Fazendeiros são condenados por exploração de trabalhador com deficiência mental em Minas Gerais

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O vaqueiro, deficiente mental, era explorado e submetido a tratamento ríspido ao longo dos 12 anos em que trabalhou para os fazendeiros (FOTO ILUSTRATIVA: Banco de imagens/Pixabay)

Um casal de fazendeiros foi condenado a pagar R$ 50 mil de indenização por danos morais a um trabalhador rural vítima de exploração em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce. O vaqueiro, diagnosticado com deficiência mental, era submetido a tratamento ríspido e privações ao longo dos 12 anos em que trabalhou na propriedade dos fazendeiros.

O dano moral teria se caracterizado em razão de os fazendeiros terem se aproveitado das condições mentais do trabalhador para obter vantagens ilícitas. No recurso, o casal de fazendeiros negou essa fundamentação e alegou que são pessoas idosas, pequenos produtores rurais do ramo do leite, cuja produção se destina ao sustento do lar.

O trabalhador rural narrou condições graves de trabalho, afirmando que estava submetido a condições análogas à de escravo. Afirmou que era proibido de deixar o local de trabalho e que somente quando os patrões se deslocavam até a cidade é que saía da propriedade, em companhia deles.

Alegou que sempre sofreu tratamento ríspido dos patrões ao longo da sua permanência por mais de 12 anos na propriedade. Afirmou que é absolutamente incapaz, ébrio habitual, viciado e incapaz de exprimir a própria vontade.

Disse, ainda, que a situação em que foi criado reduziu gravemente a sua capacidade psicomotora e que a sua vida, na propriedade dos patrões, era de privações, com acesso dificultado à comida, banho de chuva, dormindo em paiol, com trabalhos forçados durante o dia, o que o levava a consumir álcool.

Trabalhador morava em ‘quartinho’

Na 2ª Vara do Trabalho de Governador Valadares, a juíza Luciana de Carvalho Rodrigues declarou a existência de vínculo empregatício entre as partes e condenou o casal a pagar a quantia de R$ 50 mil ao vaqueiro. O casal, por sua vez, recorreu ao TRT-MG.

Os fazendeiros admitiram a contratação do trabalhador, mas acrescentaram que foi um contrato de parceria, na modalidade arrendamento. Eles afirmaram que apenas não apresentaram o contrato de arrendamento em razão do roubo que sofreram, conforme boletim de ocorrência juntado ao processo.

Entretanto, ao analisar a prova documental, a desembargadora observou que o boletim de ocorrência mencionado não faz qualquer referência ao alegado roubo do contrato de arrendamento em questão. O único “documento” que menciona o suposto contrato de arrendamento é uma folha de caderno escrita à mão, em forma de lista, sem data nem assinatura, não ostentando qualquer valor probatório, no entender da relatora.

Com base na prova oral produzida, concluiu-se que o trabalhador foi contratado para prestar serviços rurais em geral, na propriedade rural do casal, exercendo atividades como reparos de cercas, roças, cuidados com o gado, serviços gerais e auxílios na lida da fazenda e corte de cana, residindo em um “quartinho” ao lado do galpão em que ficava o resfriador de leite.

Homem também era analfabeto

A relatora destacou que a força de trabalho do vaqueiro era moeda de troca por alimentação e moradia. Esse fato foi confirmado pelos fazendeiros, que afirmaram no depoimento pessoal: “que o reclamante teria alimentação para si e para o gado, bem como moradia; que em troca o reclamante cuidaria do próprio gado e auxiliaria os reclamados na lida da fazenda”; que os reclamados arcavam com todas as despesas da pessoa reclamante, inclusive cigarros e bebida”.

De acordo com as ponderações da julgadora, “trata-se de forma perniciosa de pactuação, firmemente rechaçada pela ordem jurídica, em que, os tomadores de serviço, aproveitando-se da situação de extrema vulnerabilidade da pessoa trabalhadora, lhe retiram qualquer possibilidade de viver com autonomia e independência”.

A desembargadora relatora verificou que os documentos juntados ao processo confirmaram o estado de saúde mental debilitado do trabalhador rural. O laudo médico de um psiquiatra atestou a deficiência mental do trabalhador, a ausência de estudo e que o paciente foi “criado desde pouca idade em propriedades rurais em situações análogas à escravidão, sem salário ou renda”.

Foi juntada também uma decisão oriunda da Justiça Comum nomeando a mãe dele como curadora. No laudo pericial, a perícia médica determinada pela juíza sentenciante atestou que o “periciado comparece ao exame médico pericial mostrando-se desorientado no tempo e no espaço e em seus dados biográficos”, diagnosticando o trabalhador com “retardo mental”.

Fazendeiros se aproveitaram da vulnerabilidade do vaqueiro

A relatora do recurso destacou que a própria juíza de 1º grau fez constar da ata de audiência que “o reclamante apresenta dificuldade de raciocínio, sendo necessário perguntar mais de uma vez sobre o mesmo tema, sendo que, em algumas ocasiões, as respostas são diferentes.

Ficou evidenciado para ela que o trabalhador possui dificuldade de compreensão, bem como de situar os fatos no tempo e no espaço. Ela acrescentou que o homem não soube sequer informar a idade, declarando “que acredita que tenha 38 anos, mas não tem certeza; que estudou apenas até ‘o primeiro ano da escola’; que não sabe ler nem escrever”.

Na conclusão do voto condutor, não há dúvida de que o trabalhador é acometido de deficiência mental que o coloca em grave situação de vulnerabilidade. Em sua análise, a relatora frisou que há provas suficientes de que o trabalhador rural foi submetido a condições de trabalho incompatíveis com a condição pessoal dele, uma vez que o casal de fazendeiros, aproveitando-se da vulnerabilidade dele, o colocaram para trabalhar em sua propriedade rural, “remunerando-o” com alimento, moradia, cigarros e bebidas, sem qualquer salário ou renda.

A sentença foi mantida em sua integralidade, inclusive no que diz respeito ao valor da indenização por danos morais de R$ 50 mil. Atualmente, o processo está em fase de execução.

Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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