Por tradição, o Conclave – cerimônia de escolha do novo papa – é antecedido por uma reunião entre líderes da Igreja Católica Romana com o objetivo de analisar os desafios da congregação. Segundo especialistas, as pautas apresentadas ali, muitas vezes, refletem as bandeiras que vão dar o tom do novo papado. Mas afinal, o que se pode esperar do sucessor de Francisco, o primeiro papa latino-americano, lembrado pelos ideais progressistas e pela ode à simplicidade?
Para Rodrigo Coppe, historiador e chefe do departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, ainda não é possível garantir um novo chefe da igreja totalmente alinhado aos ideais do líder argentino, morto nessa segunda-feira (21).
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“Isso é muito relativo, mesmo que Francisco tenha indicado 80% do Colégio dos Cardeais, que vai votar. Depende muito do momento em que os cardeais vão se encontrar no pré-Conclave. É uma perspectiva de análise do que foi feito e do que precisa ser feito. De para onde o mundo está indo e para onde a igreja precisa investir mais esforços”, avaliou o especialista, que também é coordenador do programa de pós-graduação em Ciências da Religião da universidade católica.
Segundo Coppe, estudos apontam para a existência de pautas que podem ser observados mesmo por quem está de fora da reunião que acontece a portas fechadas. Uma delas é a perda de influência geopolítica por parte da Igreja Católica.
“A igreja está bastante enfraquecida nessa perspectiva. João Paulo II ainda conseguiu ter uma força, principalmente no fim do Governo Soviético, mas isso não aconteceu com Bento XVI e Francisco. Francisco se posicionou sobre a Guerra da Ucrânia, sobre a guerra entre Israel e Palestina. Ele ligava todos os dias para as paróquias de Gaza, mas não conseguiu incidir de maneira direta no assunto”, avaliou.
Para o especialista, o cenário é um reflexo histórico e do avanço do Estado liberal, que enfraqueceu o patrimônio da igreja. Além também, da secularização – fenômeno da separação entre religião e estado.
“Temos uma Europa secularizada, em que as pessoas não estão tão interessadas na questão religiosa. Nos Estados Unidos, mesmo com um capitalismo avançado, a gente percebe uma perspectiva religiosa forte, mesmo que de maioria protestante. Principalmente com o retorno de Trump, que tem um discurso marcado pela questão religiosa quanto à identidade do povo americano”, avalia.
Por outro lado, segundo Coppe, as pesquisas apontam para uma redução da presença católica na América Latina, onde há um avanço das igrejas evangélicas e pessoas que se declaram sem religião. Em outra perspectiva, o movimento católico avança na Ásia e na África.
“Na Europa, também tem o desafio do Islã, que cresce por questão demográfica, com as pessoas tendo muitos filhos”, completa.
Demandas locais
Para além do gargalo mundial, o substituto de Francisco também deverá estar atento a movimentações locais.
“No campo político, a gente tem uma crise da democracia liberal. Como as igrejas nos Estados Unidos, no Brasil e na Argentina vão lidar com essa crise? A igreja critica o liberalismo no qual tudo se pode e tudo deve, mas também critica governos autoritaristas e voltados para o controle de comportamentos”, exemplifica o especialista.
Conclave
As regras para realização do Conclave estão previstas na Constituição Apostólica. O Colégio Cardinalício deve se reunir entre 15 e 20 dias após a vacância do cargo, reunindo os cardeais. Dos 252 nomeados atualmente, 135 têm poder de voto, já que têm até 80 anos de idade. O novo papa será aquele que alcançar 2/3 dos votos durante as votações secretas. O Brasil tem oito cardeais que poderão ser votados. Um deles, o mineiro dom Raymundo Damasceno Assis, nascido em Capela Nova, no Campo das Vertentes, não terá poder de voto, por ter 88 anos.