Um advogado negro foi parado em uma blitz da Polícia Militar (PM) e fotografado enquanto revistavam o carro dele, no Rio de Janeiro, na madrugada dessa terça-feira (6). De acordo com Bruno Cândido, cinco policiais brancos fizeram a abordagem, e um “fichamento” por um celular pessoal. O advogado alega ter sido vítima de racismo.
Ao BHAZ, o advogado e vítima do fato, Bruno Cândido, disse que o caso ocorreu na avenida Brasil, perto de Parada de Lucas, quando estava voltando para casa, por volta das 2h. “Tinha uma blitz, fizeram sinal de parada, e como o meu carro tem vidros escuros, abaixei. Pedi autorização para tirar o cinto, e desci do veículo. Coloquei as duas mãos no capô e os policiais começaram a me revistar com certa intensidade”, relata.
De acordo com o advogado, um outro policial, que fazia a contenção do carro, pegou um celular pessoal e começou a fotografá-lo. “Ele pegou o celular pessoal dele, virou em minha direção e tirou uma foto. A área de extensão dessa fotografia pega a placa do meu carro, eu com a mão no capô e o outro policial me revistando”.
Na madrugada de hoje a PM me fotografou com as mãos sob o capô do meu carro, sendo revistado por um policial, o que eles chamam de fichamento. Conheço o sistema, em meses posso ser indicado por ser negro, sendo reconhecido em um álbum de fotografia no modos “todo preto é igual”.
— Bruno Cândido (@BrunoCndido20) August 6, 2019
Segundo o advogado, nenhum documento de identificação foi pedido, nem mesmo do veículo. Ele pensou em questionar o policial, perguntar o motivo de estar tirando uma fotografia dele. “Naquele momento, pelo lugar que eu estava, pelo horário e por quem eles eram, eu calculei que o silêncio seria a melhor forma de me proteger”.
‘Todo preto é igual’
Bruno tem medo de retaliação por parte dos policiais. “Eu conheço o sistema, conheço exatamente o que vai acontecer. Ela [a foto] vai ser postada e ficará rodando nos grupos de WhatsApp dos policiais. Para eles, todo preto é igual. Ele fotografou a placa exatamente para me procurar depois”, conta.
Passada a blitz, Bruno foi liberado e voltou para casa. “Mesmo eu sendo advogado, mesmo conseguindo absolver pessoas na mesma situação que eu, fica a sensação de impotência, fragilidade. Não adiantou nada eu estudar, ser advogado”.
O defensor preferiu não registrar denúncia, mas diz que não pretende deixar o caso ser esquecido. “Já fui procurado por diversas instituições e estou pensando em mecanismos de discutir essa forma de reconhecimento, desse fichamento indevido. São violações chanceladas pelo Estado”.
Após o susto, o advogado desabafa. “Não sei nem onde está essa fotografia. Daqui uns tempos chega a polícia na minha porta. Há um processo de criminalização, demonização de ativistas, e eu sou um ativista. Como que não vou ter medo? Não era para eu existir, já que moro em uma das regiões mais perigosas do Rio”, completa.
Junto aos tuítes de Bruno, outras pessoas se identificaram e contaram experiências similares à do advogado.
Fizeram isso cmg, perguntei o motivo disseram que n deveria perguntar. Debocharam tbm qnd disse que estudo direito e jogaram tudo da minha mochila no asfalto
— Luiz (@whosluiz) 6 de agosto de 2019
Além de 3 homens pra revistar jovem magro de 68 kg, sendo 2 segurando meus braços, o outro fazendo perguntas aos gritos
Os caras eram MUITO mais fortes que eu, não tinha nem condições de correr ou tentar algo mas por ser negro mereço ser violentado. Estava indo me divertir na piscina do clube, perdi totalmente a vontade.
— Luiz (@whosluiz) 6 de agosto de 2019
Isso já ocorreu comigo e um amigo retornando de um show, nós fomos revistados e fotografados por policiais.
— Daniel Meireles? (@DaniMeireles5) 6 de agosto de 2019
Meu amigo, foi baleado 3 vezes, 2 dias depois pelos policiais dessa mesma abordagem, por muita sorte, sobreviveu.
Como não morava mais nesse lugar, me livrei do atentado!
O BHAZ pediu um posicionamento à Polícia Militar do Rio de Janeiro sobre as abordagens em blitz. A redação entrou em contato em quatro oportunidades nessa quarta-feira (7), mas não obteve resposta até o momento de publicação desta reportagem. Caso o órgão se posicione, atualizaremos a matéria.
Minas
Em entrevista ao BHAZ, a capitão Layla Brunnela, chefe da Sala de Imprensa da Polícia Militar de Minas Gerais, diz que no Estado a abordagem não é feita como no Rio de Janeiro.
“Eu desconheço essa prática [de tirar foto com celular de uso pessoal]. A abordagem é feita de praxe em veículos suspeitos, em geral com mais indivíduos, que tenha algum tipo de alteração, rebaixamento”, explica.
“Esses veículos são abordados, mas desconheço o fato de fotografar os carros ou pessoas. A ocorrência pode ser filmada, caso o policial militar queira, inclusive alguns andam com câmera go-pro. Contudo, essas imagens não são divulgadas”, reitera a capitão.
De acordo com a chefe da Sala de Imprensa da PM, em caso de apreensão, os responsáveis pelo guincho fotografam o veículo antes dele ser levado. “Isso para uma questão de resguardo. Perícia também fotografa, em caso de acidentes. Mas em uma situação comum de blitz, só para fotografar, ter em arquivo, isso não é comum, não é prática nossa”.
Em Minas, documentos são exigência. “No momento da abordagem, sempre é pedido um documento de identificação, normalmente a carteira de habilitação, por ser de porte obrigatório ou pelo aplicativo. As identificações dos integrantes, e do próprio veículo, são obrigatórias”, completa.