Famílias resistem a ordem de despejo no bairro Santa Tereza

Famílias que moram na Vila Teixeira, no bairro Santa Tereza (Karina Marçal/Gabinetona)

Por Bella Gonçalves, vereadora pelas Muitas/PSOL-MG

Gláucia é moradora do Santa Tereza há décadas. Ali cuidou das suas filhas e dos seus filhos, que também constituíram família, e construiu laços de amizade e afeto com a vizinhança. O imóvel de Gláucia e de outras 14 famílias está localizado na rua Teixeira Soares, num terreno atrás do Clube Oásis, próximo à praça Duque de Caxias, carinhosamente chamado de Vila Teixeira. Mas Gláucia e as famílias, que moram no local há mais de 70 anos, foram surpreendidas com um comunicado de despejo e correm contra o tempo para mostrar seu direito legítimo a permanecer nas suas casas.

Das mãos de Dona Eliza, mulher negra nascida após a Lei do Ventre Livre, bisavó de Gláucia, surgiu a primeira casa da Vila Teixeira e uma das primeiras habitações da futura rua Teixeira Soares. No início, tudo era brejo e mato, mas com o tempo a vizinhança se uniu por melhorias. Foi assim quando resolveram doar parte dos lotes para que a Prefeitura construísse uma nova via no bairro e quando decidiram pagar do próprio bolso o dinheiro para o asfalto. Também foi assim que trouxeram energia elétrica e construíram a rede de esgoto no local.

A despeito de todos esses fatos, em 1970 surge um processo judicial que tem como autores pessoas que alegam ser herdeiras do terreno. Pessoas que não têm história, memória e nem rastro naquela terra. O processo seguiu no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) às escuras, sem que qualquer moradora ou morador do terreno fosse ouvido ou intimado. O susto maior veio em 2018, quando a Polícia Militar bateu nas portas de cada uma das quinze famílias com um comunicado de despejo.

Por causa das ameaças que estavam sofrendo, em março deste ano, algumas moradoras e moradores foram à Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da Câmara Municipal de BH, da qual sou integrante. Convocamos então uma audiência pública, realizada em abril, na qual moradores, apoiadores e técnicos puderam falar sobre a história da Vila e o absurdo pedido de remoção das famílias. Também estivemos ao lado das famílias em uma manifestação na porta do TJMG que pedia a suspensão do despejo. Infelizmente, no dia 23 de abril o Tribunal definiu que as famílias teriam 60 dias para deixar as suas casas. A decisão tem como fundamento uma ação demarcatória em que os autores apresentaram o título da propriedade, referente à época em que a região se chamava Colônia Américo Werneck.

O título diz pouco sobre a realidade da Vila Teixeira. As moradoras e moradores transformaram o terreno em moradia, fazendo com que o espaço cumpra a sua função social. Eles possuem documentos que comprovam a compra do terreno e o pagamento do IPTU do local desde a década de 1950. Em caso de duplicidade de vendas dos terrenos, a prioridade deve ser dada àqueles que utilizam o espaço como moradia. Possuem, assim, o direito à regularização fundiária previsto na Constituição Federal, no Estatuto das Cidades e na Lei Federal 13.645 – Regularização Fundiária de Interesse Social (Reurb-S).

As moradoras e moradores também foram privadas de participar dos processos de mediação de conflitos, uma vez que a Mesa de Negociação e Diálogo para conflitos fundiários do Estado de Minas Gerais não está funcionando. Além disso, a Vila Teixeira é um espaço passível de proteção por meio da Área de Diretrizes Especiais (ADE), legislação urbanística que garante a proteção dos modos de vida do bairro Santa Tereza. A Prefeitura deve, desse modo, se responsabilizar pela aplicação do instrumento e garantir a permanência das famílias e de suas casas.

O caso possui ainda um forte elemento de racismo institucional, uma vez que as famílias tiveram seu direito de defesa cerceados de diversas formas. No último mês, negociações foram abertas apenas com o Clube Oásis e as famílias negras que estão a ponto de perder as suas casas não foram sequer consideradas. Assim como em outros territórios da cidade, os interesses imobiliários juntam forças para expulsar moradores de bairros tradicionais e construir, no seu lugar, grandes empreendimentos, transformando relações afetivas construídas ao longo de décadas em vínculos impessoais.

Contra esse modelo de cidade, a Vila Teixeira resiste!

Gabinetona[email protected]

A Gabinetona é um mandato coletivo construído por quatro parlamentares em três esferas do Legislativo. É representada pelas vereadoras Cida Falabella e Bella Gonçalves na Câmara Municipal de Belo Horizonte, pela deputada estadual Andréia de Jesus na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e pela deputada federal Áurea Carolina na Câmara dos Deputados, em Brasília.

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