Nove meses antes do incêndio que tirou a vida de dez atletas da categoria de base do Flamengo, o clube já sabia dos riscos oferecidos pela instalação elétrica do Ninho do Urubu. Trocas de e-mails divulgadas pelo UOL revelam que o curto-circuito em um dos aparelhos de ar-condicionado do CT (centro de treinamento), que provocou o acidente em 2019, poderia ter sido evitado.
As mensagens enviadas pelos responsáveis pelo CT aos dirigentes do Flamengo mencionavam “não conformidades” e “gravidades” na estrutura do Ninho do Urubu e apontavam para uma situação “de alta relevância e grande risco”. Os e-mails foram enviados após uma inspeção feita por um técnico de segurança do trabalho do clube no local.
O relatório técnico desenvolvido após a inspeção continha dez imagens que mostravam a precariedade das instalações elétricas no Ninho, ressaltando o que são chamadas de “gambiarras” no quadro elétrico atrás do alojamento da base, onde o curto-circuito ocorreu.
“Conforme a avaliação do Sr Adilson e relatório anterior, a situação é de alta relevância e grande risco, ficando este de apresentar uma proposta ao Sr. Luiz Humberto para atendimentos emergenciais de alguns pontos: quadro elétrico (poste ao lado do refeitório), disjuntores e fiação no jardim, quadro elétrico atrás do alojamento da base”, alertou o relatório enviado ao gerente de administração do Flamengo, Luiz Humberto Costa Tavares, e a outros dois funcionários, no dia 11 de maio de 2018.
‘Não serão tratadas’
A observação final feita no relatório evidencia a decisão do clube de não lidar com os problemas elétricos no Ninho do Urubu naquele momento. “As irregularidades abaixo não serão tratadas no momento, pois, conforme informação, o local será demolido e substituído por novas instalações até o final do ano de 2018, deixando claro que caso haja fiscalização e autuação o argumento mesmo que evidente não justifica a irregularidade, ficando a critério do órgão fiscalizador a penalidade ou intervenção”, diz a conclusão.
A observação partiu de uma convicção de que o Flamengo cumpriria o objetivo de fazer um novo CT para a base e substituir todas as instalações elétricas ainda em 2018, o que não aconteceu. No dia 12 de maio de 2018, o gerente Luiz Humberto, que recebeu o relatório, repassou o documento ao diretor executivo de administração do Ninho do Urubu, Marcelo Helman.
“Sá achou por bem solicitar que o Adilson (engenheiro eletricista que fez a instalação elétrica do CT – que você conhece) acompanhasse para verificar a real situação e elaborasse, caso seja necessário, um primeiro orçamento para colocarmos as instalações elétricas em dia. Após o envio desse primeiro orçamento, pediremos outros mais para compor quadro de concorrência”, diz um trecho do e-mail.
A empresa que fez a inspeção enviou um orçamento para fazer os reparos em até 10 dias, por R$ 8.550, e chegou a emitir notas fiscais após ser contratada, mas o trabalho nunca foi feito. Após pagar pelo serviço e não recebê-lo, o Flamengo não providenciou os reparos e os problemas elétricos continuaram. Os jovens continuaram expostos às “não conformidades” da estrutura até fevereiro do ano seguinte, quando o incêndio tirou a vida dos dez “Meninos do Ninho”.