Criação de bancada feminina pode fortalecer projetos para mulheres

Zezé Mota interpretando Chica da Silva – Luz Mágica Produções / Divulgação

Por Daniela Maciel

A ausência de uma bancada parlamentar identificada como feminina, até hoje, dificulta a tramitação das propostas centradas no interesse da mulher. A atuação dos parlamentares evangélicos que, independentemente do partido pelo qual tenham sido eleitos, se identificam e trabalham por interesses comuns, é um exemplo de como esse tipo de articulação temática funciona no legislativo.

De acordo com a doutora em Ciências Políticas e professora associada da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Teresa Cristina Vale, desde a campanha sufragista na década de 1920, a batalha na política é muito mais para participar do que para incluir demandas da mulher. “Não identificamos nas Casas Legislativas uma bancada feminina. Dessa maneira, não criamos uma massa crítica capaz de levantar temas”, analisa Teresa.

Na avaliação dela, deputadas e senadoras acabam se dispersando em outros temas que têm relevância para a mulher, mas que não são pautas exclusivas ou  urgentes delas. “Assim, outros grupos muito mais estruturados acabam tomando a frente nas questões de interesse da mulher, como a bancada evangélica”, complementa a cientista política.

Na prática, as parlamentares ainda têm uma participação tímida, seja por uma atuação individual, seja pela falta de capacidade de articulação em conjunto, para pautar projetos sob a perspectiva feminista. A professora defende que somente elegendo mais mulheres comprometidas com as causas femininas será possível elevar o nível dos debates dentro das Casas Legislativas. “É preciso criar volume e mobilização para que as agendas ganhem força”, afirma Teresa.

Na casa dos “Senhores”

No Senado, as parlamentares têm uma bancada pouco citada ou conhecida, que se reúne em torno das questões femininas. Tradicionalmente, elas entregam à Mesa Diretora, em março, uma lista de projetos prioritários. Neste ano foram 21. Deles, apenas quatro já foram ao Plenário. Alguns foram priorizados, como o Projeto de Lei do Senado (PLS) 228/17, da deputada Ângela Portela (PD-RR), que altera a CLT para garantir a proteção de gestantes e de lactantes em relação à prestação de trabalho insalubre.

Outro texto foi o Projeto de Lei da Câmara 18/2017, relatado pela senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que torna crime o registro ou divulgação, não autorizada, de cenas da intimidade sexual de uma pessoa, a chamada “vingança pornográfica”. O PLS 612/11, da senadora Marta Suplicy (MDB-SP), que altera o Código Civil para reconhecer como entidade familiar a união estável entre duas pessoas, também foi selecionado como uma das prioridades.

Brasília – Senadora Vanessa Grazziotin. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) destaca a necessidade de ações que favoreçam a participação das mulheres na política. “Estamos com cerca de 30 projetos priorizados, mas isso não significa que não tenhamos outros”, pontua. Segundo ela, foi apresento também, por sugestão da senadora Marta Suplicy, a proposta de um observatório, neste ano, para acompanhar a aplicação dos recursos partidários dirigidos às mulheres.

Trinta e três anos de luta

Desde a redemocratização do Brasil, a partir de 1985, o primeiro grande palco da batalha das mulheres se deu em 1987, quando a chamada Constituição Cidadã começou a ser desenhada. Na Carta Magna, elas, embora com baixíssima representatividade, conquistaram, definitivamente, o status de cidadãs, com direitos civis e políticos resguardados, ao menos no papel. Nesses 33 anos, algumas demandas femininas tiveram bastante repercussão, resultando em conquistas no Parlamento que, aos poucos, foi tendo algumas cadeiras ocupadas por elas.

É provável que o projeto de maior repercussão tenha sido a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha. A partir dali, as punições em casos de agressão contra a mulher finalmente foram endurecidas. As mudanças aconteceram depois de uma longa luta que envolveu diversas entidades na construção de um anteprojeto de lei e de uma recomendação da Organização dos Estados Americanos (OEA), por iniciativa da Presidência da República. O projeto foi de autoria do Executivo, o que simboliza a atuação muitas vezes ainda tímida das deputadas e senadoras.

Representatividade mineira

Na Assembleia Nacional Constituinte não havia nenhuma senadora. Entre os 559 congressistas, apenas 26 eram mulheres, somando 4,65%. Entre elas, nenhuma parlamentar mineira. De lá pra cá, a situação melhorou, mas permanece distante de representar a proporção encontrada entre a população.

A atual legislatura apresenta, entre os 513 deputados, 53 mulheres em exercício, o que representa 10,33% do total. Entre elas, seis são mineiras. No Senado, a situação é um pouco menos desconfortável em termos nacionais. Do total de 81 senadores, 13 são mulheres (16%). As três cadeiras de Minas são ocupadas por homens.

A representação feminina em âmbito estadual não é melhor do que a que se vê em nível federal. Em 1986, a primeira eleição pós-redemocratização, dos 77 eleitos, apenas duas eram mulheres, ou seja, 2,6% do total. Hoje, temos cinco deputadas mineiras. Nas últimas décadas, foram muitas as demandas femininas que passaram pelo Plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Contudo, a Casa repete os padrões nacionais de pouca representatividade.

Apenas na legislatura atual, iniciada em 2015, foi admitida a criação de uma Comissão Extraordinária das Mulheres. O primeiro grupo trabalhou entre março daquele ano e dezembro de 2016, presidido pela deputada Rosângela Reis (PROS) e, desde julho de 2017, está sob o comando da petista Marília Campos.

Marília Campos. Foto: Bárbara Ferreira

Permanente

A comissão conquistou um espaço importante neste ano, quando deixou de ser extraordinária e passou a ser permanente, com o nome de Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, após a aprovação de um projeto da Mesa Diretora. “Foi uma grande conquista. Temos, agora, um espaço garantido independentemente da Mesa que seja eleita”, comemora a deputada Marília Campos.

A agenda se mantém diversa com a discussão de temáticas como a linguagem na perspectiva de gênero e a luta antimanicomial sob a ótica das mulheres. O feminicídio é uma pauta recorrente, com a tentativa de implantação de um juizado especial em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, cidade que tem o maior índice deste tipo de crime no Estado.

“A Comissão é um espaço de mobilização das mulheres. Temos conquistas importantes”, defendeu Marília, citando a aprovação da lei contra o assédio moral para as servidoras do Legislativo mineiro. O grupo estabeleceu também uma articulação com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) para garantir o direito da mulher em estado de vulnerabilidade ficar com seu bebê, “o que estava sendo retirado por força de uma normativa”, lembrou a deputada.

Vanguarda

Alguns nomes fizeram história na política mineira por seu pioneirismo. Nessa lista, figura Helena Greco, a primeira vereadora eleita em Belo Horizonte, em 1982. Ela também fundou e dirigiu o Movimento Feminino pela Anistia em Minas Gerais. Foi, ainda, idealizadora e criadora de várias entidades. Entre elas, a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte, o Conselho Municipal dos direitos da Mulher, o Fórum Permanente de Luta pelos Direitos Humanos de Belo Horizonte, o Grupo de Trabalho Contra o Trabalho Infantil e o Movimento Tortura Nunca Mais.

Júnia Marise também está entre as mulheres que desbravaram a política mineira. Ela foi a primeira deputada federal eleita pelo Estado, em 1978. Também a primeira vice-governadora, entre 1986 e 1990, compondo chapa com Newton Cardoso, além de primeira senadora eleita, para o período 1991/1999, dividindo com Marluce Pinto – eleita por Roraima – a honra de ser a primeira mulher escolhida para o Senado por voto popular na história do Brasil.

Mulheres de Minas que entram para a história

Em Minas Gerais, a participação das mulheres na política é histórica, e remonta ao início da colonização. Em uma terra onde a atividade econômica foi marcada pelos deslocamentos em busca de ouro, a força feminina na criação e manutenção dos acampamentos, os futuros arraiais, vilas e cidades, foi determinante.

Chica da Silva. Foto: Daniela Maciel

 

A história de Minas Gerais é pródiga em exemplos de mulheres que exerceram o poder e se tornaram notórias em seu tempo. Figuras como Dona Beja, Chica da Silva, Maria Tangará e Joaquina de Pompéu fizeram política e, ainda hoje, povoam o imaginário do povo mineiro.

Elas foram vítimas de toda sorte de estereótipos em suas respectivas épocas e ainda hoje – principalmente aqueles ligados a sexualidade, maldade e desonestidade nos negócios e artimanhas exotéricas. Mas cada uma delas, a seu modo, foi também consciente da sua influência e traçou estratégias para sobreviver em um mundo feito por e para os homens, em um tempo que nem mesmo a lei as reconhecia como cidadãs.

Polêmicas e poderosas

Ana Jacinta de São José (1800-1887), a Dona Beja
A cortesã de Araxá (Alto Paranaíba) ficou famosa por seus encantos físicos e por conseguir arrancar muito dinheiro dos homens com os quais dormia. Muito mais que enriquecer, porém, Beja fez política. Esteve envolvida, entre outros fatos, com a consolidação do território do Triângulo como parte de Minas Gerais e não de São Paulo ou de Goiás, como já havia sido.

Chica da Silva (1732-1796)
Em Diamantina (Vale do Jequitinhonha), a escrava que encantou o contratador de diamantes João Fernandes não se limitou a usar jóias e se impor entre as sinhazinhas do Arraial do Tijuco. Chica da Silva, A Negra, retratada, ainda que de forma bastante estereotipada no filme “Xica da Silva”, de Cacá Diegues (1976), enfrentou a sociedade do século XIX, incluindo a poderosa Igreja Católica. A Igreja de Santa Quitéria foi erguida com arquitetura ímpar para que Chica da Silva pudesse receber os Sacramentos da forma que desejava. Através do contratador, a poderosa, agora ex-escrava, traficava sua influência e exercia poder.

Chica da Silva. Foto: Daniela Maciel

 

Joaquina de Pompéu (1752-1824)
Nascida em Mariana (região Central), mas criada em Pitangui (Centro-Oeste), Joaquina de Pompéu se tornara famosa por administrar com maestria os bens da família durante os longos meses de ausência do marido, e depois da morte dele, já em Pompéu (Centro-Oeste). Esse sucesso, porém, vinha acompanhado da fama de cruel e de poucos escrúpulos nos negócios. O certo é que dona Joaquina recebeu estrangeiros que estiveram em Minas a serviço da Coroa Portuguesa e participou indiretamente da Independência, enviando bois para as tropas de D. Pedro I, na Bahia. A influência política da senhora de muitas terras ainda hoje é assunto na região em que viveu.

Maria Felisberta da Silva, Maria Tangará (impreciso-1837)
Foi uma das mulheres mais ricas e poderosas de Minas Gerais no século XVIII, e rivalizava em poder e riqueza com Joaquina de Pompéu. As lendas a seu respeito dão conta de uma mulher violenta e vingativa. Contraditório, ou não, fato é que seu sepultamento na Matriz de Pitangui reuniu 17 padres. Entre eles, o padre Belchior Pinheiro de Oliveira, um dos baluartes da Independência, o que demonstra a sua importância para a região.

Campanha Libertas[email protected]

Somos um coletivo de mulheres jornalistas de Minas que já trabalharam em redações de grandes jornais de BH e em assessorias de imprensa. A Campanha Libertas – Por mais mulheres na política surgiu para fazer uma cobertura jornalística independente sobre as eleições de 2018 com foco nas mulheres.

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