Mulheres que frequentam a casa de samba Três Preto, localizada no bairro Jardim Montanhês, na região Noroeste de Belo Horizonte, foram às redes sociais para denunciar situações de assédio no local durante o último fim de semana. O estabelecimento, em razão da repercussão negativa na internet, se pronunciou nesta segunda-feira (7) em seu perfil nas redes sociais. “Três Preto Bar vem a público repudiar toda e qualquer manifestação de assédio, importunação, violência contra as mulheres, capacitismo, etarismo, gordofobia, intolerância religiosa, LGBTFobia, racismo e transfobia”, publicou.
Uma das vítimas de assédio é uma jornalista, de 31 anos, que não quis se identificar. De acordo com ela, um homem que estava no local, nesse domingo (6), passou a mão no corpo dela, enquanto ele tentava passar no meio de outras pessoas. “Estava indo em direção ao banheiro para retocar meu gloss. Um cara estava passando, me pediu licença e, depois, passou a mão do meu ombro até a minha coxa. Na hora, fiquei paralisada, e minha amiga, que estava comigo, disse que viu ele tocando o meu corpo inteiro.”, disse durante entrevista ao BHAZ.
A jornalista contou que costumava frequentar a casa regularmente, mas devido ao crescimento de denúncias de assédio e racismo, havia deixado de ser cliente. No domingo, ela teria aberto uma ‘exceção’ em razão de uma confraternização organizada por um amigo.
Ainda conforme a vítima, após o ocorrido, ela procurou o dono da casa de samba e contou toda a situação. O proprietário acionou a equipe de segurança e encaminhou a jornalista até a produtora do local, responsável também por lidar com casos de assédio. “Ela me levou até a cozinha e falou que não podiam expulsá-lo, pois era a polícia que precisava resolver. Além disso, me disse que o homem e meus amigos estavam dando versões diferentes do caso, mas quem viu foi apenas uma amiga minha e ninguém quis ouvi-la”, relata.
Ao BHAZ, a mulher contou ainda que, enquanto esperavam a polícia, o homem tentou sair da casa, mas os seguranças fizeram um círculo em volta dele, para que ninguém pudesse chegar perto, além de rirem e debocharem dela. “Eu e minha amiga filmamos tudo. Quando os agentes viram que estávamos gravando, começaram a filmar também. Depois, passaram a me xingar, rir e debochar de mim. Eles estavam protegendo o assediador”, afirma.
Como os militares não chegavam, o proprietário do Três Preto sugeriu levá-la até a delegacia, mas foi impedida pela produtora. Segundo a jornalista, a mulher alegou que, assim como o suspeito, ela teria que aguardar na casa de samba. “Só consegui ser liberada quando o homem disse que iria fazer um boletim de ocorrência online. Aí, falaram para eu fazer também. Tirando o apoio do proprietário, o único suporte que me deram foi uma água, porque eu estava desesperada e tendo crises de ansiedade. Não me deram amparo”, relembra.
A jornalista afirmou que fez um boletim de ocorrência denunciando o caso de assédio na noite desta segunda-feira (7). Além disso, ela informou que foi procurada pela Defensoria Pública de Minas Gerais.
Em nota ao BHAZ, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) explicou que os fatos registrados pela vítima estão sendo apurados. Foi instaurado o inquérito policial e as investigações seguem na Delegacia Especializada de Combate à Violência Sexual em BH.
Pronunciamento da casa de samba
Procurados pelo BHAZ, o 3 Preto Bar afirmou que logo que a equipe tomou ciência do caso, prontamente acolheu a vítima, ouvindo-a e entendendo a situação vivenciada, bem como orientando e aguardando os órgãos competentes para registro de boletim de ocorrência. “Ambos, vítima e o suposto autor foram separados pelos nossos seguranças, afim de evitar uma briga generalizada e o escalonamento da situação de violência”, explicou o bar em nota.
Segundo a 3 Preto, o próprio ‘suposto autor’ e funcionários da casa fizeram inúmeros chamados junto à Polícia Militar (PMMG), mas não foi possível a presença dos militares no local. “Após sermos informados por uma atendente do 190 que a viatura iria demorar, foi feito, em comum acordo com as partes presentes, o compartilhamento dos dados dos envolvidos para registro futuro”.
“Nossa casa tem realizado campanhas nas redes sociais e em suas dependências contra crimes de assédio, importunação, violência contra as mulheres, capacitismo, etarismo, gordofobia, intolerância religiosa, LGBTFobia, racismo, transfobia e todos os tipos de violências para que sejamos um lugar de diversão e lazer para todas as pessoas. Além disso, nossa gestão se compromete com capacitações e campanhas de conscientização sobre violências de gênero e raciais, contribuindo com a cultura de um ambiente seguro a todas as pessoas”, informou a Três Preto.
Veja a nota de esclarecimento publicada pela casa no Instagram:
Outros relatos de assédio
Outra vítima de assédio foi a psicóloga Nadya Santos, de 26 anos. Em entrevista ao BHAZ, ela compartilhou que, nesse sábado (5), um homem que já tentava estabelecer contato visual com ela na roda de samba, tentou beijá-la à força enquanto ela aguardava na fila do banheiro. “Ele perguntou se podia me beijar e disse que poderia se fosse no rosto. Foi nesse momento que ele colocou a mão e tentou virá-lo para me beijar. Imediatamente, eu o empurrei e perguntei se ele estava louco”, relatou.
A psicóloga, que estava com uma amiga, explicou que essa foi a primeira vez que as duas frequentaram o local. Em razão de vídeos divulgados nas redes sociais, elas estavam curiosas para conhecer, já que mostrava ser um espaço acolhedor para pessoas negras. “Me surpreendi, porque não era nada que eu esperava. Depois do que aconteceu, não volto mais lá”, conta.
Ainda segundo Nadya, ao voltar do banheiro, o homem, que estava com um grupo de amigos próximo a ela e sua amiga, tentou novamente estabelecer contato físico. “Ele tentou me dar um tapa na cabeça de brincadeira e não entendi nada, pois não tinha dado intimidade para isso. Depois respondi que já tinha ‘cortado’ ele e era para me deixar em paz. Ele começou a vir pra cima de mim e falar que eu estava sendo grosseira”, relembra.
A mulher resolveu não levar a situação até a organização da casa, mas, como o homem não parava, a solução encontrada foi se afastar da roda de samba e ficar perto do bar. “Comecei a ter crise de ansiedade e a chorar bastante. Minha amiga ficou lá comigo e alguns seguranças estavam lá perto. Porém, mesmo vendo a situação, não me abordaram e nem falaram nada. Chegamos a voltar para a roda de samba, depois que me acalmei, mas, logo, resolvemos pedir um Uber e ir embora”, relembra.
‘O crescimento da casa deve ser encarada com mais responsabilidade’
A historiadora e influenciadora, Lívia Teodoro, de 33 anos, também relatou que passou por situações de assédio devido aos “esbarrões”, especialmente quando a casa está lotada. Os casos, tanto de assédio quanto de cunho racial, por sua vez, nunca foram denunciados à casa, mas sempre percebidos.
“Cada vez mais pessoas não racializadas frequentam a casa e cometem assédio contra pessoas negras. Além disso, houve uma situação em setembro que me motivou a fazer um relato em vídeo nas redes sociais, onde explico exatamente como um frequentador se aproveitou da superlotação da casa para se esfregar em mim”, conta.
Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Lívia Teodoro • influenciadora ✨ (@patroamesmo)
Após a repercussão do vídeo, Lívia foi convidada para uma reunião com o Três Preto, e informada das providências que o estabelecimento iria tomar. Entre as soluções propostas estavam a criação de um conteúdo em collab com a casa para tratar do tema de assédio.
“Respondi que, embora ache a ideia louvável, eu acreditava que outras medidas seriam mais efetivas, como a ocupação do palco com o tema. Na reunião também solicitei os dados em relação à política para coibir abusos que a casa diz ter, mas ainda não recebi o retorno”, explicou ao BHAZ.
A influenciadora também afirma que o crescimento da casa deve ser avaliada, já que a equipe de segurança deve estar pronta para lidar com casos de assédio, medidas para que o espaço se torne seguro para mulheres precisam ser pensadas, além de compreender se o espaço comporta o número de pessoas que tem recebido. “O crescimento, mais do que positivo para o lado financeiro do local, deve ser encarada com mais responsabilidade”, disse.