Caça às bruxas: Belo-horizontinos são expostos em perfil de ‘furões da quarentena’; festa é investigada

Página denuncia pessoas que fazem festa na quarentena (Instagram/Reprodução + Fernando Zhiminaicela/Pixabay)

Há aproximadamente um mês, os brasileiros passaram a conviver com o isolamento social para frear a disseminação do novo coronavírus. No entanto, não é todo mundo que segue a regra e consegue ficar em casa. Várias pessoas têm sido flagradas em festas, o que configura, para muitos, um desrespeito com quem está se privando de colocar o pé na rua.

Nesse cenário, a página @vacilocovidbh tem postado fotos e vídeos de belo-horizontinos que, supostamente, estariam se esbaldando na folia. Mesmo que os profissionais da saúde concordem que aglomerações são um risco para a disseminação da Covid-19, a iniciativa de expor usuários que não seguem a orientação nas redes sociais pode não ser uma boa ideia.

O presidente da Comissão de Direito Eletrônico da OAB, Luis Felipe Silva Freire, explica que a atitude pode render processos na Justiça por danos morais. “Especialmente quando se trata de um local privado. É uma invasão de privacidade”, detalha.

Conheça o perfil

O perfil Exposed Party (festa exposta, em tradução livre) já reúne 46 mil seguidores. Na descrição, os responsáveis pela página avisam que as denúncias são mantidas em sigilo. Na postagem abaixo, por exemplo, há uma denuncia com relação a uma festa. O BHAZ não vai publicar posts com fotos para preservar os envolvidos.

Perfil no Instagram denuncia “furos” da quarentena (Instagram/Reprodução)

A maioria dos internautas aprova a iniciativa da página. “Que ideia genial pra mostrar de graça o egoísmo do ser humano que se acha o alecrim dourado que não contamina ninguém. Postem mais!”, incentivou uma seguidora. “Tem como prender esse povo não?”, questionou outra.

O especialista ouvido pelo BHAZ acrescentou que acusar alguém de algum crime pode ser uma ofensa à dignidade da pessoa. Além disso, o linchamento virtual é uma realidade nos dias de hoje. “Muitas vezes esse linchamento ocorre com fotos de outros períodos ou com fotos falsas. Às vezes a pessoa não sabe o contexto. É importante se colocar no lugar do outro”, afirma.

Um jovem de 26 anos, que teve a foto publicada na página e pediu anonimato, concorda que sair de casa não é o certo a se fazer no momento. “Tudo começou com uma vontade de nadar. Aí brinquei com meu primo. Ele arrumou um lugar e me chamou, além de mais dois amigos que moramos juntos”, contou. Ele afirmou ainda que “compreende a preocupação da página”, mas que a exposição é absurda. Depois da publicação, ele passou a ser xingado em sua página pessoal.

Mas é possível denunciar?

A Polícia Civil informou, por meio de nota, que orienta que denúncias referentes ao descumprimento de medidas de isolamento social para contenção da disseminação do coronavírus podem ser feitas pelos disques 181, 197 e 190.  

O desrespeito às normas vigentes pode representar a prática do crime previsto no artigo 268 do Código Penal –  “Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa” – cuja pena é de detenção de até um ano e multa, além de outras infrações eventualmente cometidas.

A PM (Polícia Militar) também tem trabalhado para evitar aglomerações. A corporação orienta as pessoas com relação ao isolamento social e apura todas as denúncias. No caso de festas com venda de ingressos, por exemplo, a PM pede documentos como o alvará de funcionamento. “As pessoas que fazem festas e recebem dinheiro podem ser conduzidas para a delegacia e, consequentemente, podem responder penalmente”, explica o porta-voz da corporação, major Flavio Santiago.

No entanto, a PM não prende pessoas que estão nas ruas, por exemplo, mas as informa com relação ao distanciamento social. No caso de reuniões em residências, a PM pode averiguar questões de barulho, pertubação do sossego e também orientar as famílias no sentido de evitar aglomerações.

Já para ter acesso ao interior do imóvel, é necessário uma autorização da Justiça ou que haja uma situação de flagrante. E, nesse caso, a corporação faz o mesmo tipo de orientação.

Festa vira alvo de investigação

Um caso de repercussão é investigado pela polícia em Coronel Fabriciano, na região do Vale do Aço. Um homem de 27 anos, diagnosticado com Covid-19, teria desobedecido a orientação médica de isolamento domiciliar ao promover uma festa em sua residência com a participação de cerca de 20 pessoas. A folia ocorreu no dia 4 de abril.

Depois, a corporação constatou que o infectado participou de uma festa que foi realizada em um Lava Jato de um amigo, e não na casa dele. Após o evento, foram noticiados outros casos de pessoas apresentando sintomas suspeitos do novo coronavírus na cidade e seriam pessoas que supostamente estariam na festa promovida pelo homem.

Ele está sendo investigado pelos crimes previstos nos artigos 131 (Perigo de contágio de moléstia grave) e 268 (Infração de medida sanitária preventiva) do Código Penal.

A corporação ressaltou ainda que, caso o quadro clínico dos pacientes evolua para óbito, o investigado poderá responder também pelo crime de homicídio, como prevê o artigo 121 do Código Penal.

O que diz a página?

O BHAZ tentou contato com a página por meio do Instagram. Até a publicação desta reportagem, nenhum esclarecimento foi enviado.

Aline Diniz[email protected]

Editora do BHAZ desde janeiro de 2020. Jornalista diplomada pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) há 10 anos e com experiência focada principalmente na editoria de Cidades, incluindo atuação nas coberturas das tragédias da Vale em Brumadinho e Mariana. Já teve passagens por assessorias de imprensa, rádio e portais.

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