Verde e amarelo: Como Bolsonaro ‘sequestrou’ bandeira do Brasil e dividiu uma nação

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Jair Bolsonaro (sem partido) inflou parcela mais radical da população com as cores da bandeira nacional (José Cruz/Agência Brasil)

Você tem vergonha de usar as cores do Brasil atualmente? Dependendo da sua resposta, você pode se encaixar em grupos políticos distintos. Com a polarização extrema em que vivemos, a bandeira nacional virou sinônimo de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Com isso, uma grande parcela da população parou de usar o “verde e amarelo” para evitar serem “confundidos” com os eleitores do presidente. O BHAZ entrevistou especialistas para entender este movimento que ocorre no país nos últimos anos.

Na história recente, as cores verde e amarelo tomaram as ruas de diversas cidades a partir do movimento que pedia o impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT). De lá pra cá, passou a ser corriqueiro associar as cores da bandeira ao desejo de um país “livre da corrupção“. O uso ganhou ainda mais força durante a campanha que resultou na vitória de Jair Bolsonaro ao cargo de presidente da República em 2018.

“Bolsonaro foi oportunista e agiu estrategicamente. Conseguiu trazer para si as cores que não tinha no seu partido [PSL]. Ele incorporou o verde e amarelo fazendo de conta que o partido dele era o Brasil. Foi uma estratégia acertada”, explica Malco Camargos, doutor em Ciência Política, professor da PUC Minas e diretor do Instituto Ver Pesquisa e Estratégia em entrevista ao BHAZ.

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Uso das cores verde e amarelo tomou as ruas nas manifestações favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff (Rovena Rosa/Agência Brasil)

‘Nunca antes’

O movimento de Bolsonaro de apropriar-se de símbolos nacionais nunca havia sido registrado no Brasil, conforme explica Camargos.

“Os símbolos anteriores eram os dos próprios partidos que tinham certa identidade. O azul do PSDB e o vermelho do PT, por exemplo. Bolsonaro entrou na disputa e incorporou em sua narrativa o verde e amarelo”.

Nem mesmo no regime da ditadura militar, os símbolos nacionais foram utilizados por um político da forma que Bolsonaro faz. “Naquela época, o verde e amarelo era muito usado e mais relacionado a apropriação da seleção brasileira, mas nunca com a intensidade que Bolsonaro consegue”.

Na visão do especialista, associar as cores ao então candidato ao Palácio do Planalto foi um “mérito da equipe”. “A estratégia foi muito bem feita”, pondera.

Para Adriana Romeiro, professora do departamento de História da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), o uso que o governo Bolsonaro faz dos símbolos nacionais “não é novo, nem original”. “Trata-se do sequestro, por parte de uma parcela da população, de um símbolo que deveria representar toda a nação. É como se aqueles que não se identificassem com esse governo não fossem patriotas ou tivessem amor ao país”. 

Será que dá para reverter?

A polarização entre os pró-governo Bolsonaro e os contrários, se reforça a cada manifestação registrada. Os favoráveis saem às ruas com as cores verde e amarelo, camisa da seleção brasileira e bandeira do país. Já os que são contrários, optam por outras cores para não serem “confundidos” com apoiadores e usam faixas com palavras de ordem.

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Cores utilizados demonstram diferença entre os grupos (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil + Moisés Teodoro/BHAZ)

Apesar da “tendência” dos últimos anos, os organizadores de atos contrários a Bolsonaro, decidiram começar a usar as cores verde e amarelo, além do hino nacional. O objetivo é retomar os símbolos nacionais usados por apoiadores do presidente. As informações são do Painel da Folha de S.Paulo.

A reportagem questionou Camargos se ainda é possível que os símbolos do país não estejam mais atrelados apenas aos grupos de direita como visto atualmente. “Claro. As cores dos movimentos dependem das forças dos grupos. Com a diminuição da força de Bolsonaro, as cores devem ser apropriadas por outros grupos”.

A fala do cientista político se baseia nas pesquisas que demonstram recorde de reprovação da população brasileira com o atual presidente.

‘A bandeira é de todos’

A professora de História da UFMG reforça a fala do cientista político. “A bandeira, por ser um poderoso símbolo nacional, presta-se a apropriações por diferentes grupos. Isso acontece com muita frequência: um determinado grupo político se apossa de um símbolo nacional, e este passa a ser identificado àquele grupo”.

Ela explica que é o que acontece no Brasil nos últimos tempos. “O governo Bolsonaro, cuja retórica destaca o patriotismo, escolheu a bandeira como seu símbolo. A bandeira então deixa de ser uma referência para todos os brasileiros e se converte na referência de alguns. Um novo significado foi colado à bandeira: é o símbolo dos que apoiam um determinado governo”.

“A bandeira não pertence a uma parcela da sociedade. Ela é de todos. Ainda que possamos retomar a bandeira, isso não impedirá que no futuro ela seja sequestrada novamente”, pondera a professora.   

O Sleeping Giants Brasil, que se define como um movimento de consumidores contra o financiamento do discurso de ódio e da desinformação, falou sobre a apropriação das cores no 7 de Setembro.

De acordo com o movimento, todos os dias “extremistas mancham as cores da nossa bandeira ao utilizá-la como escudo para o seu ódio”. A página afirma que, mesmo com isso, “a bandeira brasileira é acima de tudo uma representação do seu povo e uma conquista da sua democracia”. Eles terminam dizendo que “a nossa bandeira jamais será fascista”. O texto vem acompanhado de um punho fechado erguido, com as cores nacionais, simbolizando a luta.

‘Não uso mais’

Com as manifestações de 7 de Setembro, a favor do governo federal e em apoio à figura de Jair Bolsonaro, muitas pessoas se mostraram frustradas com a forma como o verde e amarelo têm sido usado. A cantora Anitta faz parte desse público.

A artista também vê como estratégia o fato de usar camisa do Brasil de forma partidária. “Aí agora a gente não pode usar mais roupa do Brasil que já acham que a gente faz parte do grupo dos doidos”.

O advogado Alan Melo sempre gostou de acompanhar a seleção brasileira por ser um apaixonado pelo futebol. Só que o uso da camisa atrelado a apoiadores do governo fez com que ele deixasse de utilizá-la. Para ele, o que acompanhamos nos últimos anos é um “falso patriotismo”.

“O governo vem utilizando [os símbolos nacionais] como manobra e gera um falso patriotismo. Utilizam a bandeira do Brasil, mas na mesma manifestação você tem bandeira dos Estados Unidos e Israel. Tudo isso vem caindo por terra e as pessoas estão entendendo que o movimento foi um fracasso”, diz.

Em conversa com a reportagem, ele lembra de uma vez que foi curtir o Carnaval com amigos e foi vestido com uma camisa verde e amarela da seleção. “Quando começou esta onda, fomos pra folia e colocamos uma placa informando que não apoiávamos o governo. Vai que a gente acabasse sendo confundido”.

Alan não se sente mais confortável em usar a amarelinha. Prova disso, foi a atitude que teve.

“Tinha duas camisas aqui em casa. Me vi na situação de não poder usá-las. Juntei com outras roupas e acabei doando. Não dá mais para usar. Vou continuar usando a camisa do meu time do coração, quem sabe, quando passar estes tempos turbulentos, volte a vestir a camisa da seleção”.

Patriotismo

“É um sentimento de patriotismo e não de governo”. Júlio Hubner, artista plástico e membro do movimento Patriotas, usa as cores verde e amarelo para demonstrar a valorização aos símbolos nacionais. Ele conta que apesar deles estarem relacionados ao presidente Bolsonaro, o significado vai muito além.

“Este uso começou com o ‘Fora Dilma’ e não no movimento pró-governo igual hoje em dia. Agora acabou virando tendência nacional. Usar as cores e os símbolos nacionais vem da turma que teve educação moral e cívica. É um sentimento patriota”.

Nas redes sociais, a fala de Júlio é corroborada na opinião de alguns internautas apoiadores do atual governo. “Com verde e amarelo é sempre mais bonito. Vamos com Bolsonaro presidente até 2030”, escreveu um internauta. “A esquerda tirou nossas cores. Bolsonaro nos devolve o sentimento de patriotismo. Liberdade para amar o verde e amarelo”, disse outro.

Atualmente, na visão de Júlio, o presidente Bolsonaro é o “maior símbolo da direita” e remete ao patriotismo. Ele relembra uma campanha do PT para a presidência visando exemplificar a fala.

“Se pegar uma campanha do Lula, tinha um pessoal caminhando com a bandeira do Brasil e a frente segurando a bandeira vermelha. Aqui está a diferenciação ideológica. De um lado um grupo que tomou as cores verde amarelo e do outro o vermelho”, finaliza.

Ameaça à democracia

Para Adriana Moreira, a polarização política é nociva à democracia. A historiadora explica que essa pressupõe o diálogo, a capacidade de se chegar a acordos e consensos. “Hoje, o cenário está ocupado por posições antagônicas, que se digladiam e se excluem mutuamente, rejeitando qualquer possibilidade de se estabelecer um campo comum”.   

“O adversário é visto como um inimigo a ser destruído e não a ser ouvido. As paixões estão tão inflamadas que o debate político ficou inviabilizado”, conta. A lógica da política deixou de ser uma lógica racional para ser dominada pelo ódio. “É como se a política não pudesse dar conta dos interesses contraditórios da sociedade – essa, por sua natureza mesma, conflituosa”. 

A estudiosa ainda diz que mais do que polarização, vivemos um período de intensa radicalização. “Essa é a novidade do atual cenário político. O fato de que um grupo atua fora das regras do jogo democrático, que põe em xeque as instituições, que ameaça o Estado de Direito”. 

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Manifestantes se reuniram a favor de Jair Bolsonaro na Praça da Liberdade (Jair Di Gregório/Arquivo Pessoal)

“Temos uma extrema-direita que rechaça a democracia”. Moreira alerta que isso vai muito além da mera polarização política. “Divisões no país não são novidade – temos uma história recente de polarização política, sobretudo a partir dos anos de 1990. O problema é que essa polarização deu lugar à radicalização que compromete a existência da própria política”. 

História da bandeira

Por trás das cores da bandeira do Brasil, existe significado. A professora do departamento de História da UFMG conta que já tivemos mais de 10 bandeiras desde o século 16.  

“A bandeira atual foi adotada pela República em 1889, em substituição à antiga bandeira do Império”, começa. A professora conta que ela se parece muito com a bandeira do Império do Brasil: tem o mesmo fundo verde (que representava a Casa de Bragança, à qual pertencia Dom Pedro I), o losango amarelo (representando a Casa de Habsburgo, da imperatriz Maria Leopoldina). 

No lugar do brasão de armas do Império, a nova bandeira traz um círculo azul sobre o qual estão as estrelas – que corresponde exatamente o céu visto do Rio de Janeiro em 16 de janeiro de 1889,  então capital brasileira.

As estrelas representam as unidades da federação e o Distrito Federal. Com a mudança para o regime republicano, o significado das cores foi alterado: o verde representa a natureza; o amarelo,  o ouro e as riquezas. 

Quanto às estrelas, eram 23 até 1991; em 1992, passou a ter 27 e incluir estados criados a partir de 1982. Também houve uma mudança no seu posicionamento para refletir mais precisamente suas coordenadas astronômicas.

Reprodução/FNE – Federação Nacional dos Engenheiros

Curiosidades dos símbolos nacionais

A forma de apresentar os símbolos nacionais é determinada pela lei nº 5.700, de 1971, assinada pelo presidente da ditadura militar Emílio Garrastazu Médici.

São considerados símbolos nacionais: a bandeira, o hino, as armas e o selo. Existe regras que definem o que é o uso correto e apropriado desses símbolos. E isso vale também para a bandeira. 

Nem todo uso é permitido. Não se pode, por exemplo, destiná-la a um uso comercial, imprimindo-a em copos, guardanapos, cartões, painéis, etc. É necessário saber que o uso é regulamentado por lei. 

Edição: Vitor Fernandes
Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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