#CadeoLucas: Família completa mais um dia sem respostas

Daniel Arroyo/Ponte

Por Daniel Arroyo e Paulo Eduardo Dias, da Ponte Jornalismo

Enquanto boa parte dos brasileiros curtiam o feriado da Proclamação da República, familiares de Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14 anos, se juntaram a vizinhos da Favela do Amor, na Vila Luzita, bairro pobre de Santo André, na Grande São Paulo, para protestarem pelo terceiro dia seguido o desaparecimento do adolescente nessa sexta-feira (15).

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A família e vizinhos culpam policiais militares pelo sumiço na madrugada da última quarta (13). A cúpula da PM afastou dois PMs do trabalho nas ruas, sem redução de salário, por suspeita de envolvimento no caso.

O dia foi um carrossel de emoções para os parentes, já que por alguns instantes se chegou a ter a notícia da morte do menino, mas, pouco tempo depois, a angustia e aflição pela falta de informações voltou a tomar conta de seus corações.

Um corpo localizado horas antes por frequentadores do Parque Natural Municipal do Pedroso, um dos braços da represa Billings, no bairro Parque Miami, teve a confirmação de alguns familiares como sendo o de Lucas, mas, depois, eles voltaram a ter dúvidas já que outros membros da família não confirmaram.

A curta frase dita pelo pai do jovem à Ponte resume o sentimento. “A demora é massacrante. Não é legal. O coração do pai está um massacre, uma angústia”, frisou o caminhoneiro Gilvan Silva Santos, 47 anos, com um semblante abatido. A aflição ainda deve se prolongar por alguns dias, já que foi coletado sangue do pai e dos irmãos para confrontar com o material genético do morto. O processo deve levar, em média, 10 dias, segundo advogados que estavam no IML (Instituto Médico-Legal) de Santo André.

Daniel Arroyo/Ponte

Por volta das 15h, enquanto parte dos parentes do menino estava no IML, na tentativa de reconhecer o corpo, outra parte fechava junto a dezenas de pessoas a avenida São Bernardo do Campo, na altura do número 500, uma das entradas da comunidade.

Com faixas e cartazes, o grupo preferiu não permanecer em frente à entrada da favela, mas seguir por uma das principais vias do bairro até o 6º DP (Departamento Policial) de Santo André, responsável por registrar o Boletim de Ocorrência de desaparecimento de Lucas, para chamar mais atenção da população andreense.


Logo no início da marcha, quando já bloqueavam a avenida Capitão Mario Toledo, conhecida por abrigar o estádio Bruno José Daniel e a casa de shows Aramaçan, uma notícia pegou a todos de surpresa.

A informação passada era de que o corpo encontrado sem marcas de violência aparente, segundo o delegado Fábio Goulart, do 6º DP, nas primeiras horas da manhã era de Lucas. O reconhecimento inicial foi feito pelo irmão mais velho do adolescente, o auxiliar de pizzaiolo Igor Teixeira, 22 anos, e pela cunhada do garoto, a recepcionista Andressa Catharine, 22 anos.

A confusão na confirmação aconteceu por causa da altura de Lucas e do corpo encontrado. Segundo o delegado, a altura do corpo é entre 1,80 e abaixo de 1,90 e familiares contaram que Lucas tem 1,75. O adolescente não tem RG, o que impossibilitou, por exemplo, que as digitais fossem confrontadas.

Assim que notícia chegou, a comoção tomou conta dos presentes na avenida. Pais e filhos passaram a chorar desesperadamente, assim como os jovens que deixaram de gritar por ”Lucas” e “por justiça”, para limparem as lágrimas que desciam por seus rostos.

A tia de Lucas, Dalva dos Santos, que estava no local e que havia confirmado a notícia do reconhecimento do corpo para a Ponte, caiu ao chão necessitando ser amparada por seus familiares.

Daniel Arroyo/Ponte

A notícia de reconhecimento de Lucas, conhecido pelos amigos da comunidade como “Bundinha”, conforme revelou o amigo Jonatan, 22 anos, fez com que os presentes passassem a tomar um tom de revolta em suas falas, ao menos dez morteiros foram atirados. O som das bombas passou a se misturar aos gritos de dor.

Com o filho nos ombros e chorando, ainda sem saber que de fato o corpo encontrado ainda não havia sido identificado oficialmente como de seu sobrinho, o tio de Lucas conversou com a Ponte. “O coração do tio está quebrado, está doído. Fazer o que, né. Tiraram a vida do menino por quê?”, falou o pedreiro José Jackson, 40 anos, enquanto enxugava as lágrimas com a camiseta.

A partir daí, os gritos de “Lucas, Lucas”, “Somos todos Lucas”, e “não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da Polícia Militar” foram bradados aos quatro cantos. “Tem que ter orgulho de morar na favela, não é comunidade, é favela”, afirmou, emocionada, Andreia Barbosa, 36 anos, que atualmente está desempregada.

“Até quando o governador vai recrutar bandido para trabalhar na polícia? Porque é negro, porque tem a pele escura não é ser humano?”, questionou o construtor Edvaldo Oliveira, 50 anos.

Erro de procedimento no IML causou confusão

Assim que a informação de que o corpo encontrado pela manhã havia sido reconhecido como de Lucas, parte da equipe de reportagem da Ponte se dirigiu ao IML, enquanto a outra seguiu com os moradores da Favela do Amor.

Lá no IML, advogados que acompanhavam a família contaram que o reconhecimento do corpo foi feito de forma equivocada, o que pode ter levado ao erro na divulgação pelo irmão de que ele havia reconhecido o corpo.

“O que houve foi um erro de procedimento. Enquanto o pai e o irmão colhiam sangue para o DNA, um funcionário do IML levou o outro irmão para a sala de reconhecimento. O irmão e a cunhada reconheceram o corpo. Daí o médico legista chegou, e levou o outro irmão e o pai para mostrar o corpo, como é de praxe, e esses não reconheceram devido a altura”, explicou a advogada e presidente da Comissão de Igualdade Racial e Inclusão Social da 38º Subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santo André, Maria Zaidan.

Daniel Arroyo/Ponte

Ponte conversou com o irmão mais velho e com a cunhada ambos que haviam reconhecido o corpo como sendo de Lucas. Segundo eles, características como nariz, orelhas, dentes e sobrancelhas do homem encontrado morto no parque são muitos semelhantes aos do adolescente.

Maria Zaidan acrescenta que Igor está muito abalado emocionalmente, já que era quem cuidava de Lucas, e que o reconhecimento não poderia ter sido realizado dessa maneira. “Desde o dia que ele sumiu eu não como, não durmo. Trabalho para sustentar minha casa. De segunda a quinta-feira entro na pizzaria às 15 e saio às 23h, de sexta-feira, sábado e domingo vou até à 1h”, afirmou Igor.

Além do erro de procedimento, familiares que estavam no local também reclamaram da demora dos funcionários da unidade em os dispensarem para voltar para casa. A demora, segundo o funcionário, era porque um delegado iria até o local para conversar com os familiares, o que de fato ocorreu.

“Vão esperar a gente passar mal para liberar? Mais de uma hora para assinar um papel. Estou sem dormir, estou com fome, preciso tomar banho”, completou Vitor Eduarti, 16 anos, irmão do meio de Lucas.

Enquanto a família de Lucas tentava fazer o reconhecimento do corpo, muitas pessoas protestavam na Avenida São Bernardo, na entrada da favela. O protesto chegou a ir até o 6º DP de São André e retornou para a comunidade. Durante a tarde, ainda com a Avenida fechada pelos moradores, uma viatura da Força Tática da PM chegou a esboçar uma tentativa de repressão.

Ao chegar próximo da barricada, os policiais acabaram desistindo, pois perceberam que o número de moradores era muito maior que os quatro policias. Eles voltaram para a caminhonete e recuaram, deixando o local. No final da tarde outro carro da força tática passou pelo protesto em baixa velocidade e chegando próximo a barricada acelerou, desviando dos manifestantes e entrando em uma rua próxima ao bloqueio.

O clima foi tenso durante toda a tarde e início da noite, com os moradores bloqueando carros e liberando a passagem apenas dos ônibus e uma ambulância. Por volta das 20h, as faixas que citavam a violência sofrida por Lucas foram retiradas e algumas barricadas desfeitas encerrando o ato.


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