Golpe Militar de 64: Cinco motivos para não comemorar o 31 de Março

Foto: Evandro Teixeira/ Reprodução

O papel do Historiador/Professor de História é fazer defeitos na memória, segundo Durval A. Júnior. Um ótimo texto para pensarmos o Golpe Militar de 1964.

O texto “Fazer defeitos nas memórias: para que serve o ensino e a escrita da história?” é um bálsamo e é a lembrança que me vem quando leio que um político imbecil, eleito por outros 57 milhões de imbecis quer comemorar de maneira oficial o Golpe Militar de 1964.

Uma era sombria, 21 anos de vergonha para a nossa História e um presidente quer estampar o nome de uma nação no muro de uma vergonha. Na contramão do mundo moderno que se constrange por seus crimes contra a humanidade, a nação brasileira sob comando de Jair Bolsonaro agora irá comemorar institucionalmente uma de suas maiores tristezas.

Como fazer defeitos em memórias distorcidas, inventadas por um poder desonesto e truculento? Como fazer defeitos em memórias construídas sob a desonestidade? Em cima da História dos mais de cem “desaparecidos” (oficialmente) que o Estado brasileiro ainda não deu uma resposta?

Como fazer defeitos na memória de 57 milhões de pessoas?

Como fazer defeitos na memória de um presidente que acha legal ordenar a comemoração de um Golpe Militar? Como?

“O problema do Brasil estar no fundo do poço é que todo dia jogam uma pá e a gente só cava mais fundo!”

  • 1 – Não se comemora a retirada ilegal de um presidente eleito do poder – nem em 64, nem em 2016!

Em 1964 o então presidente João Goulart sofreu um golpe militar. Tropas saíram de Juiz de Fora (MG), em direção ao Rio de Janeiro na intenção de retirar fazendo uso da força o presidente eleito do poder. Em 1961 as eleições eram separadas, votava-se para presidente e para vice presidente de maneira independente e João Goulart foi eleito vice de Jânio Quadros, inclusive com mais votos para vice do que o presidente para seu cargo. A renúncia de Jânio fez com que João Goulart assumisse a presidência do país pouco mais de um mês depois das eleições de 1961 – que aconteceram em agosto daquele ano. João foi então um vice-presidente eleito pela maioria dos votos, que se tornou presidente após a renúncia de seu companheiro e teve seu mandato interrompido por movimentações escusas de forças militares. Você vê alguma vantagem nisso?

  • 2 – Não se comemora perda de direitos!

Artur da Costa e Silva (1967 – 1969) foi o presidente imposto – por ele mesmo – durante a Ditadura brasileira. Em seu governo foi estabelecido o Ato Institucional nº 5 (AI-5), o decreto que marca o início dos chamados “Anos de Chumbo”. Em resumo este ato constitucional deu amplos poderes ao Executivo, desempenhado pelos próprios militares, para perseguir e silenciar qualquer opositor ao regime de Ditadura, inclusive membros do próprio governo. O estopim para este decreto foi a declaração do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, após o assassinato de um estudante durante a invasão da Polícia Militar à UNB, para reprimir discentes que se manifestavam contra a ditadura. Como consequência, vários opositores ao regime militar, incluindo artistas da época, foram exilados do país. A vigilância à imprensa e perseguição aos opositores só cessou após a volta do regime democrático.

  • 3 – Não se comemoram violência e torturas
Evandro Teixeira/Reprodução

O período da Ditadura Brasileira foi violento e até hoje o Estado não respondeu por todas as mortes e torturas cometidas na época. A Comissão Nacional da Verdade, instituída por lei em 2011, determinou mais de 360 responsáveis diretos por crimes de tortura, violência sexual, mortes e outros crimes que violaram gravemente os Direitos Humanos. Oficialmente 140 pessoas são consideradas desaparecidas no período da Ditadura Militar no Brasil. A própria presidente Dilma Rousseff sofreu torturas que já foram relatadas por ela à Comissão da Verdade. O torturador da presidente, Brilhante Ustra, é outro cultuado como “símbolo” e que não deveria receber honrarias nesta data.

Sivaldo Leung/Reprodução
  • 4 – Não se salva um país sob a égide da inconstitucionalidade e muito menos se comemora isto

A justificativa dos militares para o Golpe de 1964 era uma suposta aproximação do governo com as ideias socialistas, o que para eles era considerado comunismo. O medo do fantasma do comunismo serviu como alegação dos militares para aplicar um golpe no governo e usurpar o poder que, até então, vinha sendo exercido de forma democrática. A instabilidade política de Jânio Quadros, levada para o governo de João Goulart facilitou a criação do mito junto à população, o que de nenhuma maneira deveria justificar um ato inconstitucional. Existiam outros meios de se questionar as decisões de João Goulart que não envolviam violar a soberania nacional e que não foram considerados.

  • 5 – Não se comemora uma mancha na História

Países como Argentina e Chile, que viveram ditaduras no século XX, fazem questão de expurgar de suas Histórias as lembranças de períodos considerados como manchas. A maneira de lidar com este passado é ensinando como foi pejorativo e como isto não deve voltar a acontecer.

Esta pode ser uma das falhas do nosso país.

Não falamos sobre como o golpe foi prejudicial na medida que deveríamos e a consequência disso são as manifestações pedindo a volta da ditadura. O que seria inimaginável em países que tratam com mais dignidade seu passado, como Argentina e Chile.

O Chile, inclusive, que recentemente recusou através do Presidente do Senado à um jantar político com o presidente Jair Bolsonaro. Jaime Quintana afirmou que não pode homenagear quem ‘se manifesta contra minorias sexuais, mulheres e indígenas‘.

O período da Ditadura é uma prova de como a Democracia foi violada, é a lembrança de mortes, torturas, desaparecimentos, onde crianças e adultos foram violentados pelo Estado Brasileiro sob comando de forças militares. Isto não deveria ser motivo de orgulho nacional, muito pelo contrário, deveria ser um motivo para lembrarmos todos os dias como não ser enquanto brasileiros.

Lívia Teodoro

Lívia Teodoro é uma mineira de 27 anos, jornalista, designer e graduanda em História pela UFMG, além de blogueira (Na Veia da Nêga) e youtuber desde 2014. Antirracismo, feminismo negro, diálogos francos sobre bissexualidade e maternidade solo marcam a escrita de Lívia, que busca discutir todos os assuntos de maneira didática e objetiva, tornando as pautas acessíveis para todas as pessoas.

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