada Andrea D’Amato afirma que há um julgamento marcado para o dia 18 de junho para decidir a liberação do valor, mas reforça que vai tentar adiar a decisão para aliviar o sofrimento da família.

Nota da PBH

A Prefeitura de Belo Horizonte informa que atendeu todas as condições legais do Decreto-Lei nº 3.365/41, que rege as desapropriações, a fim de obter a autorização judicial para imissão na posse deste imóvel. A Prefeitura informa ainda que o processo foi ajuizado em março de 2018.

Todos os procedimentos adotados pelo município em relação a desapropriações respeitam, acima de tudo, a dignidade e a segurança de todos os envolvidos no processo. Além disso, os preceitos constitucionais e legais aplicáveis à desapropriação são seguidos à risca com o objetivo de respeitar os direitos e as garantias fundamentais dos cidadãos, inclusive com o prévio depósito da indenização arbitrada judicialmente ou do pagamento de indenização acordada. É importante destacar ainda que a Prefeitura, com a preocupação de reduzir os transtornos decorrentes das decisões judiciais nos processos de desapropriação, comunica previamente os proprietários e ocupantes dos imóveis sobre a data prevista do cumprimento da ordem judicial e coloca toda a sua estrutura social e logística, como transporte dos desapropriados em vulnerabilidade social e seus pertences, à disposição dos mesmos.

A Prefeitura foi até o local, mas a moradora não atendeu aos chamados. Após as tentativas, a vizinha informou que elas não estavam residindo na casa desde a primeira visita do Oficial de Justiça, dia 19/05/2020, que cumpriu a ordem de imissão na posse. Segundo informação da vizinha, elas estariam residindo (desde antes da mudança) com um parente no centro de Belo Horizonte. A Prefeitura informa ainda que o depósito judicial foi realizado no dia 20/09/2019″

Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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