Um fotógrafo relatou uma situação de racismo que viveu em uma sorveteria no Lourdes, região Centro-Sul de Belo Horizonte, nessa quinta-feira (25). Um homem questionou se o profissional “pertencia” ao lugar.
Ramon Rodrigues Matias, de 23 anos, costuma trabalhar em sorveterias ou cafés, no momento de edição do seu trabalho. Ao BHAZ, ele conta que foi com um amigo até a Alessa Gelato & Caffè, na rua São Paulo, no fim da tarde.
A situação aconteceu por volta das 18h30. “Meu amigo, que é branco, já tinha ido embora, mas eu continuei trabalhando sozinho. Estava concentrado no trabalho, mas percebi uma conversa em uma mesa próxima”.
“Esse cara chegou, e a mesa que eu estava sentado era perto de um lavatório. Ele perguntou para a funcionária, olhando pra mim, se eu era o tipo de cliente que frequentava aquele ambiente. Ele falou duas vezes. Na primeira, fui confrontá-lo sem o celular, mas na outra decidir gravar tudo”, relata.
Deboche
Durante o vídeo, Ramon aparece nervoso com a situação e vai questioná-lo. “Ele começou a ironizar a situação, cantou uma música do Arnaldo Antunes que só confirma o racismo”, continua. O homem segue perguntando se o fotógrafo está bem, ao que ele responde que sim.
“Me incomodou muito o deboche na fala dele. A forma como ele continuou me tratando, ironizando. A narrativa dele foi muito feia”, relata.
Ramon conta que já passou por situações de racismo em outras vezes, mas sempre algo velado. “A gente sabe que é, mas deixa passar, a gente finge que não aconteceu. Evitamos falar. Mas quando isso acontece de uma forma tão expressiva, é um baque. E essa eu realmente tive forças para abrir a minha voz e não deixar isso passar”.
“Tem branco que acha que preto foi feito para servir, que a gente não pode frequentar os mesmos lugares. Não gosto de generalizar, mas acontece bastante”, desabafa.
Polícia
O fotógrafo acionou a polícia para registrar um boletim de ocorrência. “Liguei para a policia, mas eles demoraram um pouco a chegar. Passaram uns 20 minutos e vi uma viatura no fim da rua, corri para chamar”.
Só que quando ele voltou à sorveteria, o homem já não estava mais lá. “Ninguém sabia a identidade dele ou onde morava. Saímos para procurá-lo, mas não achamos”.
Foi aí que Ramon teve a ideia de postar o vídeo nas redes sociais, depois de conversar com a família. “Com a repercussão, acabamos descobrindo a identidade dele e sabendo que ele mora na região”.
Durante a tarde de hoje (26), o profissional registrou o caso na Polícia Civil, junto a um advogado. Ao BHAZ, a corporação informou que “o caso foi registrado nesta tarde (26) na Delegacia Especializada em Investigação de Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas para as providências de polícia judiciária”.
Segundo Ramon, a dona da sorveteria ligou para ele e está prestando todo o suporte. Da mesma forma, funcionários do local também se prontificaram para ajudar. O jovem garante que não deixará o episódio passar impune. “Vamos abrir um processo contra ele. Temos testemunhas e isso não vai passar”, completa.
Racismo é crime
De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é classificada como crime de racismo – previsto na Lei n. 7.716/1989 – toda conduta discriminatória contra “um grupo ou coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”.
A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Por exemplo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, negar ou obstar emprego em empresa privada, além de induzir e incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.
Já a discriminação que não se dirige ao coletivo, mas a uma pessoa específica, também é crime. Trata-se de injúria racial, crime associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima – é o caso dos diversos episódios registrados no futebol, por exemplo, quando jogadores negros são chamados de “macacos” e outros termos ofensivos.
Quem comete injúria racial pode pegar pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. Em outubro de 2021, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o crime de injúria racial também deve ser declarado imprescritível e inafiançável, assim como o crime de racismo.
Canais de denúncia
- Delegacia Especializada em Repressão aos crimes de Racismo, Xenofobia, Homofobia e Intolerâncias Correlatas – DECRIN
Telefone: (31) 3335-0452
Endereço: Avenida Augusto de Lima, 1942 – Barro Preto
Horário de Funcionamento: Segunda à Sexta, de 12h às 19h
- Ministério Público – Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Igualdade Racial, Apoio Comunitário e Fiscalização da Atividade Policial
Telefone: (31) 3295-2009
Endereço: Rua dos Timbiras, 2928 5º andar Barro Preto – Belo Horizonte – MG
Horário de Funcionamento: Segunda à Sexta, de 13h às 18h
E-mail: [email protected]
- Disque 100 – Disque Direitos Humanos
Horário de funcionamento: diariamente de 8h às 22h
Cidadão brasileiro fora do Brasil, pode discar: +55 61 3212-8400.
E-mail para denúncias: [email protected]
- Disque 190 – Policia Militar
O 190 é destinado ao atendimento da população nas situações de urgências policiais. Atendimento 24 horas por dia, todos os dias da semana.
- Disque 181 – Denúncia Anônima
Serviço destinado ao recebimento de informações dos cidadãos e cidadãs sobre crimes de que tenham conhecimento e possam auxiliar o trabalho policial.
No Disque Denúncia 181 a identidade do denunciante e denunciado é preservada.
Atendimento 24 horas por dia, todos os dias da semana.