Chef de BH responde crítica e dá aula sobre administração de restaurantes

Chef Léo Paixão dá aula sobre administração de restaurantes enquanto responde uma crítica

O renomado chef Léo Paixão, responsável pelo restaurante Glouton resolveu responder uma crítica feita ao seu restaurante em um grupo do Facebook chamado Restaurantes de Belo Horizonte.

Em sua resposta, o empresário lista todos os custos e desafios diários necessários para manter um restaurante de alta gastronomia na cidade.

A critica que originou a resposta comparava o preço da matéria prima ao preço do prato no restaurante. Já a longa resposta/explicação mostrou que esse valor representa somente 1/3 das despesas totais.

Confira a resposta na integra.

Resposta ao texto “PAPO RETO: A PAPADA PRECIOSA”

Gostaria de começar o texto agradecendo ao enorme carinho dos nossos queridos conterrâneos. Fiquei emocionado com a quantidade de gente que nos apoiou nos comentários. Fico muito feliz que exista tanta gente que valoriza, respeita e aprecia a gastronomia. Isso me deixa muito inspirado para continuar na luta. Tenho muito carinho por vocês que compartilham comigo essa paixão pela culinária.

Recentemente foi escrito um texto que me cita e cita meu restaurante, Glouton, como exemplo de cobranças abusivas por ingredientes baratos “gourmetizados”. Disse também que “Falta informação, falta cultura e por vezes sinto falta de um pouco mais de honestidade.”

Acho muito fortes insinuações de desonestidade direcionadas aos empresários do setor de restaurantes, um dos mais difíceis do mercado.
Apesar de ter dito no texto que entende bem os custos envolvidos em um restaurante, vou fazer uma continha aqui e dar um pouco mais dessa informação.

Nosso gasto mensal com água, luz, gás, aluguel, telefone, alarme, limpeza de fossa, lavanderia, controle de pragas, contador, recolhimento de lixo e manutenção em geral (equipamentos, jardinagem, limpeza de calhas, quebra de pratos, taças, perdas de talheres e etc) é aproximadamente 70.000.

Nosso gasto com salários, transporte de funcionários e gratificações é aproximadamente 135.000.

Nosso gasto mensal com impostos em geral (somos uma média empresa) é 95.000 reais.

Nosso gasto mensal com produtos em geral: insumos e bebidas é em torno de 160.000

Atendemos uma média de 4000 clientes por mês. Sendo assim nosso gasto por cliente atendido é 115 reais, sendo que desse valor 40 reais é o custo de produtos aproximado. Vale frizar que sempre a margem direta sobre as bebidas é pelo menos 4 vezes menor que sobre alimentos, uma vez que custa muito mais caro para se preparar um prato que servir uma bebida.

Dessa forma nosso custo de matéria prima vendida, ou CMV, é 34,7% de nossos gastos. Daí você pode ver como o Glouton é um restaurante bem administrado. Poucos conseguem manter um CMV destes, próximo a 33,33%, que é considerado o ideal para uma administração saudável.

Trocando em miúdos, do custo dessa papada pra mim, somente 1/3 foi de ingrediente.

Fazendo essa continha perversa por cliente e analisando os números de forma fria, se um casal vem aqui com Chef’s Club e o consumo fica em 250 reais (duas papadas e um vinho de 102, água gratuita), você paga 205,60 (44,4 reais de desconto). Essa conta é 24,4 reais mais baixo que o simples custo médio de dois clientes na casa seja, “alguém pagou sua conta.”

Respondo à pergunta:

“Será que a gente tem um prazer sórdido em ser feito de trouxa?”

Na realidade acho difícil isso acontecer na gastronomia. Manter um restaurante com os custos altíssimos e a pequena margem de lucro é tão difícil que, segundo a ABRASEL 70% das casas abertas no Brasil fecham antes de completar 5 anos. Se fosse esse negócio da China, a história seria bem diferente.

E respondo especialmente à essa, muito obrigado por me dar a chance:

“Porque transformar coisas simples, acessíveis e que são absolutamente maravilhosas por isso mesmo, em produtos de boutique?”

Ora, essa é a essência da gastronomia e o real sentido da minha vida. Isso é meu sonho, de transformar o ordinário em extraordinário! É duro, é árduo e muitas vezes vai contra muita gente, mas é a poesia da minha existência. E citando também Rachel de Queiroz:

“A vida sem sonhos é muitíssimo mais fácil. Sonhar custa caro. E não digo só em moeda corrente do País, mas daquilo que forma a própria substância dos sonhos”.

Agora, pensando na papada, eu não pago 8,90 no quilo, pago 6,50. Ela gera uma perda de 70% no processo de limpeza e desengorduramento e mais uma perda no forno. Segundo nossos cálculos, cada quilo de papada nos da 1 porção. Servimos aproximadamente 160 papadas por semana. Ela precisa de duas funcionarias qualificadas durante meio horário para a limpeza, mais tempo de outros dois funcionários para grelhar. Gastamos muito suco de laranja espremida na hora, caldo de carne feito no Glouton com mocotó e carne moída. Esse caldo leva dois dias para ficar pronto, gasta energia de 5 horas de forno para cozinhar a carne, mais 12 horas cozinhando, mais 6 horas reduzindo. No dia seguinte uma funcionaria escorre a papada e enrola ela durante meio horário. Outro funcionário pega os caldos e faz o molho, que leva 6 horas para reduzir e vários temperos. A guarnição de mil folhas de mandioca gasta 2 quilos de manteiga e sete de mandioca por tabuleiro, um tabuleiro da 36 porções, gasta o dia inteiro de duas funcionarias para laminar e intercalar as mandiocas, depois 7 horas de forno durante a noite. Depois resfria por 24 horas e é porcionada por outro funcionário, grelhada e finalizada. Os pasteizinhos de batata doce são feitos com recheio de puré de batata e massa de guioza que custa caro. A acelga é selecionada, aparada e lavada por outro funcionário. O prato é servido em uma louça artesanal super frágil que custa 110 reais por prato e possui razoável quebra, que entra no custo de manutenção. Se colocar tudo no papel, ela é mais cara que o atum que, apesar de custar 89 reais o quilo, não gasta equipamento, mão de obra ou tempo de preparo.

Dando um pouco mais de informação, carnes de porco não são divididas entre carne de primeira e carne de segunda. O critério para dividir as carnes é a dureza: carnes de primeira são naturalmente macias e carnes de segunda são, por definição, mais duras e precisam ser amaciadas pela cocção para serem comidas. É uma nomenclatura besta, mesmo porque uma rabada, por exemplo, tem tanta perda em osso que fica mais cara por quilo que um filé mignon.

Eu realmente acredito na gastronomia, acredito na magia da boa experiência em um restaurante, que inclui desde a decoração, climatização, ambiente, serviço, bebidas e comidas. Acho que é das coisas mais extraordinárias da vida, alimenta o corpo e a alma, um lugar para ser feliz com a família, amigos e pessoas que ama. Faço isso com muito carinho e tomo extremo cuidado para cobrar o preço mais justo possível por isso.

Abraços,

Leo Paixão
Chef, proprietário Restaurante Glouton.

Clique aqui e veja a crítica.

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