MULHER: Que cara tem a brasileira dos dias de hoje?

Qual a cara da mulher brasileira hoje?

“Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher?”  Sojourner Truth – Women’s Rights Convention em Akron (EUA – 1851)

Mulher negra em foto em preto e branco.
Sojourner Truth – Abolicionista americana do século XVIII

Dia oito de Março, dia internacional para lembrar a luta e as conquistas femininas ao longo dos anos. Mas, são mesmo todas as mulheres lembradas neste dia? Mais que isso, temos todas nós motivos para comemorar?

Marielle Franco, Claudia Silva Ferreira, Luana Barbosa, Mária de Fátima Silva, Elizabete Gomes da Silva e tantas outras mulheres que para você podem ser desconhecidas, mas, hoje você vai poder ouvir um pouco da história de cada uma delas e descobrir o que elas têm em comum.

De todos estes nomes, Marielle Franco é, com certeza, o caso mais conhecido e rememorado. A vereadora do RJ foi assassinada em 14 de março de 2018 e até hoje, quase um ano depois, o caso não foi resolvido. Entre os suspeitos do assassinato de Marielle e seu motorista, Anderson, estão políticos, ex-policiais e pessoas suspeitas de envolvimento com milicianos. Marielle, que era ativista dos direitos humanos e lutava por condições dignas de trabalho para policiais e agentes de segurança, além de se manifestar contra os abusos durante as intervenções militares no Rio de Janeiro, não teve chance de defesa. Foi executada no Rio de Janeiro e se tornou semente de luta. A história de Marielle se tornou exemplo, mas, ela não é o único nome que devemos nos lembrar hoje.

Claudia Silva Ferreira, mulher negra, mãe e periférica. Foi assassinada por policiais também no Rio de Janeiro. Claudia que teve o corpo arrastado por 350 metros por um carro da Polícia Militar, em um domingo, no Morro da Congonha, em Madureira. Mais tarde, teve a confirmação por laudo de que sua morte foi devido aos disparos feitos pela polícia contra ela. A maioria das matérias publicadas divulgando o absurdo caso da morte de Claudia veio após a repercussão no site Blogueiras Negras, que deu visibilidade ao caso. Muito provavelmente, do contrário, o caso de Cláudia poderia ter sido apenas mais um na conta do genocídio diário sem a visibilidade devida.

Outro nome que você deveria conhecer, Luana Barbosa. Luana tinha 34 anos e morreu após espancamento por policiais em Ribeirão Preto, São Paulo. Luana, uma mulher lésbica e que não performou feminilidade, acompanhava o filho até a escola e foi abordada por policiais. Ao se recusar ser revistada já que não havia policial feminina entre aqueles que realizavam a abordagem, Luana foi espancada até a morte por estes mesmos policiais.

Maria de Fátima Silva, é um nome comum, quantas Marias você conhece? Esta tem um motivo especial – que não gostaríamos de ter – para constar nesta lista de mulheres que devemos lembrar no dia de hoje. Esta Maria é mãe do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, morto durante uma ação de policiais da UPP Pavão-Pavãozinho em abril de 2014. Dona Maria de Fátima não só teve o filho assassinado por policiais que alegaram “resistência à prisão” e executaram o seu filho, mas, também teve que lutar para que a memória de seu filho não fosse trucidada junto do caso. Douglas, que foi vítima de violência policial, por pouco não passou dessa condição à marginal, para que a sociedade não responsabilizasse os diversos culpados por este assassinato.

Por último, mas, não menos importante, Elizabete Gomes da Silva perdeu o marido, dado como desaparecido após abordagem da polícia em uma UPP da Rocinha (RJ). Amarildo Dias de Souza foi conduzido em julho de 2013 e nunca mais foi visto com vida. Os policiais responsáveis pela condução nunca mais deram conta do paradeiro do esposo de Elizabete e ela passou então a, além de ter de criar a família, correr atrás de que o Estado explicasse o paradeiro de seu marido e conseguir outras formas de sustentar sua família.

O dia 8 de Março é lembrado como dia de luta, mas hoje, mais que isso, precisamos pensar na interseccionalidade destas lutas, para que caibam todas as mulheres.

A data de hoje não pode mais ser conhecida como o dia de apenas dar flores e parabéns a algumas mulheres. Internacionalizar de fato o dia da mulher significa entender que temos demandas específicas por fazermos partes de outros grupos de vulnerabilidade. Ser mulher numa sociedade machista é sim difícil. Mas, as pessoas que não fazem parte de outros grupos subalternos (subalternidade enquanto conceito cunhado por Gayatri Chakravorty Spivak em “Pode o Subalterno Falar?” – 1985) devem, por obrigação, reconhecer as vulnerabilidades dos demais grupos ao falar de suas opressões.

Para entender a necessidade de encararmos a interseccionalidade destas opressões e entender a diferença entre essas mulheres, é preciso compreender que o feminismo negro tem suas próprias demandas e também que é possível que mulheres sejam opressoras de outras mulheres em determinados contexto de raça e classe.

A cada dia que passa crescem mais as notícias e denúncias de feminicídio, entendemos que mulheres continuam sendo alvo de violência de gênero. No entanto, o racismo e o genocídio da população negra continuam matando assustadoramente, portanto, deve se entender que mulheres negras formam um grupo de dupla vulnerabilidade – a violência de gênero e o racismo – e juntas elas colocam estas mulheres em um lugar social muito mais exposto a agressões.

Que hoje e todos os dias do ano, sejamos capazes de lembrar de TODAS as mulheres, que sejamos capazes de dar FLORES e RESPEITO a TODAS estas mulheres e que consigamos enxergar como mulheres TODAS NÓS.

Lívia Teodoro

Lívia Teodoro é uma mineira de 27 anos, jornalista, designer e graduanda em História pela UFMG, além de blogueira (Na Veia da Nêga) e youtuber desde 2014. Antirracismo, feminismo negro, diálogos francos sobre bissexualidade e maternidade solo marcam a escrita de Lívia, que busca discutir todos os assuntos de maneira didática e objetiva, tornando as pautas acessíveis para todas as pessoas.

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