A tradição de colorir de verde e amarelo as ruas do bairro Caiçara, na região Noroeste de Belo Horizonte, acabou ganhando um novo significado nesta Copa do Mundo. A associação das cores da bandeira a apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) durante as Eleições 2022 fez com que os moradores da região – que há quase 30 anos usam o símbolo nacional para brindar a chegada do evento esportivo – tomassem providências.
“Não é política, é Copa!”, diz uma faixa que pode ser vista por quem trafega pela rua Francisco Bicalho, uma das vias que foram alvo da intervenção artística. Ao BHAZ, o engenheiro Júlio César Silva Freitas, responsável por providenciar o aviso, disse que já esperava um clima diferente durante os preparativos para a Copa deste ano.
“Quando começamos a pintar sofremos bastante, dos dois lados. Alguns passavam gritando ‘é, isso aí! Bolsonaro!’ e a gente respondia: ‘não, é Copa do Mundo!’. Outros passavam falando que era um absurdo, a gente tentava explicar, alguns aceitavam, outros não”, conta ele.
Bandeira do Brasil foi ‘sequestrada’?
Júlio é filho de Zelino Correia de Freitas, comerciante que inaugurou a tradição de pintar as calçadas do Caiçara em 1994, ano do tetra conquistado pela Seleção Brasileira. Desde então, todo o bairro espera, ansioso, pelo momento de sujar as mãos de tinta.
“Felizmente, antigamente não tinha nada dessa política. Esse ano foi um pouco diferente e tudo se misturou, mas o clima já está ficando mais tranquilo. O pessoal daqui sempre ajudou a gente, sempre abraçou a ideia”, explica o jovem.
Em reportagem especial produzida pelo BHAZ sobre as cores da bandeira, a professora de História da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Adriana Romeiro, explica que o uso que o governo Bolsonaro faz dos símbolos nacionais “não é novo, nem original”.
“Trata-se do sequestro, por parte de uma parcela da população, de um símbolo que deveria representar toda a nação. É como se aqueles que não se identificassem com esse governo não fossem patriotas ou tivessem amor ao país”, diz ela.
Já Malco Camargos, doutor em Ciência Política, professor da PUC Minas, acredita que o presidente agiu de forma estratégica ao se apropriar das cores e da camisa da Seleção Brasileira. “Conseguiu trazer para si as cores que não tinha no seu partido [PSL]. Ele incorporou o verde e amarelo fazendo de conta que o partido dele era o Brasil”, disse.
Caiçara pode ganhar ‘point’ de transmissão da Copa
Neste ano, além de reunir os vizinhos em uma ansiedade coletiva pelo Hexa, as pinturas de rua podem ganhar uma premiação. Isso porque o bairro vai representar Minas Gerais na promoção “Ruas da Torcida”, idealizada pela Brahma em parceria com a Luxcolor.
“Ganhamos diversas latas de tinta e fizemos uma coisa bem maior que nos outros anos, pintamos o quarteirão inteiro, postes, meio fio. Os dois primeiros colocados ganham uma estrutura toda montada com telão, sinalização, cerveja, água, para assistir os jogos”, conta, empolgado.
Até o momento, foram utilizadas de 22 latas de tinta para pintar cerca de 150 metros quadrados com bandeiras do Brasil e outras figuras relacionadas à Copa. Para que o Caiçara ganhe o novo “point” de transmissão dos jogos, os moradores contam com o engajamento na página do Instagram “Galera da Francisco Bicalho“.
