Ensinem seus filhos a cuidar

jovem abandonada rua
Caso de jovem estuprada após ser abandonada na rua acende alertas sobre cuidado (Reprodução)

Uma mulher abandonada na gravidez. Uma mulher abandonada pelo pai. Uma mulher abandonada com os filhos. Uma mulher abusada na infância. Uma mulher assediada no trabalho. Uma mulher estuprada. Uma mulher violentada no parto. Uma mulher agredida pelo marido. Uma mulher que cuida dos filhos. Uma mulher que cuida da mãe. Uma mulher que cuida do pai. Uma mulher que cuida do irmão. Uma mulher que cuida.

Essa pode ser eu. Ou todas as mulheres.

A tarefa do cuidado recai sobre nós há séculos e junto da tarefa, a sobrecarga.

Mulheres são ensinadas a cuidar da boneca na infância, a montar a casinha, a varrer o quintal. Às mulheres é ensinado o cuidado travestido de afeto. Tratar bem os bichinhos, as plantinhas, a casa. Cuidar se torna um ato de afeto o qual temos uma imensa dificuldade em abandonar.

São raras as mulheres que abandonam. São raras as mulheres que não são solitárias em suas tarefas do cuidado.

Para além de estudar e trabalhar, como fazem os homens, à rotina das mulheres é adicionado o cuidado com os filhos, com a casa e com os familiares. E esse trabalho imenso, exaustivo e não remunerado é chamado de amor. Não que não haja amor, mas se amar é também cuidar, posso afirmar que os homens não amam as mulheres? Aliás, posso afirmar que homens não amam ninguém além de si mesmos?

Uma mulher vulnerável é colocada em um carro de aplicativo por um homem que a ama. Outro homem que a ama dormiu enquanto acontecia a corrida. Essa mulher é retirada desse carro por dois homens que não a conhecem, mas foram incapazes de ter empatia por ela. Essa mulher é estuprada por um homem que, obviamente, odeia mulheres, pois estupro não é sobre desejo, é sobre ódio, desprezo e poder.

Onde está o cuidado?

Podia ser eu. Podia ser você. Podia ser qualquer mulher. Dos 0 aos 100 anos.

A maioria das meninas é abusada em casa. Não são monstros. São pais, irmãos, tios, padrastos, avôs. Quando perguntamos, todos os homens dizem que não machucariam uma mulher. Mas todos os homens conhecem outro que machucaria. É uma conta que não fecha. Homens que machucam as mulheres que cuidam.

Faço o exercício. Um homem está embriagado e uma amiga o coloca em um carro de aplicativo. Se a motorista é mulher, ele não corre riscos durante a corrida (como correu a moça da história real) e, provavelmente, essa motorista não o abandonaria. Mas pensemos que sim, ela o abandonou. Nesse caso, qual risco esse homem correria ao estar vulnerável em uma calçada? O risco de ser roubado? Talvez. Mas seu corpo não seria violado, violentado, estuprado.

O homem não é visto como um objeto. É visto pelos seus pares e pelas mulheres como um ser humano. O homem não é visto como alguém que existe para servir.

A minha mãe ficou doente por 13 anos. Durante esse tempo eu comprava os remédios, levava aos médicos (que eram infinitos), levava pra fazer exames, pra fazer fisioterapia, visitava, levava pra passear.

Eu tenho dois irmãos, minha mãe tinha a família dela e, por isso, tive algumas ajudas ao longo do caminho.

Mas a responsabilidade do cuidado era minha. E é pesado, porque além dos cuidados da saúde física, quem está perto, quem está no dia a dia, é que sente o peso das questões emocionais de quem está doente. E se você não se cuidar, adoece também. E não há quem cuide de você.

Então, hoje eu não romantizo cuidado. De nada. Nem de filhos, nem de mães, nem de pais.

Só quem troca a fralda da mãe de madrugada sabe o quanto é difícil. Isso não diminui o amor que você sente, mas ficar repetindo que quem ama cuida, só aumenta a sobrecarga feminina, porque usam isso de justificativa pra dizer que quem mais tem o instinto do amor é que deve cuidar. Entendem a armadilha?

Se quem mais ama é a mulher, quem mais deve cuidar é a mulher, e quem mais abre mão de si mesma e mais se sobrecarrega é a mulher.

Onde estão os homens? Os pais, os filhos? Vivendo suas vidas. Veja bem. Eu disse vivendo, não cuidando de suas vidas, porque quem cuida da vida deles também são as mulheres. Que cozinham, lavam, cuidam da casa e dos filhos.

Os homens, em sua imensa maioria, não sabem cuidar nem de si mesmos.

Por isso, ensinem seus filhos a cuidar.

Ensinem que mães são mulheres.

Ensinem que mulheres são pessoas.

Ensinem que o cuidado é responsabilidade do coletivo.

Cuidado não é amor. É manutenção da vida. E isso, todo mundo pode fazer.

*Este é um artigo de opinião.

Cris Moreira

Cris Moreira é mãe de Francisco, João e Manoel. Criadora do Podcast Tetas y tretas e autora do livro Gambiarra: uma construção de maternidade. É atriz e gestora cultural desde muito tempo e acha que tudo nessa vida é político.

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