Punido por racismo contra o jogador Celsinho, Brusque recupera três pontos após decisão do STJD

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O clube havia perdido três pontos na série B após um dos dirigentes ofender o jogador Celsinho, do Londrina, com falas racistas (Reprodução/@celsolhj/Instagram)

O time catarinense Brusque vai recuperar os três pontos que lhe haviam sido subtraídos na série B do Campeonato Brasileiro como punição à fala racista de um dos dirigentes. Em videoconferência realizada hoje (18) entre julgadores do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), ficou decidido por 6 votos a 2 que o time apenas perca um mando de campo e pague uma multa de R$ 60 mil.

O clube havia perdido três pontos na série B do Campeonato Brasileiro após o presidente do Conselho Deliberativo, Júlio Antônio Petermann, ofender o jogador Celsinho, do Londrina, com falas racistas. Em queixa feita ao árbitro da 21ª rodada da Série B, em agosto, o meia disse ter ouvido um dirigente do clube o mandar “cortar esse cabelo seu cachopa de abelha”.

Após o julgamento de hoje, a punição de Júlio seguirá a mesma: ele deve permanecer suspenso do clube durante um ano e terá que pagar uma multa de R$ 30 mil. Com a adição dos três pontos, o Brusque agora está na 14ª colocação do campeonato, com 44 pontos.

‘Me deparei com meu filho chorando’

O meia Celsinho esteve presente no plenário realizado hoje e disse que o caso tem trazido sérias consequências para a sua família. Segundo ele, é incabível que um dirigente de futebol tenha atitudes como essa, por esse motivo, ele afirmou ter tomado todas medidas criminais e cíveis cabíveis.

“Me deparei com meu filho chorando e o de cinco anos tentando entender e perguntando se a gente deveria cortar o cabelo. Isso me causou um dano muito grande não só no profissional, mas no pessoal também”, disse.

“Não se trata de um torcedor, uma pessoa que não tenha controle, trata-se de um presidente do conselho, de uma pessoa que deveria dar o exemplo e fazer o melhor. Uma pessoa que estava no estádio e que o clube autorizou. Sou pai de dois filhos, tenho que dar esclarecimentos por conta dessa e de outras situações”, desabafou.

‘Não estão interessados na questão racial’

Pelo Brusque, o advogado Osvaldo Sestário pediu a reforma da decisão disse que o julgamento não pode ser pautado “por estarmos as vésperas da consciência negra”. “Temos que estar voltados 365 dias no ano para o combate a discriminação. Uma grande parte dos atletas, cerca de 70% do elenco é negra”, disse.

“Essa pena já é uma das penas mais graves aplicadas nesse tribunal nos últimos cinco anos. Existe extrema gravidade nesse caso? Cachopa de abelha pode ser injúria e ofensa, mas um jogador branco como o Davi Luiz também pode ser chamado de Cabelo de Cachopa e não seria uma injúria racial. Os terceiros interessados estão aqui apenas pelos três pontos e não pela questão racial”, diz em outro momento.

Pelos atletas do time catarinense, o advogado Marcelo Franklin argumentou que a equipe “tem muitos atletas afrodescendentes e não consideram justo que o embate entre um torcedor na arquibancada e do atleta do Londrina gere a perda de pontos”.

“A decisão foi desproporcional de outros casos julgados neste tribunal. A questão inerente a suposta injúria está sendo colocada de lado pelos terceiros interessados que vieram hoje atrás dos três pontos. O ponto principal deve ser se houve a injúria e a pena proporcional”, concluiu.

‘Racismo não tem nível’

O time do Londrina foi representado em plenário pelo advogado Eduardo Vargas, que disse ter ficado “perplexo” com o recurso apresentado pelo Brusque. “O Brusque deveria, em nome da consciência negra, admitir a punição e não recorrer exatamente em nome dos outros atletas negros do grupo. Até quando toleraremos isso no futebol brasileiro e na sociedade brasileira?”, disse.

“O atleta Celsinho está presente e foi ofendido por usar o cabelo black power. Somos um país negro sim. A condenação e a multa foram unânimes. Na sessão essa questão foi bastante extensa e toda a questão probatória foi pesada. Racismo não tem nível. É racismo e violência e ponto. Não há como mensurar o que o atleta sentiu”, acrescentou o advogado.

Após a conclusão da votação, no entanto, o presidente em exercício José Perdiz de Jesus determinou a recuperação dos três pontos pelo Brusque. Para ele, não é “cabível” esta punição diante dos argumentos apresentados.

“Não tenho dúvidas que o tribunal como um todo tem total indignação em situações como essa ou de qualquer tipo de discriminação. Voto para devolver os pontos e aplicar a perda de um mando de campo, mantendo a pena de multa ao Brusque e as penas de suspensão e multa ao dirigente”, encerrou.

Atletas fazem carta

Em outubro, os jogadores e a comissão técnica do Brusque se reuniram para gravar uma coletiva de imprensa para o canal oficial da equipe no YouTube. O atacante Edu ficou responsável por ler a carta, que defendia a anulação da perda de pontos para o Brusque (relembre aqui).

De acordo com os jogadores, a decisão do STJD (Supremo Tribunal de Justiça Desportiva) não serviu para punir o dirigente que proferiu as falas racistas. “Penaliza a nós, ao nosso trabalho e pode comprometer o nosso futuro. Nós, que não cometemos nenhum ato de racismo e não nos beneficiamos dele”.

Ainda segundo a carta, a maioria da equipe é negra e antirracista. “Nossa equipe de trabalho é formada, em sua grande maioria, por afrodescendentes. Somos contra todo e qualquer ato de racismo ou qualquer outra forma de discriminação”, argumentaram no texto.

Racismo é crime

De acordo com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), é classificada como crime de racismo – previsto na Lei n. 7.716/1989 – toda conduta discriminatória contra “um grupo ou coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça”.

A lei enquadra uma série de situações como crime de racismo. Por exemplo: recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais, negar ou obstar emprego em empresa privada, além de induzir e incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, conforme determina o artigo 5º da Constituição Federal.

Já a discriminação que não se dirige ao coletivo, mas a uma pessoa específica, também é crime. Trata-se de injúria racial, crime associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima – é o caso dos diversos episódios registrados no futebol, por exemplo, quando jogadores negros são chamados de “macacos” e outros termos ofensivos. Quem comete injúria racial pode pegar pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Edição: Giovanna Fávero
Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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