O silêncio dos coniventes

Reprodução/Rosario Studio/Facebook

Por Carolina Magro Lage*

Conivente:

(Adj., s.m. e s.f.), co-ni-ven-te, (Etm. do latim: connivens.entis).

  • Aquele que não faz nada para impedir uma ação errada ou criminosa;
  • Que finge não ver ou não perceber o mal que outrem pratica.

Sinônimos: conluiado, mancomunado, CÚMPLICE, CULPADO.

Após vinte e cinco anos de vida como mulher, dentre eles, cinco anos de aprendizado no meio feminista, já escutei muita coisa de homens que se auto intitulam apoiadores do movimento.

“Não seja extremista. Ser radical demais é para mulheres feias e solitárias”.

Eu até poderia ser feminista, desde que fosse do jeito que os agradasse. Não se importavam se esse era ou não o jeito que me faria vencer minhas lutas e meus medos.

Eu tentava entrar naqueles padrões que eles me cobravam. Aos poucos percebi que não adiantava o quanto eu cedia, o feminismo sempre iria desagradar os homens de alguma forma. Em algum momento, o que para mim era luta, para eles se tornaria incômodo, com vitimismo e extremismo da minha parte. Eram os privilégios deles sendo questionados e retirados! Como concordariam com isso?

Ainda assim, aceitei esse apoio. Afinal, como evoluir uma sociedade e mudar a socialização das pessoas sem o apoio de metade da população desde agora?

Mas esse apoio veio cheio de desculpas.

Eu via um caso de assédio, “mas nem todo homem…” Dizia o tal apoiador.

Via um caso de violência, “mas nem todo homem” ele repetia.

Via um estupro, um feminicídio e “nem todo homem”, “eu sou diferente” eu escutava dele mais uma vez.

Mas quem eram então os homens que faziam essas coisas?

Procurei. Não precisei olhar longe e nem procurar por muito tempo.

Eles estavam logo ali. Eram os amigos do tal “apoiador”. O irmão, o primo, o tio, o amigo de infância, o colega de faculdade. Os meus amigos, os meus colegas. Eles estavam em toda parte.

Busquei saber como esse homem, o diferente, o apoiador do feminismo, o homem que não era um daqueles outros de atitudes tão machistas, lidava com tudo isso.

Entre seus amigos, tudo era brincadeira. Contavam piadas de estupro, compartilhavam vídeos e fotos de meninas que não sabiam que tinham sido filmadas, falavam de mulheres como se seus corpos fossem pedaços de carne que existem para agradar seus olhos. As namoradas traídas de seus amigos eram as “loucas” ciumentas. Histéricas.

Nesses grupos, o apoio do tal apoiador já não aparecia mais.  

Ele era o que não contava a piada, mas ria com os outros.

Era o que não enviava o vídeo para outras pessoas, mas também não deixava de assistir.

O que se calava enquanto seus amigos falavam sem respeito sobre mulheres.

– “Putas, piranhas, vadias, gostosas, vagabundas, novinhas!”

O que não se posicionava quando via o amigo traindo a namorada.

O que não dizia ao seu amigo que ela não era louca, e que a convencer disso seria praticar gaslighting**.

O que curtia assistir um filme pornô, sem procurar saber quem são as pessoas que atuam nesses filmes e o que isso causa em suas vidas***.

Seu “apoio feminista” se limitava a lutar pela liberdade sexual das mulheres, afinal, isso o envolvia e também era conveniente.

O que me resta após observar isso tudo é um pedido diretamente feito a esses homens.

Desço do meu orgulho pra dizer: Nós precisamos sim de vocês, homens apoiadores.

Nós não precisamos de vocês para abrirem portas, potes, carregar coisas pesadas, nos dar flores. Não precisamos de vocês para nos ensinar como deve ser nossa luta. Nós sentimos o machismo na pele desde o momento que nascemos. Descobrimos, infelizmente, sozinhas como agir e lidar, e quando não soubermos, perguntamos às nossas outras irmãs que já passaram pelo mesmo.  Não precisamos de vocês para nos dizerem o que é ou não é “bonito pra mulher fazer”. Nem pra medir o quanto cada mulher deve lutar, ou até que ponto isso te convém.

Precisamos de vocês para outras coisas, que vão muito além, que são essenciais para a nossa sobrevivência.

Precisamos que vocês parem de nos odiar. Precisamos que se posicionem contra aqueles que nos odeiam. Precisamos que não disseminem a misoginia. Que não contribuam para a cultura do estupro. Que nos apoiem longe de nossos olhos, além de seus interesses próprios.

Precisamos, mais do que nunca, que vocês não sejam coniventes.

Não sejam coniventes.

Não sejam coniventes!

Por favor, não sejam coniventes!

Não sejam o amigo que deixou de evitar o estupro de uma mulher, um feminicídio, uma violência, um abuso, um assédio. Tudo isso por resolver se calar. Por preferir o silêncio.

Não sejam coniventes.

Não sejam cúmplices.

Não se calem.

“Se você é neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”
(Desmond Tutu)

* Gaslighting ou gas-lighting é uma forma de abuso psicológico no qual informações são distorcidas, seletivamente omitidas para favorecer o abusador ou simplesmente inventadas com a intenção de fazer a vítima duvidar de sua própria memória, percepção e sanidade.

** De acordo com a Pink Cross Formation, uma organização de proteção a atrizes e atores pornô, a expectativa média de vida de uma estrela pornô é de 36 anos; 208 atores morreram de aids, overdose, suicídio, homicídio ou outras doenças somente em 2014 e 66% desses trabalhadores têm herpes, uma doença sem cura.

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* Carolina Magro Lage tem 25 anos, é estudante de arquitetura e urbanismo e ativista do movimento feminista interseccional desde os últimos 5 anos. É integrante da administração das páginas feministas NoFluxo e EmpoderAmar-Se e da marcha das mulheres pela democracia de Belo Horizonte

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