Secretário de Cultura de MG critica interferência ideológica do governo federal e ‘agradece’ exoneração por Regina Duarte

Secretário de Cultura e Turismo de Minas Gerais
Em entrevista ao BHAZ, Leônidas Oliveira comentou sobre a relação da pasta com o governo federal (Amanda Dias/BHAZ)

“Acho que a cultura tem que ser tratada com mais liberdade, de um olhar da arte, de deixá-la livre. Ela é política, mas não é partido político, e é esse que gera ódio do povo”. É o que defende o secretário de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais, Leônidas Oliveira.

Em entrevista ao BHAZ, o gestor comentou sobre a relação da pasta com o governo federal, além da sua exoneração da Funarte oficializada por Regina Duarte, àquela época secretária especial de Cultura do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). O secretário ainda defendeu a importância das leis Rouanet e Aldir Blanc, além do projeto de lei Paulo Gustavo, que trazem recursos para o setor.

A Secult e o governo Bolsonaro

Leônidas Oliveira assumiu a Secult (Secretaria de Estado de Cultura e Turismo) em maio de 2020, logo no início das restrições aos eventos e ao turismo desencadeadas pela pandemia de Covid-19. À época, o ministro do Turismo do governo do presidente Bolsonaro era o mineiro Marcelo Álvaro Antônio.

Na ocasião, o secretário sinalizou planos de dialogar com o ministério para liberar recursos para o estado. Para Leônidas, a saída de Marcelo Antônio da pasta, em dezembro de 2020, impactou o turismo em Minas Gerais.

“O Ministério do Turismo incorporou a cultura, mas ela ficou separada, ligada diretamente à presidência, ele não tinha muita função na indicação e na composição. No turismo, fizemos convênios, e quando ele saiu realmente acabou por completo relação que nós tínhamos com o ministério”, contou ao BHAZ.

Hoje, segundo o secretário, poucos assuntos relativos ao turismo são tratados entre a Secult e o governo federal. “Não há nada de efetivo. E com a cultura, desde que eu entrei, nunca conseguimos estabelecer uma conversa, uma parceria com a Secretaria Especial da Cultura, a não ser na lei Aldir Blanc”.

Regina Duarte e a saída da Funarte

Antes de assumir a Secult, Leônidas Oliveira era diretor-executivo da Funarte (Fundação Nacional de Artes), mas foi exonerado logo quando a atriz Regina Duarte assumiu o cargo de secretária Especial da Cultura do governo federal.

Ao BHAZ, o agora secretário estadual de Cultura e Turismo disse ser grato pela exoneração. “Agradeço por ter sido exonerado naquele momento. A situação quando a Regina chegou ficou insustentável”, diz Leônidas Oliveira.

Ele conta que, antes da atriz assumir a pasta, “a questão ideológica não tinha chegado” na gestão da cultura no governo. “a Funarte funciona e empregava, a Lei Rouanet também, os projetos andavam”.

Segundo o secretário, o então ministro da Cidadania, Osmar Terra, e Marcelo Álvaro Antônio queriam que ele assumisse o cargo de secretário-adjunto de Regina Duarte. Leônidas conta que rejeitou a opção. “A situação caminhava para um ponto que eu não via que seria bom. Saí sem mágoa e hoje agradeço”, diz.

‘Não tem lógica’

Oliveira diz que, antes da atriz assumir a pasta, quem estava à frente da cultura no governo Bolsonaro não interferia na técnica com questões ideológicas. Segundo o secretário, ele começou a se tornar uma barreira para a Secretaria Especial de Cultura enquanto estava à frente da Funarte.

“Minha saída foi muito natural, as pessoas sabiam que não tinha jeito de me falar para fazer ‘isso ou aquilo’, com relação a ideologias se misturarem à arte, isso não tem cabimento. Com respeito a quem crê nisso, porque faz parte da diversidade, mas não tem lógica. Nem conceitual na cultura, nem conceitual na técnica da arte, e muito menos na técnica de gestão de um país democrático com a Constituição Federal que nós temos”, defende.

Para Leônidas, a gestão de Regina Duarte na pasta “juntou” secretários de governos estaduais de esquerda e de direita ao ir contra a Lei Aldir Blanc em um momento crítico para a cultura em todo o país.

Lei Aldir Blanc

Não é só na gestão da atriz, que durou até maio de 2020, que o secretário aponta problemas na Secretaria Especial de Cultura do governo federal. Para Oliveira, a gestão atual da pasta erra ao se opor a iniciativas auxiliadas pela Lei Aldir Blanc.

A legislação prevê auxílio financeiro ao setor cultural com o objetivo de profissionais da área que sofreram com impacto da pandemia. Estados e municípios podem destinar verba à manutenção de espaços culturais, ao pagamento de renda emergencial, e a instrumentos como editais e chamadas públicas.

Leônidas Oliveira defende que a lei une os municípios: antes dela, cerca de 75% dos municípios do país passaram pelo menos 12 anos sem receber recursos do governo federal para políticas públicas na área cultural.

“A Secretaria Especial de Cultura, que deveria zelar pela cultura, é contra. Assim como está contra a lei Paulo Gustavo, sendo que há no Fundo Nacional de Cultura quase R$ 4 bilhões perdidos. A secretaria perde a guerra e une todo mundo ao romper com todos os secretários”, defende o secretário.

Ele aponta falhas na lei, como a falta de previsão de comprovação de regularidade fiscal para recebimento dos recursos, mas defende que sua importância é inegável. “Parece uma campanha ao contrário. Ainda não entendi qual é a estratégia, mas o resultado foi fazer com que a antipatia da cultura ao governo se ampliasse”, completa.

Em maio do ano passado, por exemplo, o atual secretário Especial de Cultura, Mario Frias, comemorou o cancelamento de um evento com temática LGBT+ que seria contemplado pela Lei Aldir Blanc (relembre aqui).

‘Demonização’ da Lei Rouanet

Além da Lei Aldir Blanc, Leônidas Oliveira aponta para uma “demonização” da Lei Rouanet por parte do governo federal. Desde 1991, a legislação fomenta atividades culturais no país e foi responsável pela injeção de mais de R$ 16 bilhões na economia brasileira, com o apoio a mais de 50 mil projetos.

Para o secretário, o problema da lei é a centralização dos recursos em Minas Gerais, São Paulo e no Rio de Janeiro. Ele defende ainda uma reformulação que permita que pequenas empresas também possam ser patrocinadoras, e não só as grandes. “O resto é ataque ideológico”, dispara Oliveira sobre as críticas à legislação.

“O problema são os mecanismos dela, mas isso não quer dizer que a lei deve ser paralisada. Ela acontece de forma muito bonita, propicia a criação de obras artísticas muito importantes para a vida brasileira, projetos estruturantes, manutenção de museus, de grupos importantíssimos para a nossa cultura”, defende.

“Há uma demonização da arte, do artista, da lei Rouanet, que passa muito por opção política de grupos da cultura que desagradam outros grupos. Acho que a cultura tem que ser tratada com mais liberdade, de um olhar da arte, deixá-la livre. Ela é política, mas não é partido político, e é esse que gera ódio do povo”, finaliza o secretário de Cultura e Turismo de Minas.

Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

Roberth Costa[email protected]

De estagiário a redator, produtor, repórter e, desde 2021, coordenador da equipe de redação do BHAZ. Participou do processo de criação do portal em 2012; são 11 anos de aprendizado contínuo. Formado em Publicidade e Propaganda e aventureiro do ‘DDJ’ (Data Driven Journalism). Junto da equipe acumula 10 premiações por reportagens com o ‘DNA’ do BHAZ.

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