Meninos negros são barrados de entrar em brinquedo de parque de diversões em shopping paulista

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Grupo de meninos negros sofreu constrangimento na entrada do shopping e para brincar em parque de diversões (Reprodução/Redes Sociais)

Um grupo de sete pré-adolescentes negros, entre 12 e 13 anos, acabou sendo barrado de entrar em um brinquedo do parque Playcenter Family, no Shopping Aricanduva, em São Paulo. Segundo o responsável que levou os meninos ao local, a atendente alegou que eles não poderiam entrar nos brinquedos sozinhos, enquanto deixou outras crianças brancas que estavam desacompanhadas passarem.

Gabriel Henrique Rodrigues da Silva, responsável pelos garotos, contou ao Uol que faz parte de uma Igreja Metodista, que desempenha um trabalho com crianças carentes. Lá, ele é chamado de “Tio da Salinha”. No dia 27 de fevereiro, Gabriel levou os meninos ao parque para comemorarem o aniversário de um deles.

“Depois do almoço no domingo eles me pediram para brincar no parque, era aniversário de um dos meninos e eles usaram isso como argumento. Mas as crianças foram vítimas de uma abordagem racista e desnecessária. Nós fomos constrangidos na frente de todos que estavam no parque”, relatou.

Tratamento ríspido na entrada do shopping

O voluntário disse que sentiu um tratamento ríspido logo na entrada do shopping que dá acesso ao parque Playcenter Family. Segundo Gabriel, algumas crianças correram em direção à porta, mas acabaram sendo barradas. O segurança teria dito que a entrada de menores de idade sem o responsável não era permitida.

Gabriel então se prontificou como responsável pelos meninos, mas não conseguiu entrar até que apresentasse seus documentos e confirmasse que iria se responsabilizar por todos os atos dos garotos.

“Somos de uma comunidade carente, não somos ricos e as crianças estavam de boné e chinelo. Não temos condições de nos vestir com grife igual eles gostariam, e ali já rolou um pré-julgamento. Eu via que outras crianças brancas estavam entrando normalmente, até sem acompanhamento e perguntei se ele também estava abordando e barrando todo mundo”, lembrou.

Ele declarou que tinha a autorização e o telefone de todas as mães dos pré-adolescentes. “Ele relutou em liberar nossa entrada. Já fomos constrangidos na porta como se as crianças fossem entrar e fazer alguma coisa ruim”, apontou.

Funcionários impedem garotos de brincarem

Enquanto estava na fila para recarregar o cartão de uso dos brinquedos, Gabriel Henrique contou que os seguranças observavam os movimentos dos meninos. “Toda hora passava algum segurança ou algum dos responsáveis pelo parque para nos vigiar, eu senti um movimento estranho”, disse.

Quando o grupo chegou na última atração do parque, os funcionários impediram os garotos de entrarem. “É bom destacar que absolutamente nenhuma criança branca estava acompanhada de adulto na fila, e todas entravam normalmente. Eu disse que eles não estavam sozinhos, que eu era o responsável, mas ela disse que tinha recebido essa informação”, afirmou Gabriel.

De acordo com ele, crianças brancas desacompanhadas acessaram o brinquedo normalmente. “Essa abordagem aconteceu porque eram pretas e pobres. Não barraram nenhuma outra criança, só as minhas que estavam se divertindo sem fazer nada demais”, lamentou.

Seguranças dizem que meninos estavam ‘batendo carteiras’

Depois disso, dois seguranças se aproximaram do voluntário e disseram ter recebido a informação de que os meninos estariam pedindo dinheiro e “batendo carteiras”. Gabriel relatou que ficou abalado.

“Aí eu me exaltei e comecei a chorar, porque eu vi que era racismo na sua forma mais pura de discriminação por não estarmos vestidos como eles gostariam”, contou. Gabriel Henrique disse que foi até a administração do shopping, onde recebeu a orientação para “ficar à vontade para procurar seus direitos”.

O jovem também fez uma reclamação no canal de atendimento do Shopping Aricanduva. “Em dado momento uma das gerentes começou a comparar minhas crianças com outras em situação de rua e vulnerabilidade, que tentam acessar o parque para causar confusão”, relembrou Gabriel Henrique.

“Ela até me mostrou uma criança que entrou lá e começou a distribuir imagens pornográficas, e eu disse que não sabia por que ela estava me mostrando aquilo”, afirmou. Gabriel também fez uma reclamação no site Reclame Aqui, e contou ter recebido uma ligação do shopping no dia seguinte dizendo que o episódio seria checado internamente e ele receberia um retorno.

Parque lamenta ocorrido

Até a publicação da reportagem do Uol, o voluntário afirmou que não recebeu o retorno do estabelecimento. O BHAZ entrou em contato com o Shopping Aricanduva, mas também não obteve respostas. Já o parque Playcenter Family publicou uma nota de esclarecimento no Instagram, lamentando o ocorrido.

“O Grupo lamenta por tal situação e enfatiza que está levantando todas as informações sobre o ocorrido e nos comprometemos a tomar todas as medidas para que fatos como este não se repitam, além disso os procedimentos e orientações foram reforçados com todos os colaboradores” informaram.

O parque acrescentou que “na ocasião, a equipe do parque prestou esclarecimentos ao responsável pelos menores, colocando-se à disposição para qualquer necessidade”. “Com mais de 50 anos de história e referência no setor, o Grupo Playcenter repudia qualquer tipo de discriminação”, diz a nota.

‘Voltaram para casa chorando’

“Fomos constrangidos e saímos tristes, as crianças queriam passar um dia feliz e voltaram para casa chorando, porque foram humilhadas pela cor da pele delas. No shopping usavam frases como ‘minha família tem preto, isso não é racismo’, para tentar justificar”, adicionou Gabriel.

O jovem acrescentou que “também falavam que eu não tinha lugar de fala por ser branco”. “Eu realmente não vou entender essa dor, mas não posso ficar calado”, pontuou. Para ele, “nenhuma criança merece e nem precisa passar por isso, e carregar esse trauma para lutar por seus direitos”.

“Ninguém pode fazer isso com eles, e me doeu bastante, porque parecia que eles já estavam até acostumados a passar por isso”. Gabriel Henrique registrou um boletim de ocorrência e acionou um advogado para cuidar do caso. O voluntário pretende mover uma ação civil e pedir indenização. Veja vídeo com relato do voluntário:

Edição: Giovanna Fávero
Andreza Miranda[email protected]

Graduada em Jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2020. Participou de duas reportagens premiadas pela CDL/BH (2021 e 2022); de reportagem do projeto MonitorA, vencedor do Prêmio Cláudio Weber Abramo (2021); e de duas reportagens premiadas pelo Sebrae Minas (2021 e 2023).

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