Uber é condenada a indenizar em R$ 400 mil a família de motorista assassinado durante corrida

Luiz Gustavo de Assis
Motorista foi torturado e morto durante trabalho (Reprodução/Facebook)

A Uber terá que indenizar a família do motorista que foi assassinado durante uma corrida na cidade de Igarapé, na região metropolitana de Belo Horizonte. A Justiça determinou o pagamento da indenização por danos morais de R$ 200 mil à mãe e mais R$ 200 mil à viúva da vítima, que receberá ainda uma pensão, por reparação de danos materiais, em parcela única. A Uber recorreu da decisão e o recurso aguarda julgamento.

O crime aconteceu em março de 2019, quando Luíz Gustavo de Assis, 31, foi acionado via aplicativo para uma viagem, que teve partida em Igarapé. Durante a corrida, os quatro passageiros menores de idade surpreenderam o motorista anunciando o assalto. O grupo conduziu o carro para debaixo da ponte sobre o Rio Paraopeba, violentando e assassinando o motorista. O corpo foi achado no rio três dias após o crime.

Inconformadas, a mãe e a viúva da vítima ajuizaram ação trabalhista, pedindo as indenizações e o reconhecimento do vínculo de emprego. Mas a empresa contestou os pedidos, alegando que, no momento do crime, o motorista não realizava viagem pelo aplicativo e que a última corrida aconteceu uma hora antes do assassinato. Afirmou ainda que não pode responder por ato de terceiro e que atuava como mera intermediária na relação entre motorista e passageiro.

Juíza recusa argumentos

Ao decidir o caso, a juíza do Trabalho Laudenicy Moreira de Abreu afastou os argumentos da empresa e deu razão às autoras. Para a julgadora, não prevalece a versão da empregadora de que, no momento do crime, o motorista não realizava viagem pelo aplicativo. “Os registros provam que ele estava trabalhando na noite do crime e a serviço da empresa”, pontuou.

“Evidente que a abordagem delituosa que vitimou o trabalhador se deu em razão de sua condição de motorista e de estar conectado ao aplicativo e à disposição da atividade da empresa ou em trabalho naquele momento, resultando nos atos de violência e seu assassinato”. Segundo a magistrada, esse é o fator determinante para a prática delituosa e a morte, o que, em si, atrai a incidência da responsabilidade civil objetiva.

A juíza ressaltou, no entanto, que a fixação do valor da indenização por danos morais deve atender à compensação da vítima e à punição do agente. “Evidente seu caráter punitivo e pedagógico, inclusive para que sejam efetivadas as medidas de controle e prevenção necessárias, evitando futuros acidentes e outras vítimas”, assinalou. A magistrada fixou a indenização em R$ 200 mil para cada reclamante.

Vínculo empregatício

Além das indenizações, a juíza reconheceu o vínculo de emprego entre o motorista e a empresa de transporte por aplicativo. As autoras alegaram que o profissional prestou serviço, mediante remuneração média de R$ 500,00 por semana. A magistrada deu razão às autoras, entendendo que ficou “incontroverso que a relação jurídica foi estabelecida com a pessoa física do motorista”.

Para a juíza, as possibilidades de o motorista não trabalhar todos os dias e de recusar corridas não caracterizam eventualidade na prestação do serviço. “O trabalho não se qualificava como esporádico, pois a contratação não se deu para um evento apenas. Foi prestado de modo permanente, contínuo e habitual, em vista da necessidade e dinâmica normal da atividade, para atender à necessidade permanente e essencial do empreendimento, diretamente ligado à sua atividade-fim”, detalhou.

Uber recorre

A Uber discordou da decisão e alegou que foi tomada em desacordo com a jurisprudência estabelecida no país. “A decisão representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados por outros Tribunais pelo País, incluindo o STJ (Superior Tribunal de Justiça)”, escreveu, em nota enviada ao BHAZ (leia na íntegra abaixo). A empresa acrescentou que a família do motorista recebeu o seguro de acidentes pessoais oferecido pela Uber.

A plataforma também discordou da decisão de reconhecer vínculo empregatício com o motorista. “Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação)”, detalhou.

Relembre o caso

Na ocasião, o delegado responsável pelo caso, Álvaro Romero Huertas dos Santos, lotado em Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, informou que o motorista aceitou uma corrida pelo aplicativo, antes de desaparecer. Segundo o investigador, a ideia inicial dos criminosos era “apenas” realizar o assalto do carro, para que uma dívida com o tráfico de drogas pudesse ser paga. Mas um dos adolescentes foi reconhecido pela vítima.

O grupo, em comum acordo, decidiu então matar a vítima, para que não fossem reconhecidos pelo roubo. O motorista não foi morto dentro do carro, ele foi levado para debaixo de uma ponte entre Betim e São Joaquim de Bicas, onde passa o Rio Paraopeba.

Conforme o laudo da necropsia, ele foi submetido a tortura e crueldade antes da morte. Constou no laudo: “No caso em tela, concluímos por duas causas de morte: o traumatismo cranioencefálico contuso e, como concausa, a asfixia. Encontramos o cadáver com as mãos atadas por fio de eletricidade, o que confere à vítima ausência de possibilidade de defesa”.

Na época do crime, a Uber afirmou lamentar “profundamente que os cidadãos sofram com a violência e brutalidade que permeiam nossa sociedade”. “Prestamos toda nossa solidariedade à família de Luiz Gustavo neste momento tão difícil. A empresa está à disposição das autoridades, na forma da lei”, afirmou.

Nota da Uber da íntegra:

A Uber informa que já apresentou o recurso para o TRT, visto que  a decisão representa um entendimento isolado e contrário ao de outros casos já julgados por outros Tribunais pelo País, incluindo o STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Existe sólida jurisprudência no Poder Judiciário determinando que a Justiça do Trabalho não é competente para julgar ações de indenização contra a Uber. Independentemente disso, segurança é prioridade para a empresa. A Uber está sempre buscando, por meio da tecnologia, fazer da sua plataforma a mais segura possível, de uma forma escalável. Hoje uma viagem pelo aplicativo já inclui diversas ferramentas de segurança antes, durante e depois de cada viagem, tanto para os usuários quanto para os motoristas parceiros.

Além disso, vale ressaltar que a família do motorista parceiro recebeu o valor correspondente à cobertura do seguro de acidentes pessoais exigido na regulamentação dos aplicativos (Lei 13.640/18) e mantido pela Uber, em parceria com a Chubb. Este seguro  é oferecido sem nenhum ônus a todos os parceiros e usuários, e cobre todas as viagens ou entregas intermediadas pela plataforma, tanto para motoristas e entregadores parceiros, que possuem uma relação comercial com o aplicativo, quanto para os próprios usuários. A apólice também indeniza independente da apuração de culpa ou responsabilidade pelo acidente. Ocorrendo um acidente pessoal com um parceiro ou usuário da plataforma, a seguradora efetuará o pagamento da indenização securitária correspondente.

Vínculo empregatício

Nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência consistente sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Em todo o país, já são mais de 1.800 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma, além de julgamentos no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e cinco decisões no TST (Tribunal Superior do Trabalho).

Em um dos julgamentos mais recentes, a 5ª Turma afastou a hipótese de subordinação na relação do motorista com a empresa uma vez que ele pode “ligar e desligar o aplicativo na hora que bem quisesse” e “se colocar à disposição, ao mesmo tempo, para quantos aplicativos de viagem desejasse”. Em outro julgamento, a 4ª Turma decidiu de forma unânime que o uso do aplicativo não configura vínculo pois existe “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação a metas determinadas pela Uber”.

Com TRT

Edição: Vitor Fernandes
Guilherme Gurgel[email protected]

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Escreve com foco nas editorias de Cidades e Variedades no BHAZ.

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