Cliente diz que restaurante Mocotó tem localização ‘perigosa’ e ‘precária’ e resposta do chef Rodrigo Oliveira viraliza

restaurante mocotó
Mensagem enviada a Rodrigo diz que localização do restaurante é ‘perigosa e precária’ (Reprodução/@rodrigomocoto/Instagram)

O chef de cozinha Rodrigo Oliveira rompeu barreiras e transformou o restaurante Mocotó, uma herança do pai para ele, em uma herança para toda uma comunidade. Localizado na Vila Medeiros, na Zona Norte de São Paulo, o empreendimento se destaca, inclusive internacionalmente, por reverenciar a culinária nordestina e sertaneja. Nesta semana, no entanto, o espaço tornou-se alvo de um comentário que considera a localização dele “perigosa” e “precária”. Para o chef Rodrigo, o “absurdo” escrito pela cliente, nas palavras dele, nada mais é do que fruto de ignorância e preconceito. Ele resolveu, então, respondê-la publicamente: o comentário do chef viralizou rapidamente e recebeu bastante apoio.

Ainda assustado com a repercussão do caso nas redes sociais, o chef Rodrigo conta que quase apagou o que escreveu, mas que percebeu a importância de manter o comentário – para que as pessoas da comunidade se sintam representadas. “Para que tenham consciência de que são valiosas, que aquele território importa”, diz ele.

“Fiquei chocado, para falar a verdade. Viralizou em questão de minutos! Não estou acostumado, então quase apaguei para não sair do controle. Mas percebi que era importante para que muita gente se sentisse representada”, explica o chef em conversa com o BHAZ, nesta quarta-feira (22).

O comentário e a resposta

Tudo começou quando a cliente postou a “avaliação” dela sobre a localização do Mocotó, que fica a cerca de 15 km do Centro da cidade e a 3 km da estação Tucuruvi do metrô. “Fomos em 16 pessoas. Ficamos com muito medo do local do seu restaurante. Nunca imaginaria que você, tão famoso, ficaria num bairro assim. Somos do Tatuapé e vamos torcer para abrir um restaurante aqui neste bairro maravilhoso e cheio de restaurantes bons e de nome igual ao seu. Pensa nisso”.

Em publicação no Instagram, Rodrigo respondeu: “Justamente por existir gente que ainda pensa como você que continuamos morando e empreendendo na Vila Medeiros. Assim, quem sabe um dia nosso bairro vai estar (ainda mais!) cheio de negócios e oportunidades para as pessoas que vivem aqui”. O post já reúne quase 90 mil curtidas.

Herança de família, herança da comunidade

Ao BHAZ, Rodrigo Oliveira narra que sentiu um misto de surpresa e indignação ao receber a mensagem negativa. Herança do pai, o Restaurante Mocotó se consagrou como um negócio de sucesso na região, que por questões culturais é frequentemente estigmatizada.

“Nosso restaurante traz a cozinha nordestina, sertaneja, e foi fundado pelo meu pai há quase 50 anos. Ele era o típico retirante nordestino, vindo do interior de Pernambuco, sem instrução ou conhecimento. Depois de ralar muito, abriu um pequeno comércio na Vila Medeiros, onde estamos até hoje”, revela o cozinheiro.

O bairro na Zona Norte sempre teve um significado especial para a família de Rodrigo, que foi acolhida e recebida com muito carinho. Ele começou a trabalhar com o pai aos 13 anos e hoje, aos 41, se empenha em devolver toda a gratidão que sente pela comunidade regional.

“No começo éramos só meu pai, algumas poucas pessoas e eu. A gente atendia mesa, limpava banheiro, fazia de tudo um pouco. Era um lugar muito modesto e eu, inclusive, demorei muito tempo para ficar confortável com o rótulo de ‘chef’. O restaurante foi ganhando estrutura, mas dizemos que ele é muito mais acontecido que planejado”, brinca Rodrigo.

‘Por que não Vila Medeiros?’

Já que toda a vida da família se “desenrolou” na Vila Medeiros, Rodrigo demorou a perceber as discrepâncias e preconceitos em relação ao restante da capital paulista. Dentre tantos questionamentos, um dos que mais escuta é “Por que na Vila Medeiros?”. Na cabeça do chef, a verdadeira pergunta deveria ser: “Por que não na Vila Medeiros?”.

Com o passar dos anos, Rodrigo notou que existem “várias São Paulos”. Quanto maior a consciência sobre as diferentes regionalidades, mais apegado às raízes ele foi ficando. “Eu pensava: poxa, se todo mundo sair do bairro em busca do que, porventura, não tem aqui, quando vamos conseguir transformar a realidade da Vila Medeiros”?

Ele encara as vulnerabilidades do bairro como uma chance de avançar, trabalhar para conquistar mais aparatos de lazer, cultura, saúde e melhores escolas. Para Rodrigo, trata-se de uma construção que exige presença. Assim como o restante da família que cresceu ali, a maioria dos fornecedores, parceiros e colaboradores do Mocotó são moradores da Vila Medeiros.

“Já recebi inúmeros convites para mudar a localidade do restaurante. Mas o que quero transparecer é que o sentido de comunidade é real, é algo praticado. Muita gente diz que o Mocotó tem uma situação atípica, extraordinária, já que não é comum um restaurante periférico ter destaque e reconhecimento internacional. Então, eu sei que os negócios menores estão muito mais sujeitos a esse tipo de preconceito”.

‘O que espanta é a naturalidade’

Apesar conhecer a discriminação relativa à localização do Restaurante Mocotó, Rodrigo conta ao BHAZ que ficou surpreso com a mensagem que recebeu nessa semana. Segundo ele, o que espanta é a naturalidade com que a mulher expôs o preconceito e a ignorância, fato que comunica muito sobre a época em que vivemos.

“Depois de tantos anos e luta, nessa altura do campeonato, tive muita surpresa ao ler o comentário. Pela naturalidade, fica evidente que banalizamos esse tipo de postura, o preconceito social, racial, de cor. Magoou bastante. No começo dei risada, porque achava que tinha alguma ironia ali. Mas depois reli e achei um absurdo”, lamenta o empreendedor.

Quando decidiu formular uma resposta, Rodrigo se deu conta de quão profundo havia sido aquele ato discriminatório. A publicação rendeu tanto que muitos moradores locais escreveram para contar que já passaram por coisas semelhantes. Embora achasse importante expor o ocorrido, o chef não esperava tamanha repercussão.

“Muita gente chega no restaurante falando: ‘Vim lá de São Paulo pra comer aqui!’. E isso deixa claro que existem discrepâncias e desinformação. O preconceito costuma se apresentar de forma mais sutil, então essa mensagem foi muito emblemática pra mim”, conclui Rodrigo.

Quase meio século de história

Além do empresário, o perfil do próprio restaurante se manifestou sobre a polêmica. “Agradecemos muito todas as mensagens de apoio e repost que estamos recebendo pelo último post do chef @rodrigomocoto! No próximo ano, 2023, completamos 50 anos de restaurante e 30 em que o chef Rodrigo Oliveira está à frente da casa. Não era algo que esperávamos ouvir a essa altura”, diz a mensagem.

“O @rodrigomocoto escreveu: Nasci e cresci nesse bairro, estudei e trabalhei a vida toda aqui, estou na Vila até hoje. Demorei pra entender que existiam outras ‘São Paulo’, mas a verdade é que a desigualdade é tão grande quanto a cidade. Vamos continuar na luta, pois não se trata de ser o melhor do mundo e sim de como fazer o mundo melhor”, finaliza o texto.

Nos comentários, diversas mensagens de apoio. “Eu vou da Zona Sul à quebrada só para comer aí. Durante a pandemia fui algumas vezes só para buscar a comida. O melhor lugar do mundo é onde nosso coração está”, disse uma pessoa. “Amo esse restaurante! O lugar é lindo, os funcionários super simpáticos, e a comida nem precisa comentar, né?!? Viva a quebrada e os empreendedores de todas elas”, escreveu outra.

Edição: Roberth Costa
Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

Nicole Vasques[email protected]

Jornalista formada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), escreve para o BHAZ desde 2021. Participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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