Após recurso, candidatas recusadas em cota racial da UFMG e UFJS conseguem se matricular

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Fachada UFMG e UFJS (Amanda Dias/BHAZ + UFSJ/Divulgação)

Duas estudantes que perderam a vaga de medicina na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e na UFSJ (Universidade Federal de São João del-Rei) por não serem consideradas pardas, conseguiram reverter a decisão após entrarem com recurso administrativo.

Nos recursos, apresentados pelas comissões recursais de heteroidentificação, as candidatas juntaram fotos atuais e de quando eram crianças para comprovar que possuem os traços negroides para garantir aprovação dentro das vagas reservadas às cotas raciais.

As estudantes haviam se declarado pardas no processo seletivo Sisu 2024, mas tiveram suas avaliações negadas em primeira instância. No entanto, após nova análise, com base nos argumentos e documentos presentes nos recursos, elas foram aprovadas.

“Precisei sair da minha cidade para ir até a faculdade, uma viagem de 2h, para avaliação presencial, na qual o parecer foi considerado desfavorável. Me senti frustrada por não ser reconhecida por algo que sempre me identifiquei e vivenciei”, conta uma das estudantes, Letícia Vicentini.

Segundo Vicentini, precisar entrar com o recurso administrativo não foi algo agradável. “Foi um processo constrangedor, no qual tive que expor casos de injúrias raciais sofridos por mim e passar por uma avaliação subjetiva, tanto pelas fotos enviadas em primeira análise, quanto na avaliação presencial”, desabafa.

Como as bancas de heteroidentificação devem funcionar?

O advogado Israel Mattozo, especialista em Direito Administrativo, explica que, normalmente, as bancas de heteroidentificação são compostas por cinco pessoas. “E essa composição deve ser heterogênea, composta por pessoas brancas, pretos e pardos, para que a banca possa ser de fato um sensor da sociedade”, afirma.

Para o especialista, a grande crítica atual é que as bancas estão assumindo um papel de “tribunal racial”, que acaba por decidir quem merece a vaga ou não. “As bancas são extremamente importantes e precisam existir, mas elas devem seguir a previsão legal e jurídica e cumprir com seu papel de inclusão”, argumenta.

De acordo com o advogado, as bancas devem, sim, analisar os candidatos com base nos fenótipos, mas, também, levar em consideração outros aspectos relevantes. “Os candidatos que têm todos os traços mais evidentes têm prioridade sobre os que se enquadram na cota mas não possuem os traços tão visíveis”, ressalta.

“Não é assim que as bancas devem funcionar, elas não podem decidir quem merece mais a vaga de acordo com quem tem mais probabilidade de sofrer racismo, por exemplo. Elas devem existir, mas apenas para evitar fraudes. Isso é o mais importante, porque a partir do momento em que a banca assume um papel de tribunal, as injustiças ocorrem constantemente”, explica.

Em relação ao candidato que se enquadra às cotas ter sua autodeclaração negada, o conselho do advogado é que ele procure um escritório especialista. “O ideal é realmente buscar uma orientação adequada. É possível solicitar exames médicos, fotos, e outros tipos de documentos que comprovem a raça da pessoa”, conclui Mattozo.

Pronunciamento UFMG e UFSJ

Em nota, a UFMG declara que as bancas de heteroidentificação foram instauradas com a finalidade de fazer uma leitura social das características fenotípicas dos candidatos. “Esses traços são os aspectos físicos do corpo, como o tipo de cabelo, o formato do nariz e da boca e a cor da pele”, diz.

O comunicado ainda ressalta que todos os candidatos “têm o direito, caso sejam indeferidos na primeira banca, de serem avaliados por uma segunda, composta de cinco avaliadores que não participaram da primeira análise. Caso não concordem com as avaliações realizadas pelas bancas, os candidatos são informados de que têm o direito de contestar o resultado na Justiça.”

A UFSJ afirma que o “processo de heteroidentificação é dinâmico, se desdobrando em etapas subsequentes ao envio de foto recente, que deve seguir determinadas indicações detalhadas no edital do SISU”. A nota diz ainda que a heteroidentificação é estruturada em três etapas “a fim de garantir o contraditório e a ampla defesa, assegurando a lisura de um processo que não visa prejudicar ninguém”.

Nota da UFMG na íntegra

As bancas de heteroidentificação foram instauradas na UFMG em 2019, com a finalidade de fazer uma leitura social das características fenotípicas dos candidatos. Esses traços são os aspectos físicos do corpo, como o tipo de cabelo, o formato do nariz e da boca e a cor da pele. Assim, a banca busca compreender como a sociedade enxerga esse candidato, e se ele integra o público-alvo da política de ações afirmativas. A banca, nomeada de Comissão Complementar à Autodeclaração, é composta por cinco membros, escolhidos entre aqueles designados pela Reitora da UFMG, com prévia experiência na temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo. A avaliação é condição obrigatória para a efetivação da matrícula. Esse tipo de procedimento complementar à autodeclaração racial tem o objetivo de aumentar os custos de autodeclarações falsas, conduzir os candidatos a reflexões mais profundas sobre sua identificação racial e coibir a ocupação indevida de vagas.

Todos os candidatos têm o direito, caso sejam indeferidos na primeira banca, de serem avaliados por uma segunda, composta de cinco avaliadores que não participaram da primeira análise. Essa segunda banca, chamada de Recursal, proporciona a ampla defesa e o exercício do contraditório. Todavia, a banca recursal não avalia fotos de familiares ou mesmo dos candidatos, realizando novamente uma avaliação do conjunto das características fenotípicas dos candidatos. Caso não concordem com as avaliações realizadas pelas bancas, os candidatos são informados de que têm o direito de contestar o resultado na Justiça.

Nota da UFSJ na íntegra

O processo de heteroidentificação é dinâmico, se desdobrando em etapas subsequentes ao envio de foto recente, que deve seguir determinadas indicações detalhadas no edital do SISU. A convocação para avaliação presencial é uma dessas etapas, assim como período de recursos, aberto a todos os candidatos concorrentes a vagas nas cotas raciais, de modo que não causa espécie um resultado ser modificado ao longo dessa dinâmica.

A heteroidentificação é estruturada em três etapas a fim de garantir o contraditório e a ampla defesa, assegurando a lisura de um processo que não visa prejudicar ninguém. Vale lembrar que no SISU 2024 a UFSJ ofereceu 2.755 vagas, sendo 1.351 para ampla concorrência e 1.404 para cotas.

Amanda Serrano[email protected]

Foi estagiária do Jornal Estado de Minas e da TV Band Minas. Também trabalhou na assessoria política. Atualmente é repórter do Portal BHAZ.

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