Visto correndo, jovem negro é acusado de roubo e exposto nas redes: ‘Se fosse branco passaria batido’

jovem acusado roubo
Jovem teve imagem exposta nas redes sociais a foi acusado de crime que não cometeu (Reprodução/Facebook)

Um jovem de 20 anos, de Contagem, na Grande BH, foi acusado indevidamente de roubo e teve sua imagem amplamente divulgada nas redes sociais. A vítima, que terá sua identidade preservada, estava saindo de um curso de jovem aprendiz e corria por conta da chuva. Ele acredita que, por ser negro e estar correndo, virou alvo de um dono de comércio da região, que fez as postagens. A Polícia Civil realiza diligências para identificar o suspeito.

O caso ocorreu no dia 5 de janeiro deste ano, na avenida José Faria da Rocha, bairro Eldorado, em Contagem. O jovem voltava do curso, por volta de meio-dia. No momento, chovia um pouco e, com isso, ele precisou acelerar o passo para se abrigar em um ponto de ônibus. Mais tarde, naquele mesmo dia, por volta das 20h, ele começou a receber mensagens de amigos, falando que prints dele circulavam pelo Facebook. Ele estava sendo acusado de furtar dois aparelhos celulares.

Ao BHAZ, o jovem conta os momentos de pânico. “Eu estava na rua na hora, levando minha namorada embora. Quando vi as imagens, comecei a ficar desesperado. Fiquei com medo de me reconhecerem na rua, de fazerem algum mal pra mim. A gente sabe que até explicar que era mentira, poderia ser tarde”, desabafa.

Imagens foram divulgadas nas redes sociais (Reprodução/Facebook)

“O meu curso fica tipo a 200 metros dessa loja que ele postou os prints, então obrigatoriamente eu tenho que passar por lá. O dono desse comércio que está me acusando disse que eu teria entrado na loja dele, roubado dois celulares e corrido”, explica.

Exposto para milhares

A pessoa que acusa o jovem postou os prints no grupo “Bazar da Catira de Contagem”, com mais de 60 mil membros, e também no Marketplace, um local de vendas com alcance nacional. “Ladrão roubou no Eldorado JK se alguém conhecer, favor chamar no chat”, dizia a legenda da postagem. As imagens viralizaram rapidamente.

Como o dono da loja pegou também câmeras de segurança de outros comércios, o jovem acredita que está visado no local. “Poderia ser com qualquer um, mas foi comigo. Como ele é dono de loja, obviamente ele já passou para todas as outras lojas da região. As pessoas podem até chegar me linchando por conta disso”.

O jovem relata que a primeira coisa que fez foi ligar para a polícia. “Aí depois fui direto numa base móvel para ver como iria proceder. A Delegacia de Crimes Cibernéticos só abria no outro dia, então esperei e fui até lá logo cedo fazer um boletim de ocorrência”, continua.

‘Medo é grande’

Agora, o jovem tem medo de ir ao curso de ônibus novamente. “No dia que aconteceu, todo mundo da minha família ficou desesperado. Minha mãe recebeu o vídeo, começou a passar mal com a situação. As coisas demoraram um pouco para se acalmar. Agora, ela me leva para o curso de carro, me deixa lá dentro e me busca. O medo é grande”, desabafa.

O rapaz acredita que há racismo no caso, e é assim que está sendo conduzido. “Eu estava com o cabelo descolorido na época, mais volumoso. Acredito que foi racismo, talvez uma pessoa branca passaria batida na situação. Mas como era eu, negro, correndo, com o cabelo maior, influenciou. Meu sentimento ainda é de tristeza”.

Ações criminais

Gilberto Silva, advogado especialista em crimes contra a honra, é o responsável pelo caso. De acordo com o defensor, duas ações estão sendo movidas contra o dono da loja. “Primeiramente por calúnia, por imputar a alguém um crime que não cometeu. A outra é de injúria, já que a pessoa que fez a postagem chama meu cliente de ‘ladrão’ e ‘vagabundo’, isso atinge diretamente a honra”.

“Buscamos uma reparação civil, tendo em vista a exposição e a situação que ele se encontra atualmente. A rede de internet hoje tem um alcance que não dá para mensurar. Essa reparação tem um caráter pedagógico punitivo, para que essa pessoa não cometa esse tipo de crime com mais ninguém”, reforça o advogado.

A situação ocorrida com o jovem tem um contexto social, segundo Silva. “É o racismo estrutural que temos na sociedade. Por se tratar de um jovem negro, com cabelo platinado amarelo, que passou correndo na porta do estabelecimento, tudo isso somado trouxe o desfecho do caso. É uma criminalização histórica das pessoas pretas. A sociedade visualiza essas pessoas como aquelas que cometem delitos, que são atos de discriminação e racismo estrutural”.

O que fazer?

Caso você seja vítima ou conheça alguém que esteja passando por essa situação, o advogado explica que o primeiro passo é fazer o print das imagens e publicações. “É melhor que se faça os prints por meio do computador, que pega o ‘http’ e pode mostrar por onde foram disparadas as imagens, isso ajuda muito a polícia. Depois, fazer o boletim de ocorrência nas delegacias cibernéticas, de preferência. Por fim, buscar um advogado da sua confiança”.

Por fim, o advogado faz um apelo para o despertamento da sociedade em relação às pessoas pretas. “É preciso buscar a conscientização sobre as pessoas pretas que seguem sendo criminalizadas pela cor da pele. O Brasil tem um contexto de pessoas vindas da África, é preciso lembrar das riquezas que vieram de lá, ter um olhar melhor. As pessoas precisam ficar mais espertas”, completa.

Nota da Polícia Civil na íntegra

A Polícia Civil de Minas Gerais informa que a vítima, de 20 anos, registrou a ocorrência do crime de calúnia, no dia 5 de janeiro deste ano, em Contagem. Na oportunidade, ele foi informado acerca da necessidade de representação para instauração do procedimento criminal. A PCMG realiza diligências para identificar o suspeito para prosseguimento do feito”.

Racismo é crime

De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é classificada como crime de racismo – previsto na Lei n. 7.716/1989 – toda conduta discriminatória contra “um grupo ou coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”.

A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Por exemplo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, negar ou obstar emprego em empresa privada, além de induzir e incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.

Já a discriminação que não se dirige ao coletivo, mas a uma pessoa específica, também é crime. Trata-se de injúria racial, crime associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima – é o caso dos diversos episódios registrados no futebol, por exemplo, quando jogadores negros são chamados de “macacos” e outros termos ofensivos. Quem comete injúria racial pode pegar pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Canais de denúncia

  • Delegacia Especializada em Repressão aos crimes de Racismo, Xenofobia, Homofobia e Intolerâncias Correlatas – DECRIN

Telefone: (31) 3335-0452

Endereço: Avenida Augusto de Lima, 1942 – Barro Preto

Horário de Funcionamento: Segunda à Sexta, de 12h às 19h

  • Ministério Público – Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos, Igualdade Racial, Apoio Comunitário e Fiscalização da Atividade Policial

Telefone: (31) 3295-2009

Endereço: Rua dos Timbiras, 2928 5º andar Barro Preto – Belo Horizonte – MG

Horário de Funcionamento: Segunda à Sexta, de 13h às 18h

E-mail: [email protected]

  • Disque 100 – Disque Direitos Humanos

Horário de funcionamento: diariamente de 8h às 22h

Cidadão brasileiro fora do Brasil, pode discar: +55 61 3212-8400.

E-mail para denúncias: [email protected]

  • Disque 190 – Policia Militar

O 190 é destinado ao atendimento da população nas situações de urgências policiais. Atendimento 24 horas por dia, todos os dias da semana.

  • Disque 181 – Denúncia Anônima

Serviço destinado ao recebimento de informações dos cidadãos e cidadãs sobre crimes de que tenham conhecimento e possam auxiliar o trabalho policial.

No Disque Denúncia 181 a identidade do denunciante e denunciado é preservada.

Atendimento 24 horas por dia, todos os dias da semana.

Edição: Roberth Costa
Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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