Uma empresa de cruzeiros marítimos foi condenada a pagar indenização por danos morais em R$ 3 mil, depois de exigir testes de HIV e toxicológico no processo de admissão de um funcionário. A decisão é do TRT-MG (Tribunal Regional do Trabalho da 3 Região – Minas Gerais), que concluiu que a companhia tratou desigualmente o trabalhador, com ofensa aos seus direitos personalíssimos.
No processo, a empresa alegou que a exigência de teste de HIV ou toxicológico para a admissão “não é discriminatória, diante da atividade econômica explorada”.
No entanto, ao julgar o caso, o juízo da Vara do Trabalho de Santa Luzia deu razão ao trabalhador. Uma testemunha ouvida no processo confirmou que antes da contratação também realizou exames médicos de HIV e de drogas.
A conclusão foi de que a política admissional adotada pela empresa causou dor, tristeza e sofrimento ao trabalhador. A empresa de cruzeiros recorreu da condenação, assim como o profissional, que reivindicou o aumento do valor determinado como indenização por danos morais. Até então, o valor era de R$ 1 mil.
Ministério proíbe
O juiz convocado da Segunda Turma do TRT-MG, Paulo Emílio Vilhena da Silva, relator do recurso, destacou ainda que uma portaria do Ministério do Trabalho proíbe que os empregadores realizem exame de HIV em seus funcionários.
A determinação vale em ocasião de admissão, demissão ou qualquer outro motivo relacionado ao vínculo empregatício. O juiz também lembrou que, apenas recentemente, em 2014, foi definida como crime a discriminação contra o portador do HIV e o doente de Aids (Síndrome da Imunodeficiência Humana).
A Lei 12.984 ainda dispõe de tipificação penal no caso de negação do emprego ou do trabalho e a vedação de segregação no ambiente de trabalho em razão dessa discriminação.
Decisão
Com base na legislação citada, Paulo Emílio Vilhena da Silva entendeu que o trabalhador foi tratado desigualmente, com ofensa aos seus direitos personalíssimos. Por isso, ele manteve a condenação de indenização por danos morais. Segundo ele, o valor tem como objetivo “ressarcir o íntimo sofrimento humano e restabelecer a dignidade do trabalhador”.
Quanto à quantia, o relator ressaltou que devem ser levados em consideração a extensão do dano, a natureza pedagógica da pena, o grau de culpa do ofensor e a capacidade econômica das partes. O valor deve ser suficiente para reparar a lesão, mas sem promover o enriquecimento “sem causa” da vítima.
Por isso, o juiz acatou o recurso do trabalhador para aumentar o valor, de R$ 1,5 mil para R$ 3 mil. De acordo com a decisão, essa quantia deverá ser paga pela empresa marítima de forma solidária com a outra empregadora, sendo que as empresas, juntas, fazem parte do mesmo grupo econômico.
O processo foi enviado ao TST (Tribunal Superior do Trabalho) para julgamento do recurso de revista.
Estigma e preconceito
De acordo com pesquisa divulgada pelo UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS) em 2019, oito de cada dez pessoas com o HIV têm dificuldade em revelar que vivem com o vírus da imunodeficiência humana.
O motivo é o estigma em torno da doença, que pode ser transmitida por sexo sem preservativo. O contágio também pode ocorrer por transfusão de sangue contaminado, uso de seringa por mais de uma pessoa, instrumentos cortantes não esterilizados ou da mãe infectada para seu filho durante a gravidez, no parto ou na amamentação.
De acordo com o UNAIDS, 64,1% das pessoas que vivem com o HIV sofreram alguma forma de discriminação, 46,3% ouviram comentários negativos no ambiente social e 41% foram recriminados pela própria família.
Um quarto das pessoas sofreu assédio verbal, quase 20% perderam emprego ou fonte de renda, 17% foram excluídos de atividades sociais por serem soropositivos e 6% relataram ter sido agredido.
O levantamento de 2019 foi feito a partir de questionário com 80 perguntas e ouviu 1.784 pessoas com HIV/aids de sete capitais em todas as grandes regiões (Brasília, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo).
Com TRT-MG e Agência Brasil