Bruna Karla, Isadora Pompeo, Xuxa e Anitta: Entenda a discussão sobre homofobia que divide até evangélicos

Bruna Karla entrevista
Bruna Karla virou alvo de protestos após fala homofóbica em podcast (Reprodução/Positivamente Podcast/YouTube)

A cantora gospel Bruna Karla reacendeu o debate sobre homofobia por parte de líderes religiosos ao revelar, em entrevista, ter recusado ir ao casamento de um amigo gay. Durante o trecho do podcast que viralizou nos últimos dias, a artista ainda cravou que homossexuais vão para o inferno. Assim que o vídeo do momento passou a circular nas redes sociais, Bruna Karla e as declarações dela tornaram-se alvo de manifestações na internet: famosos como Xuxa e Anitta, entre outros, condenaram as falas da cantora, enquanto pastores conhecidos do grande público saíram em defesa dela, argumentando ainda que a artista tem sido perseguida.

O apoio recebido por Bruna, no entanto, não é unânime entre os religiosos: sim, existem líderes evangélicos que classificam o posicionamento de Bruna Karla como homofóbico e apontam os problemas por trás do que ela disse. Ao BHAZ, o pastor belo-horizontino Fillipe Gibran disse que a artista estaria “brincando de ser Deus”, afirma que não há “condenação” em ser LGBT+ e discorre em como trazer esse público para a igreja.

A polêmica entrevista foi concedida por Bruna Karla a Karina Bacchi, em dezembro de 2021, mas o trecho com o comentário em questão só viralizou na última semana. “Teve um amigo que me perguntou: ‘Bruna, quando eu me casar, você vai no meu casamento?’ e eu olhei para ele, fui bem sincera e disse: ‘Ah, quando você se casar com uma mulher linda e cheia do poder de Deus, eu vou, sim'”, disse ela.

“E ele falou assim: ‘Você sabe que não é isso que eu tô perguntando’. Estou falando de um amigo, homossexual, que a gente tem essa liberdade. E eu falei que o dia que eu aceitar cantar no seu casamento com outro homem, eu posso parar de cantar sobre a Bíblia e sobre Jesus”, continuou a cantora.

Assista:

‘Brincando de ser Deus’

O pastor Fillipe Gibran, da Comuna do Reino, de Belo Horizonte, falou sobre o tema ao BHAZ e disse que a cantora foi “infeliz nas suas afirmações”. “As falas soaram com tom discriminatório e homofóbico, principalmente no que tange a danação eterna das pessoas, de alguma maneira, a cantora em questão esta brincando de ser Deus ao decidir pelo destino de outros”.

O religioso ainda lembra que a cantora deveria saber que esta é uma questão que divide o cristianismo mundial. “Tendo no cenário atual igrejas inclusivas, onde pessoas, cuja orientação sexual destoa da normatividade hétero são recebidas plenamente”.

“É importante frisar que essa mentalidade condenatória está assentada em uma moralidade fundamentalista que não dialoga com outros saberes. Portanto, faz uma péssima leitura dos textos bíblicos e da condição das pessoas homoafetivas, ignorando a orientação sexual que não é passiva de ser mudada por intervenção nenhuma, pois não se trata de um comportamento sexual adquirido, mas do único sujeito que existe com toda a sua sexualidade”.

O pastor explica que essa mentalidade, de modo geral, é precoce em condenar, colocar fardo e peso nas pessoas. “Tal mentalidade não coaduna com a mensagem do Cristo que é a libertação, liberdade, amor e acolhimento. Isso é, de certa forma, uma violência religiosa”.

‘Não há condenação alguma em ser LGBT+’

Ainda segundo Gibran, é preciso fazer “um malabarismo para condenar as pessoas em razão da diversidade afetivo sexual e a identidade de gênero”. O religioso afirma que os textos bíblicos não fazem menção a isso. “O que se tem são leituras e traduções enviesadas pelo ambiente de recepção dos textos bíblicos. Muitas vezes mal intencionadas que buscam a erradicação, do prazer, do erotismo, do bem viver. A mentalidade religiosa quando falta a verdade do evangelho de Jesus de Nazaré, é castradora e persegue quem não se encaixa no seu dogmatismo”.

O religioso, então, é mais enfático em sua fala. “Enquanto pastor estou seguro em afirmar que não há condenação alguma em ser LGBTQIAP+ e digo com a segurança de anos de pesquisas e farto material teológico já mundialmente produzido sobre a temática”.

Amigo gay de Bruna responde

O amigo a quem Bruna Karla se refere é o youtuber Bruno Di Simone. Ele foi procurado pela coluna de Fabia Oliveira para comentar o assunto. “Na realidade, foi por causa da pandemia e da minha mudança. Sempre nos falávamos. O que eu não fazia ideia, era que ela falava assim de mim pelas costas, porque na frente o discurso era outro. Inclusive, já afirmou que estaria sim no meu casamento gay, apenas não cantaria”.

Em live no Instagram, o youtuber foi ainda mais enfático. “Ninguém escolhe ser gay, a pessoa nasce gay. Como seria lidar com uma pessoa assim dentro da sua família? Você já parou pra pensar Bruna Karla, que mães que admiram seu trabalho e ouvem você falar uma coisa, podem ter um filho gay? Isso dói, isso machuca. E se você tivesse um filho gay?”.

“Eu não estou aqui pra mudar você. Você tem a sua visão, faz parte de um sistema. Cuidado com as suas falas! Muitas pessoas podem se matar, de ouvir uma artista como você usando uma frase dessa”, finalizou.

Redes sociais potencializam ‘imbecis’

As redes sociais são cada vez mais fonte de informações, mas é preciso cautela. O pastor Fillipe Gibran lembra que o conteúdo gerado pela cantora foca em um nicho específico. “O público dela espera esse tipo de fala. É importante aqui lembrar que em uma de suas falas, Umberto Eco adverte que o surgimento das redes sociais ‘deu voz a uma legião de imbecis’. O imbecil é aquele que não tem o que dizer enquanto formador de opinião, porém quer ocupar lugar de fala com coisas tolas”.

Indo mais a fundo, o pastor reflete que precisamos pensar que no Brasil não há nenhum direito absoluto, “nem a liberdade religiosa e ou de expressão estão acima do pacto de convivência em harmonia com todas as pessoas”. “Neste sentido é importante destacar que seja a fala ou a crença não pode discriminar e/ou ameaçar a vida de outras pessoas”.

“O Brasil é um país hostil para pessoas LGBTQIAP+ e parte dessa hostilidade é em razão desse tipo de conteúdo. Tal fala vem mascarada de religiosidade mas no fundo é discriminatória, violenta e alimenta a violência na população”, explica.

Neste sentido, ele lembra que influenciadores precisam “ter responsabilidade coletiva ao se posicionarem quanto aos assuntos e principalmente conhecerem os princípios norteadores da nossa constituição federal que limita a liberdade de expressão e a liberdade religiosa ao ordenamento jurídico”.

Famosos reagem

O trecho viralizou no Mês do Orgulho LGBT+, e a reação de artistas dentro e fora da comunidade foi imediata. A apresentadora Xuxa não deixou o episódio passar batido. “Eu vi e li as mensagens de algumas pessoas. 80% estavam bem indignadas com esse vídeo e algumas, por incrível que pareça, concordavam com as palavras dessas pessoas. Queria deixar meu repúdio e desprezo por qualquer tipo de discriminação, preconceito e homofobia que possa existir no mundo, em nome de Deus”, disse.

“A bíblia sofreu algumas mudanças que só me faz ter a certeza que o que realmente Jesus falou é: ‘amar ao próximo como a ti mesmo!’. Se Deus é amor, onde tem amor nas palavras dessas pessoas do vídeo? Se Deus é o caminho, o ódio que essas pessoas pregam leva aonde?”, continuou Xuxa.

No final, a loira ainda mostrou a legenda da publicação de Hermes Carvalho Fernandes, psicólogo, teólogo e bispo de uma igreja, que pediu para que os fiéis não confundissem “discurso homofóbico com Evangelho”. “Um segrega, o outro acolhe. Um empurra para o abismo, o outro resgata. Um retroalimenta o ciclo do ódio, da violência, do bullying, o outro promove a empatia. Um encoraja a hipocrisia, o outro, a autenticidade”, escreveu Hermes Carvalho.

A cantora Ludmilla, que é bissexual e casada com Brunna Gonçalves, não poupou críticas à artista gospel e ainda compartilhou o vídeo. “Esse é o tipo de discurso que me embrulha o estômago e me deixa revoltada. Pessoas como ela, que se dizem ‘porta-vozes’ de Deus, descartam e fazem mal à pessoas o tempo inteiro pelo simples fato de elas serem quem elas são!”.

Outro a se indignar com as falas de Bruna Karla foi o cantor Jão, que também é bissexual. O dono do hit “Idiota” lembra que o discurso da cantora é criminoso. “Não dá pra ficar no ‘ah, é só ignorar, é a religião dela…’, porque essa fala enlouquece e mata muita gente que começa a se odiar. É uma homofobia escancarada e deveria ser passível de processo”.

O ex-BBB Gil do Vigor, que é gay, também se prontificou a falar sobre o assunto. “De fato, quando Jesus aparecer alguém irá se envergonhar e não é seu amigo gay, mas sim você por sua atitude preconceituosa! João 14 fala que Deus nos chama de amigos e a palavra amigo é forte demais para ser sustentada com base no preconceito e falta de amor ao próximo”.

Anitta responde e deixa de seguir cantora

Anitta também não deixou passar o discurso homofóbico da cantora gospel, e ainda deixou de seguir Bruna Karla nas redes sociais. “Gente, de uma vez por todas. Repudiar LGBTQ+, desejar a ‘cura ou morte’, desejar o fim, a aniquilação de pessoas LGBTQ ou proibir pessoas de transitar num ambiente ou de serem eles mesmos não é cultura”, começou.

“E não me mande respeitar alguém que não respeita os outros. PONTO. Se você não me respeita, eu não te respeito de volta. E um beijo! Porque na minha religião e na minha cultura pode ter gay, travesti, trans, mulher com mulher… E aí, tá respeitando a minha?”, continuou. “Não tenho paciência. Não existe religião, cultura ou bíblia que possa dizer pra um ser humano que Deus tá te pedindo pra repudiar os outros dessa maneira”.

“Se você realmente acha que Deus ia mandar você odiar ou repudiar o seu irmão […], então você precisa ir para um cantinho do pensamento rapidinho e pensar: Deus quer amor ou quer coisa ruim? Então será que faz sentido eu fazer meu irmão se sentir um pedaço de merda porque ele é gay? Isso é mandar coisa boa ou coisa ruim pro irmão?”, questionou a cantora.

“Tenho pavor dessa expressão ‘temer a Deus’… Temer não é ter medo? Eu vou ter de Deus por quê, se ele é bom? (…) Por Deus eu tenho amor e respeito mesmo, porque medo eu tenho é de coisa ruim. De ódio, de preconceito, de exclusão”, finalizou.

Religiosos divergem

Nesse domingo (19), a cantora Isadora Pompeo também se pronunciou. Ela respondeu a um seguidor que pediu um posicionamento sobre o caso por meio de uma caixinha de perguntas. “Os maiores revolucionários foram os mais perseguidos. Jesus falou que, por causa dele, nós seríamos perseguidos […]. O nosso dever, como cristão, é se posicionar. É furar a bolha e falar a verdade sim”, disse a cantora.

O pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), defendeu Bruna Karla em entrevista ao Pleno News. “Estamos em uma democracia, ela é livre pra cantar onde ela quer e não onde os outros determinam. Que país é esse? Que questões são essas? Você é livre pra ir pra vida, isso é princípio, constitucional, democrático. Liberdade da pessoa. Qual é o problema? Ela tem o direito de querer cantar e não cantar”.

Não generalizar os evangélicos

O pastor Fillipe Gibran reforça que é preciso entender que evangélicos não são um grupo monolítico “e que uma cantora gospel não representa a igreja”. “De modo geral, o Brasil, não somente no campo religioso, é conservador. Depois preciso reconhecer que houve uma onda de reacionarismo em todo o mundo e que também influenciou o Brasil”.

O religioso diz acreditar que, de fato, “a maioria das igrejas evangélicas brasileiras que condenam a homoafetividade e a relação entre as figuras públicas e pastorais que representam esse segmento com a comunidade LGBTQIAP+ é péssima”.

Gibran também lembra que nem todas as igrejas são assim. “Há igrejas que abraçam a diversidade sexual e de gênero. Não é preciso que as pessoas LGBTQIAP+ sofram tantas violências em igrejas fundamentalistas, procurem os locais onde a existência é respeitada”.

Segundo ele, em Belo Horizonte, por exemplo, é possível ter essa experiência na Comuna do Reino, igreja em que é pastor, e na Comunidade Cristã Êxodo. “Não acho que seja possível estreitar laços com quem não respeita a diversidade sexual e de gênero. Pelo contrário, é preciso esvaziar esses espaços que são nocivos a comunidade LGBT+. Mas é possível abraçar a experiência comunitária da fé cristã em igrejas inclusivas e/ou afirmativas como as citadas acima”.

Homofobia é crime

Vale reforçar que homofobia e transfobia são crimes previstos por lei. Eles entram na lei do racismo, já existente há 30 anos e, com isso, as punições são semelhantes. O STF (Supremo Tribunal Federal) criminalizou a homofobia em junho de 2019.

Veja o que é considerado crime:

  • “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito” em razão da orientação sexual da pessoa poderá ser considerado crime;
  • a pena será de um a três anos, além de multa;
  • se houver divulgação ampla de ato homofóbico em meios de comunicação, como publicação em rede social, a pena será de dois a cinco anos, além de multa;
  • a aplicação da pena de racismo valerá até o Congresso Nacional aprovar uma lei sobre o tema
Edição: Roberth Costa
Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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