Durante a assinatura do novo acordo de reparação da Tragédia de Mariana, na manhã desta sexta-feira (25), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou a atuação da Fundação Renova, entidade até então responsável por administrar todas as medidas compensatórias.
Um dos pontos questionados pelo presidente é a transparência quanto aos valores empenhados desde que a barragem de Fundão se rompeu, em novembro de 2015.
“É importante lembrar que a gente não sabe o que foi feito com o gasto da Fundação criada para cuidar disso. São 37 bilhões gastos que a gente não sabe o destino que tiveram e é importante a gente saber”, cobrou.
A fundação, criada pelas mineradoras e em acordo com o poder público, ficou como a responsável por medidas como pagamento de indenizações, reconstrução das comunidades destruídas e recuperação ambiental. Todas as ações são feitas com o dinheiro da Samarco e suas proprietárias, Vale e BHP.
A reportagem procurou a Renova para comentar sobre as críticas e aguarda retorno.
Minas ficará com R$ 81 bi do acordo
O acordo firmado hoje em Brasília aumenta o valor que as empresas devem empenhar na reparação. Foram acrescentados mais R$ 132 bilhões, totalizado quase R$ 170 bilhões. Do total, R$ 100 bilhões serão administrados pelo poder público e R$ 32 bilhões pelas mineradoras. Cerca de R$ 100 bilhões serão investidos no prazo de 20 anos. O Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) vai acompanhar o uso do dinheiro.
“Cada ministro envolvido em uma área tem que apresentar projetos. Não é o discurso que faz a obra acontecer. É a qualidade do projeto. Se a gente não der conta do recado, daqui a 20 meses, o que hoje é celebrado como a maior acordo já feito, vão começar a cobrar do governo como a pior coisa que já aconteceu”, alertou Lula à equipe da União.
O termo foi assinado pelo Advogado-geral da União, Jorge Messias; o governo de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB); Paulo Gonet, procurador-geral da república; o desembargador Ricardo Machado Rabelo; o presidente da Vale, Gustavo Pimenta; o presidente da Samarco, Rodrigo Vilela; e o presidente da BHP, Mike Henry.
A expectativa é que cerca de R$ 81 bilhões sejam aplicados em projetos em Minas Gerais e destinados à população atingida no estado. Veja a estimativa feita pelo Governo Estadual:
- Parte dos valores irá para a duplicação da BR 356, que liga a BR-040 até o município de Mariana. Estão previstos cerca de R$ 2 bilhões para estas obras, incluindo, ainda, melhoria de pavimentação na estrada até o município de Rio Casca.
- Os atingidos em Mariana terão prioridade no novo acordo, com a criação de um programa específico de transferência de renda só para a cidade. O benefício terá o valor de R$ 15 mil por pessoa, a ser pago a 29 mil beneficiários com renda mais baixa. Outras 5 mil pessoas com danos já comprovados receberão benefícios de no mínimo R$ 60 mil por pessoa.
- Será também criado um novo programa de indenizações individuais para a população dos 38 municípios mineiros impactados, inclusive Mariana, dando oportunidade para aqueles que, por anos, não conseguiram ser reparados pela Fundação Renova. O valor por indivíduo será de R$ 35 mil, beneficiando mais de 200 mil pessoas em território mineiro e com valores estimados em R$ 10 bilhões para este novo sistema indenizatório.
- Ainda nos 38 municípios atingidos pelo rompimento em Minas Gerais, a população de agricultores e pescadores com residência em até 5 quilômetros das margens do Rio Doce será incluída em um novo programa de transferência de renda. Os novos beneficiários irão receber 1,5 salário-mínimo mensal, por um período de ao menos três anos.
- Com o Fundo Popular do Rio Doce, mais de R$ 2,5 bilhões serão destinados a projetos definidos de forma participativa pela comunidade atingida de Minas Gerais;
- Os agricultores, moradores, proprietários rurais e ilheiros nas margens do rio terão investimentos e benefícios especiais. Um novo fundo de recuperação produtiva e resposta a enchentes no valor de R$ 1 bilhão será implementado, destinando assistência técnica agrícola, insumos e projeto de recuperação conduzido pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater-MG);
- Em relação ao meio ambiente, R$ 7 bilhões serão usados para universalizar o saneamento básico em todos os 200 municípios da Bacia do Rio Doce em Minas. Com esses novos aportes, cerca de 1,4 milhão de pessoas terão acesso a abastecimento de água em Minas Gerais e 4,83 milhões passarão a ter o esgoto coletado e tratado;
- Os valores destinados ao meio ambiente, investimentos em reflorestamento, recuperação de nascentes, renaturalização de rios, revitalização da biota aquática e terrestre, entre outros, serão de cerca de R$ 8 bilhões em território mineiro, realizados pelo Poder Público. Além disso, são estimados outros R$ 9 bilhões de obrigações ambientais a serem realizadas pelas mineradoras;
- No programa de retomada econômica, os valores devem chegar a cerca de R$ 4 bilhões na região atingida mineira para recuperação produtiva, desenvolvimento rural e ciência e tecnologia;
- Outros R$ 11 bilhões estão previstos para aplicação em novos projetos de desenvolvimento socioeconômico a serem realizados pelo Governo de Minas, sendo 80% desse recurso destinados exclusivamente para a região atingida.
O MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) avalia como avanço o acordo, mas apontou críticas ao projeto. A associação vê como insuficiente os R$ 170 bilhões negociados. Segundo o grupo, o valor não é suficiente para recuperação plena da Bacia do Rio Doce e indenizações individuais necessárias.
“Não é o acordo que esperávamos. O valor global está muito abaixo do que poderia ser. Além disso, o prazo de desembolso de 20 anos é excessivo, e o tema do direito individual foi tratado com valores muito aquém das necessidades reais. R$ 35 mil, por exemplo, está muito abaixo do que deveria ser para uma reparação justa,” afirma Thiago Alves, membro da coordenação nacional do MAB.