Uma empresa de vigilância patrimonial de Patos de Minas, no Triângulo Mineiro, foi condenada a indenizar um funcionário em R$ 3 mil por danos morais. O vigia acionou a Justiça do Trabalho após ser discriminado na empresa por usar o cabelo estilo black power.
O trabalhador alegou ter sido desmerecido e perseguido devido à sua aparência física, com chefes solicitando que cortasse o cabelo para se adequar ao “cartão de visita” da empresa. Um áudio entre colegas de trabalho foi apresentado como prova das narrativas discriminatórias.
Na mensagem, o chefe afirmou que “o que está incomodando os outros chefes é esse cabelo dele, esse black power”, complementando que “um vigia não pode se trajar dessa forma” e que “o cara está ‘desajeitadão’, esse cabelão black power dele, chega sacudindo cabelo para um lado e para outro, então assim, tá ruim, tá difícil, ele tem que ajeitar isso aí”.
Por fim, o chefe reiterou que o visual do vigia não era condizente com o “cartão de visita” da empresa. Uma testemunha que foi ouvida no processo declarou ter ouvido o áudio no qual o chefe solicitava ao trabalhador que cortasse o cabelo. Ela confirmou também que presenciou a resposta negativa do vigia.
A companhia, por sua vez, contestou as alegações de assédio moral, justificando que o áudio estava relacionado à exigência do uso completo do uniforme, incluindo o boné. No entanto, as provas apontaram para uma falta de esclarecimento sobre padrões visuais no momento da contratação do vigia.
Racismo estrutural
Para o juiz Luiz Felipe de Moura Rios, os depoimentos confirmaram que o vigia foi contratado em dezembro de 2022 com a mesma aparência que possuía no mês seguinte, não tendo feito qualquer menção a padrões visuais.
Para o juiz, a empresa extrapolou o limite da relação contratual ao interferir na liberdade e na imagem do trabalhador, incorrendo em conduta ilícita. Ele entendeu que esse tipo de atitude é uma manifestação do racismo estrutural velado.
“O pedido de corte de cabelo, neste caso, tem em verdade profunda relação com o racismo estrutural em que vivemos. Isso porque o reclamante é pessoa negra, e o ‘padrão’ a que se refere a empresa se traduz, de forma bastante velada, de fato, em um tipo de imagem relacionada a pessoas brancas e cujo cabelo não tem a forma do cabelo do reclamante, como se essa fosse a forma mais aceitável de apresentação na sociedade”, completou.
O juiz ressaltou que o cabelo black power é simbólico e carrega um significado muito maior do que mero modismo ou simples aparência física. Ele enfatizou que o cabelo utilizado pelo trabalhador fez parte de um movimento cultural de valorização da identidade negra e de luta contra a discriminação.
Decisão
O magistrado frisou que essa exigência não tem relação com a função desempenhada por ele e não tem justificativa plausível e razoável. Além disso, a lei brasileira proíbe a discriminação racial no ambiente de trabalho. Por essas razões, o juiz entendeu que a conduta ofensiva da empresa gera o dever de indenizar. Entretanto, ele frisou que o ato da empresa foi isolado e prontamente recusado pelo vigia.
Assim, levando-se em conta a extensão e consequência do dano, a presunção de constrangimento, a gravidade da culpa da empresa, a natureza compensatória e pedagógica da medida e o princípio do não enriquecimento sem causa da pessoa prejudicada, o juiz fixou o valor da indenização em R$ 3 mil.