Vale recorre de decisão que protege caverna escavada por preguiças-gigantes pré-históricas na Grande BH

Caverna escavada por preguiças-gigantes
Estrutura era usada como abrigo pelos animais (Robson Zampaulo/Vale)

A Vale recorreu de uma decisão judicial que determina medidas de proteção para uma paleotoca, caverna escavada e usada como abrigo por preguiças gigantes pré-históricas. A estrutura fica na área da mineradora no Distrito Espeleológico Serra do Gandarela, em Caeté, região metropolitana de Belo Horizonte.

A decisão foi concedida em junho após ação protocolada pelo MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) e proíbe a Vale, o Estado e o município de Caeté de promover qualquer medida que gere a destruição ou a deterioração da área, nomeada de cavidade AP-38.

Já a Vale, ao apresentar o recurso, defende que “busca esclarecer alguns pontos da decisão” e que a paleotoca está preservada e sob cuidados da empresa desde 2010 (leia mais abaixo). O MP informou que está elaborando resposta ao recurso, e a Justiça ainda está analisando o caso.

Pedido do MP e decisão judicial

O TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), a pedido do MPMG, declarou o valor cultural da paleotoca que fica nos limites do Distrito Espeleológico Serra do Gandarela. A decisão estabeleceu multa diária caso a Vale, o Governo de Minas ou o município de Caeté descumpram as determinações.

De acordo com o MP, a estrutura é a maior paleotoca conhecida até o momento, com 340 metros de comprimento. A caverna é formada por túneis escavados em rochas por preguiças-gigantes que habitavam a América do Sul durante o período Terciário e Quaternário para fins de moradia permanente ou temporária.

Preguiça-gigante
Animais pesavam cerca de quatro toneladas (Rodolfo Nogueira/Divulgação)

Ainda conforme o órgão, a paleotoca que fica na cavidade AP-38 é a única existente em Minas Gerais. Por isso, a Ação Civil Pública (ACP) ajuizada buscou promover a proteção da área.

No documento, o MP sustentou que técnicos realizaram vistoria no local em 2017 e atestaram que se trata de uma cavidade bastante exposta, já que o bem não estava inserido nos limites do Parque Nacional da Serra do Gandarela, o que dificultaria a sua proteção. Naquele ano, o órgão expediu uma recomendação à Vale para que a mineradora apresentasse um estudo atualizado referente à área.

Também em 2017, o MPMG recomendou que o Iepha (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) formalizasse o processo de tombamento estadual da paleotoca, e que o município de Caeté também formalizasse o processo de tombamento municipal.

“Os entes, contudo, informaram não dispor de estrutura para a elaboração do dossiê de tombamento”, aponta o Ministério Público.

Deterioriação

Ainda na ACP, o órgão sustentou que um estudo elaborado pelo Instituto Prístino em 2020 apontou para a existência de marcas e elementos visíveis que sugeririam a alteração das condições originais da paleotoca, como desplacamentos, pisoteamento, carreamento de materiais, introdução de elementos na cavidade e pichações.

O setor técnico do MPMG também concluiu, no mesmo ano, que as maiores ameaças à caverna escavada pelas preguiças-gigantes estão associadas à implantação de empreendimentos minerários na região.

Caverna
Estrutura estaria sendo deteriorada (MPMG/Divulgação)

Além disso, ainda segundo a ação, a integridade da paisagem externa à caverna é fundamental para sua correta e adequada avaliação. “Portanto, alterações drásticas no ambiente certamente prejudicarão a produção de conhecimento científico relativo à esta cavidade de gênese única no Quadrilátero Ferrífero”, defende.

O órgão ainda ressaltou que o estado de conservação do local já começou a ser deteriorado, em parte pela ação humana, em parte pela omissão do Poder Público na devida proteção.

O que diz a Vale?

Procurada pelo BHAZ, a Vale informou que entrou com o recurso para esclarecer alguns pontos da decisão. “A paleotoca está preservada e sob cuidados da empresa desde 2010. Hoje, são cerca de 40 hectares protegidos no entorno da cavidade, mais que o dobro que determina a legislação”, diz nota.

A mineradora também reforçou que elaborou um plano de ação para mitigar possíveis impactos na caverna escavada pelas preguiças-gigantes, instalação de barreiras físicas e cercamento para limitar o acesso de pessoas não autorizadas, placas de sinalização e mais.

“Sua área de entorno também está protegida de forma a preservar sua estrutura física, biodiversidade, condições microclimáticas (como temperatura, umidade) e o aporte de matéria orgânica para no seu interior, sendo esta importante para a manutenção da sua fauna subterrânea que inclui espécies endêmicas. Finalmente, é importante ressaltar que apesar do seu valor científico e histórico, esta caverna não apresenta potencial turístico para visitação”, finaliza o comunicado (leia na íntegra abaixo).

O que é a paleotoca?

A paleotoca que fica na cavidade AP-38 é uma caverna escavada por preguiças-gigantes há pelo menos 10 mil anos. Os animais tinham aproximadamente seis metros de comprimento e peso aproximado de quatro toneladas, e viveram junto com mastodontes, tigres-dente-de-sabre e tatus-gigantes.

O local foi descoberto em 2010 por pesquisadores em uma área da Vale, próxima ao Parque Nacional da Serra do Gandarela, com túneis, salões escavados e ranhuras indicando atividade e marcas compatíveis com os milodontídeos cavadores, ou preguiças-gigantes de dois dedos.

A caverna servia como abrigo, local de reprodução e alimento para espécies que viviam na superfície e em ambientes subterrâneos. A cavidade apresenta uma rede de túneis interligados, conectados a uma câmara maior e com marcas de garras nas paredes e nos tetos.

Marcas na caverna
Estrutura é cheia de marcas do animal (Vale/Divulgação)

A Vale garante que, desde a sua descoberta, a caverna usada pelas preguiças-gigantes segue protegida e foi classificada pelos estudos da Vale como “cavidade de máxima relevância”, seja por atributos físicos ou biológicos.

De acordo com a legislação brasileira, isso já lhe atribui uma condição legal de proteção permanente, por meio de decreto publicado em janeiro de 2022.

Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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