A sede da Secretaria de Segurança e Prevenção de Belo Horizonte vive clima de adaptação, principalmente no andar do novo chefe, o delegado aposentado Márcio Lobato. Os rostos novos e antigos da pasta se adequam ao ritmo do secretário, que faz questão de ressaltar que é um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair. Ao receber o BHAZ, ele revelou os planos à frente da pasta responsável por coordenar e planejar as políticas municipais na área de segurança da capital mineira.
Carioca de nascimento e cidadão honorário belo-horizontino, Lobato fez carreira na Polícia Civil, chefiando importantes unidades. Após deixar a instituição, se tornou comentarista de jornal policialesco na TV aberta, ao lado do prefeito Álvaro Damião (União Brasil). Os dois ficaram no ar juntos por seis anos.
“Podia começar com isso. Essa pergunta talvez fosse a primeira”, sugere ao repórter o secretário conhecedor das técnicas do jornalismo. “Qual a impressão que eu tive ao chegar aqui? É uma pergunta bem interessante. Eu digo que me impressionou o nível de qualificação e profissionalismo, tanto na secretaria, quanto na Guarda e no COP’, avalia.
Substituto de Genilson Zeferino, demitido por Damião após ocupar o cargo por quase oito anos, Lobato se adapta às responsabilidades e protocolos do primeiro cargo com ligação política assumido por ele.
“Desculpe, eu esqueci de te chamar”, disse ele à assessora de comunicação que entrou no gabinete pouco depois de começar a primeira entrevista desde que assumiu a pasta.
A conversa de quase uma hora com a reportagem do BHAZ evidenciou que Lobato já dá o tom na sede, mesmo antes de totalmente familiarizado com o novo posto.
“Tem uma semana que eu estou aqui. Você entrou aqui, tinha o que lá na portaria? Uma placa lá escrito ‘estacionamento’. Aquilo não tinha. Era uma casa da mãe Joana, uma zona. É uma área de segurança, é uma área que a gente tem que receber autoridade. Mas não tinha [estacionamento reservado]”, contou sobre uma das primeiras mudanças feitas por ele, na entrada do prédio localizado na rua Carijós, no hipercentro.
A medida também sinaliza outro hábito: a busca por organização. “Eu chefio desde os meus 18 anos. Quando virei delegado, também era só chefiar”, comenta sobre o hábito de “colocar ordem na casa”.
Apesar de destacar que encontrou uma equipe “muito qualificada”, Lobato sabe dos muitos desafios que o aguardam e está disposto a trabalhar para adotar as medidas que julga mais estratégicas para a pasta. Dentre elas, mudanças na Guarda Municipal.
“A guarda tem que ser armada, não existe guarda que não seja armada. 100% preparada, treinada e armada”, defende.
Lobato não esconde a vontade de transformar a instituição na Polícia Municipal, com poder de prisão e de policiamento extensivo. “Já passou da hora, e eu defendo isso, há muitos anos, de termos uma polícia municipal”, revela
“A gente tem que aguardar o comando constitucional e vir com uma lei municipal alinhada ao comando constitucional”, declarou quando questionado sobre datas.
Com socos incisivos na mesa enquanto falava, ele deu o recado que pode marcar o tom da gestão. “Se for bandido e procurado, não venha para Belo Horizonte. Aqui não é lugar para você vir”, asseverou.
Durante a entrevista, Lobato contou sobre a vistoria à paisana que fez no trabalho da Guarda na Feira Hippie, comentou sobre a possível contratação de mais efetivo para a instituição, defendeu a necessidade de reorganização do comando e se posicionou sobre o trabalho de fiscalização e aplicação de multas de trânsito sob responsabilidade da GM.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida ao BHAZ pelo novo Secretário de Segurança e Prevenção de BH, Márcio Lobato:
Desafio na política e visão sobre segurança pública
“A questão é: antes, eu lidava com o crime depois que ele acontecia. Então, esse era o grande ponto. Hoje eu tenho que lidar, principalmente, com a prevenção do crime. A experiência que eu trago de ter lidado contra o crime trinta anos, praticamente, me traz uma visão diferenciada, sem dúvida. O desafio é grande porque a prevenção do crime não está ligada só à repressão qualificada, é um aspecto muito mais amplo. Eu sou do Rio de Janeiro, então, eu gosto de usar, às vezes, o Rio de Janeiro como exemplo. Se você dobrar a polícia do Rio de Janeiro, você acha que vai acabar com crime no Rio de Janeiro? Não. Se triplicar, não vai. Botar o exército na rua, já fizeram isso e não funcionou. Porque a causa do crime tem que ser combatida e isso são questões sociais. Nós temos problemas sociais gravíssimos que acontecem e que, sem dúvida nenhuma, se nós não tivermos uma ação coordenada com o social, você só vai adiando o problema. Você não resolve a questão da segurança só com segurança. Eu posso dobrar, triplicar o número de guardas, viaturas, de tudo, tecnologia, mas se nós não tivermos uma ação social integrada, você não resolve a questão da segurança pública”.
Relação com outras secretarias
“Eu tive uma conversa muito rápida com o prefeito quando ele me convidou e, depois, quando ele anunciou meu nome. Em seguida, ele viajou e esteve no exterior. Mas eu tenho comigo que uma das grandes preocupações da administração dele é, de fato, a segurança pública. E, sem dúvida nenhuma, tem que ser integrada com as outras pastas, da ação social, isso é inegável. Você não faz segurança só com polícia, só com guarda. Isso aí esquece, não tem como”.
Experiência e oportunidade
“Eu acho que tenho uma visão estratégica diferente, por ser da força de segurança, eu entendo, talvez, mais rápido algumas questões e algumas demandas e tenho percebido um estímulo muito grande da base. Nós vivemos um momento muito importante, onde tem um reconhecimento do STF da possibilidade das guardas agirem como força de segurança e que culmina com a PEC da Segurança, onde o ministro [da Justiça e Segurança Pública do governo Lula, Ricardo] Lewandowski encaminha uma PEC reconhecendo constitucionalmente a função da Guarda, fazendo o policiamento preventivo ostensivo. E essa experiência de 30 anos acho que pode, sem dúvida, contribuir para o desenvolvimento e para criarmos aqui uma polícia municipal”.
‘Governador beneficiado’ e menos PM’s
“Já passou da hora, e eu defendo isso, há muitos anos, de termos uma polícia municipal. E eu acho que para todos é interessante, até para o governador. O governador talvez seja o mais beneficiado porque ele é desonerado de muita responsabilidade, de muitas coisas. Ele não precisa ter uma polícia tão grande porque tem a polícia do município. E quando tiver o problema, ele vai cobrar, ele fala: ‘não, não cobrem de mim, isso é problema de Belo Horizonte’. A gente quer ter um trabalho de integração com a Polícia Militar, que presta um trabalho relevante para Minas Gerais. Nós temos, talvez, a melhor polícia militar do Brasil. Se não for a melhor, está entre as duas, três melhores. Está no pódio, com certeza. Mas eu acho que, para a população, para o cidadão, não importa quem prendeu”.
Conversas com outras forças de segurança
“Ainda não tive tempo [de conversar com o comando da PM]. Já tive conversas, assim, informais, eu diria, com a Polícia Civil, até pela ligação que eu tenho com delegados que trabalharam comigo. Mas, oficialmente, eu pretendo, a partir da semana que vem, começar a ter agenda com o comando da Polícia Civil, comando da Polícia Militar, Corpo Bombeiros também, fazer visitas de cortesia. O objetivo é um trabalho conjunto e integrado. Qualquer ação que não seja integrada em termos de segurança pública, ela é burra”.
Decisão do STF
“Eu acho que não muda muito [ com a decisão do STF, de fevereiro de 2025, que permitiu que as guardas municipais façam ‘policiamento ostensivo e comunitário e ajam diante de condutas lesivas a pessoas, bens e serviços, inclusive realize prisões em flagrante, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública’]. Para falar a verdade, a decisão do STF simplesmente garante, ela é garantista, ela garante que aquilo que foi feito até aqui e que continua sendo feito, está certo. Ponto. E a alteração constitucional, ela legitima ainda mais. É isso que nós vamos ter. Na verdade, nós já fazemos isso e fazemos bem, a guarda faz bem. Eu acho que legitimados podemos fazer melhor. Legitimados por uma força constitucional, eu vejo que nós temos como expandir as nossas atividades”.
Armamento da Guarda
“A guarda tem que ser armada, não existe guarda que não seja armada, 100% preparada, treinada e armada. Óbvio que algumas funções, na escola, não sei, na escola vamos ter que avaliar, mas a guarda que está na rua é 100% armada. Até em Londres hoje a polícia [municipal] é armada. Eu conheci Londres quando a polícia andava desarmada e Londres quando a polícia foi armada, não tem como, é diferente. Para mim, quanto mais pessoas preparadas estiverem armadas na rua legalmente, e eu estou falando de obviamente representantes do poder público, não estou defendendo as pessoas armadas da rua, é segurança. E eu sempre disse o seguinte: ‘armas não matam pessoas. Pessoas matam pessoas’”.
Projetos na Câmara
“Não avaliei, mas o que eu disse para os vereadores que já estiveram comigo é que minha sugestão é que esses projetos [que tramitam na Câmara que mudam o nome da Guarda para Polícia Municipal] ficassem, de certo modo, em standby, porque nós temos que esperar o novo comando constitucional. Não adianta nós decidirmos alguma coisa aqui no âmbito do município… Por exemplo, Ipatinga declarou lá a Polícia Municipal. Na minha visão, enquanto jurista, está equivocado [instituir a mudança sem que haja mudança na Constituição]. Isso depende lá do Congresso Nacional. Mas pelo clamor da sociedade, pela segurança e pelo momento que nós estamos vivendo, acho que até o fim do ano passa”.
Decisão do Congresso
“Sem dúvida [haverá um trabalho bem rápido do município para se adequar, a partir da mudança da Constituição]. Na verdade, não muda muito. Na verdade, só legitima. Claro, vamos ter que ter uma nova lei orgânica. No ponto prático, para te falar a verdade, eu acho que não muda muito [ o trabalho de integração com as outras forças de segurança]. Na Feira Hippie, eu estive com o Major, que estava comandando o policiamento com o meu subinspetor. Então, já tem uma interlocução, já tem um contato, já tem uma integração. O mais importante hoje é dar essa segurança jurídica. Porque, na prática, já está acontecendo. A guarda tem feito prisões diuturnamente, todos os dias”.
Convocação de novos guardas
“Não depende de mim [convocar aprovados no último concurso]. Óbvio que tem o meu apoio e a minha simpatia e o prefeito já se manifestou também publicamente sobre isso dizendo que vai. É óbvio que eu quero, que eu preciso, que nós precisamos, o município precisa. O concurso finda no final do ano, é uma pauta dos vereadores também. E o prefeito se comprometeu publicamente a fazê-lo. Acho que até em campanha se comprometeu com isso. E ele é um homem de palavra. Há uma questão orçamentária, mas ele já se comprometeu publicamente a fazer isso. Então, tem o meu apoio e minha simpatia”.
Gestão de recursos
“Hoje nós temos 2.471 [agentes]. E o que eu sempre tive comigo é que existe a falta de servidor. Isso na polícia também é uma reclamação constante, recorrente. Porém, eu tenho comigo também que, muitas vezes, precisa ser feita gestão dos recursos que você tem. Segunda-feira a primeira reunião aqui foi de 5 horas, com o subsecretário e com o comandante geral. O que eu quero deles é gestão de pessoas. Nós temos que fazer gestão dos meios e recursos que nós temos. Faltam bons gerentes. E isso faz toda a diferença, porque muitas vezes as pessoas chegam nos lugares, vê uma coisa funcionando de um jeito e deixa aquilo. O que eu já tenho falado para minha tropa são sobre três três vertentes que a gente não vai abrir mão: dedicação, disciplina e trabalho. Esse ‘DDT’ eu vou cobrar deles o tempo todo”.
Estilo de trabalho
“Eu sou questionador. Eu não estou aqui para reinventar a lâmpada ou a roda. A lâmpada já existe, só vou acender e apagar quando precisar. A gente tem que chegar, analisar e propor mudanças, porque, muitas vezes, quem está ali, às vezes, não consegue enxergar. Vou te dar um exemplo: eu cheguei aqui, tem uma semana que eu estou aqui. Você entrou aqui, tinha o que lá na portaria? Tem uma placa lá escrito ‘estacionamento’. Aquilo não tinha. Era uma casa da mãe Joana, uma zona, você chegava ali, eventualmente, se você precisasse de uma vaga e fizesse o contato com a assessoria, ela, talvez, não tivesse uma vaga para te arrumar porque tava gente parando [sem autorização]. É uma área de segurança, é uma área que a gente tem que receber pessoas,, autoridades, vereadores… eu recebo o tempo todo. Um comandante, uns delegados vem falar comigo aqui, não tem onde parar o carro. Eu tenho que ter um espaço lá, no mínimo, para essas pessoas chegarem. Mas não tinha. Uma coisa simples, mas que uma visão viciada não percebe”.
Trânsito em BH
“O trânsito de Belo Horizonte, pra mim, está entre um dos piores que eu conheço. Nós temos algumas questões que vão muito além da simples fiscalização para melhorar o trânsito. Nós temos um relevo que, muitas vezes, prejudica. Nós temos muitos cruzamentos, muitos semáforos. Do complexo da Lagoinha à UFMG, temos 17 semáforos, sendo 13 de pedestre. Precisa disso? É necessário? Então, acho que o estudo é mais amplo. Os semáforos em Belo Horizonte, parece, não conversam entre si. Mas eles não conversam porque são sistemas diferentes. Então, nós precisamos de modernizar”.
Fiscalização e multas
“Obviamente que a fiscalização tem que acontecer. É um dos elementos para que a gente possa melhorar o tráfego. Óbvio que não só com o sentido punitivo, acho que a gente tem que ter um pouco do educativo também. Agora, a população também tem que colaborar. Porque o que a gente vê na porta da escola, em muitos outros lugares, a gente não tem outro jeito que não seja punir. Exemplo: a gente sabe alguns pontos que são gargalos por causa da escola. Nós vamos fazer uma ação lá, educativa. Uma semana vou lá, vou entregar uma cartinha. ‘Olha, você está em fila dupla e tô te avisando que se você for pego na próxima vez aqui, você vai ser multado. A partir da semana que vem nós vamos multar todas as pessoas que estiverem em fila dupla aqui’. Na próxima, não vai ter pra ninguém. Ninguém quer ser multado, mas é necessário”.
Pontos estratégicos vigiados
“[No domingo, dia 13] eu estive na Feira Hippie. Justamente porque eu tomei conhecimento que, na semana passada, não estava tão eficiente a presença da Guarda Municipal lá. Na primeira reunião com o comandante, eu recomendei a ele que, em alguns pontos específicos, como Feira Hippie, Mercado Central, Praça da Liberdade e Pampulha, que são pontos turísticos, eles têm que ser vigiados o tempo todo. Eu entrei no meu carro e fui sozinho de bermuda e tênis, cheguei lá e comecei a dar ‘bom dia’, quase que assustaram comigo, nem me reconheceram direito. Nem o comandante sabia. Então, é assim que eu trabalho. Eu tive a grata satisfação de ver um efetivo muito forte, com uma presença muito forte na feira, que foi percebido até pelos próprios feirantes, que vieram me falar”.
Câmeras de reconhecimento facial
“Nós temos a intenção de implementar aqui o projeto que tem em São Paulo, de reconhecimento facial [que utiliza Inteligência Artificial], todas as boas iniciativas no Brasil ou fora dele, nós vamos buscar para trazer para Belo Horizonte, no objetivo de melhorar a segurança do belorizontino. Todas as experiências exitosas tem que ser copiadas, tem que ser multiplicadas. Já há um processo em andamento e eu vou ter o prazer de implementar, depende obviamente de algumas soluções de tecnologia. Nem todas as câmeras estão aptas, então, a gente tem que ser uma solução de software, que permita o máximo de câmeras possível fazer isso. É de médio prazo para gente implementar. O objetivo é mandar um recado muito claro: se você for bandido e procurado, não venha para Belo Horizonte. Esse é meu recado. Aqui não é lugar para você vir”.
Combate à violência contra a mulher
“Eu quero incrementar as ações de proteção à mulher. Ideias. Não, não [tem nenhum projeto específico ainda]. Eu quero me aproximar da delegacia de mulheres para poder fazer coisas juntos. A Lei Maria da Pena tem que ser mudada. Porque ela não protege a mulher mais. Aliás, nem sei se ela protegeu algum dia, mas do jeito que está, ela não protege. Se você me perguntar o que tem que fazer, não sei. Sinceramente, não sei. Mas se você perguntar para as delegadas, para a promotora dos juízes, elas devem saber, elas devem ter boas sugestões. Porque quantas vezes você já viu uma mulher morrer com o papel no bolso? A mulher tinha medida protetiva e morreu. Então, quer dizer, nós precisamos de mudanças que protejam efetivamente a mulher. Dar um 38 para cada mulher com medida protetiva? Não sei se é isso não, nem estou defendendo isso, longe disso. Mas tem que ver qual a medida. A lei tem que ser temida. A lei tem que ser dura e ser temida. Porque se a lei não for dura e se ela não for temida, infelizmente, você não consegue dar um basta na criminalidade. Porque o bandido hoje não tem medo da lei no Brasil. A sociedade precisa de uma série de coisas e a lei de proteção à mulher precisa ser revista”.