Livro de fotografia conta histórias sobre a Avenida Amazonas, no Centro de Belo Horizonte

Fotografia da Avenida Amazonas, do livro de mesmo nome
Fotografia da Avenida Amazonas, do livro de mesmo nome

O asfalto e o preto e branco, o grão da película e o grão do asfalto – assim, a fotografia conta a avenida. Essa é a proposta do livro “Amazonas”, de Felipe Chimicatti, que será lançado no sábado (9). A história perpassa imagens da via central de Belo Horizonte nos últimos cinco anos, feitas em formato analógico, e mescla outros dois registros – do início da década de 40, em imagens feitas pelo fotógrafo Wilson Baptista – e imagens de Felipe dos autos da “Tragédia da Gameleira”, em 1971, quando 69 operários foram mortos por um acidente no pavilhão onde, hoje, funciona o Expominas.

O objetivo é claro: mostrar que a epiderme da via perpassa vidas e causos próprios. Muitas vezes, com o corpo da avenida contando em si parte da história e revelando esquecimentos engolidos pelo asfalto. O projeto nasceu há cinco anos, quando o fotógrafo começou a registrar a Amazonas. À época, uma bandeira do Brasil, exposta “de forma meio tosca”, como define Felipe, foi o pontapé para o trabalho, que se propunha inicialmente a lidar e entender a chegada da extrema-direita no poder por meio dos registros. Foram cerca de mil fotogramas em cinco anos, resultando nas cerca de 50 fotografias registradas no livro.

“Em 2019, a extrema-direita venceu nas urnas e aquela imagem, da bandeira, me chamou a atenção e pensei que a avenida era um lugar que poderia traduzir as tensões que o Brasil vivia na época, de que formas que a avenida podia espacializar, transformar em imagem, as questões sociais que estavam conflagradas no Brasil”, relembra.

Como inspiração, Felipe cita o fotógrafo suíço Robert Frank, que trabalhou com imagens de estadunidenses e representou a bandeira do país como símbolo do momento político da nação no século passado. “Daí, comecei a fotografar a avenida. Expus o preliminar desse trabalho em um prêmio do BDMG Cultural dois anos depois, mas desde o início quis transformar o trabalho em livro. Na pesquisa bibliográfica, cheguei na Tragédia da Gameleira e fui atrás dos autos policiais. Foi a forma adequada de contar essa história. Os autos são um labirinto, tal qual é o evento”, conta.

As imagens, todas em branco e preto, são acompanhadas pela análise urbanística da arquiteta Junia Mortimer. “Os textos da Junia vêm um pouco no sentido de produzir um diálogo, uma intercessão com as imagens. A ideia é que não fossem textos críticos, na forma da curadoria e exposições, mas que tivessem valor narrativo. Eles têm uma forma pessoal, mais íntima, e tratam dos problemas de sociabilidade encontrados hoje pelas escolhas feitas no auge da euforia com os valores modernos”, complementa.

“Por entre as pernas das páginas escorre o grão de prata desta avenida-rio que se contorce para caber no quadro. Tentáculos subterrâneos arrebentam a pele do calçamento até explodir no olho do sol. Há uma força resiliente que vem desde as entranhas de ferro”, narra a contracapa do livro de Chimicatti.

O trabalho de Wilson Baptista foi incorporado como forma de demonstrar uma certa paralisia do asfalto e da cidade. Felipe conheceu o fotógrafo em uma exposição em 2014, quando nem pensava em registrar a Amazonas. “As fotografias de Wilson (Baptista) compõem a montagem do livro de uma maneira um pouco cíclica. Elas abrem e fecham o livro. A ideia é que a mesma cidade que se abriu na década de 40 na direção do desenvolvimento encontra, no fim da linha, com sua própria imagem invertida”, afirma Felipe Chimicatti.

Regras

O fotógrafo definiu regras para manter o trabalho coerente. A câmera, equipada com um filme que produz forte granulação nas imagens, não poderia abandonar o perímetro da Amazonas. O uso intercalado de lentes longas e curtas também é um marco do trabalho, ajudando a construir a narrativa de uma avenida que é próxima e distante ao mesmo tempo de quem convive com ela.

“Caso eu quisesse fotografar um local da avenida, eu precisaria me manter com os pés sobre a via urbana. Isso ajudou a não abrir muitos assuntos paralelos. Cada pequena loja, galpão, igreja ou edifício contido na avenida possui seu próprio microcosmo. Se entrasse dentro dele, talvez perdesse as rédeas do trabalho”, explica.

“A cada caminhada era possível enxergar locais transitórios que assumiam faces distintas. Uma fachada de um edifício abandonado, poucos dias depois, transformava-se numa oficina. Uma árvore tosca e mal cuidada, na primavera, se enchia de flores. E, nesse processo de frequentes transformações, a avenida assumia uma característica viva e fragmentada que interessava muito à documentação fotográfica”, completa.

“As pessoas, quando surgem nas fotos, aparecem anônimas. Nunca quis emprestar um rosto ou uma fisionomia para avenida sobre risco de achatar sua diversidade e incorrer sobre estereótipos. Todas as pessoas da cidade, de uma forma ou de outra, podem ter transitado pela via”, diz.

“Nesse sentido, não achei adequado criar uma relação direta entre um corpo e um rosto com a toponímia desse espaço. Então, quis que a própria avenida fosse a personagem presente nas imagens. Nesses termos, adotei esse procedimento de personificação de um espaço que me pareceu o mais coerente com a investigação proposta pela pesquisa”, ressalta.

SERVIÇO | LIVRO “AMAZONAS”, DE FELIPE CHIMICATTI (CHÃO DE FEIRA)

O quê. Lançamento do livro, com exposição de fotos e sessão de autógrafos

Quando. Sábado, dia 9 de dezembro, das 15h às 19h

Onde. ESPAI Ateliê (Rua Tenente Anastácio Moura, 683 – Santa Efigênia)

Quanto. Entrada franca. O livro será vendido pelo preço promocional de R$60

Sobre o livro. Chão de Feira (site)

Sobre Felipe Chimicatti. Felipe Chimicatti (site) | Felipe Chimicatti (Flickr)

Lucas Negrisoli[email protected]

Lucas Negrisoli é jornalista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), trabalha desde 2015 com comunicação. Tem passagem por veículos como Estado de Minas, Rádio UFMG Educativa e O TEMPO em coberturas de economia, tecnologia, política e cidades. É editor do BHAZ desde outubro de 2023.

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