Mulheres eleitas estimulam surgimento de novas candidatas nos pleitos seguintes

A vereadora mais votada na capital em 2016, Áurea Carolina, incentivou a candidatura de Andréia de Jesus neste ano (Instagram/Áurea Carolina)

Até o início deste ano, entrar para a política estava fora de cogitação para a advogada Andréia de Jesus. Aos 40 anos, ela é uma estreante nas urnas. A decisão de disputar o cargo de deputada estadual, garante, foi construída depois de ver uma mulher, negra e da periferia, assim como ela, ser eleita vereadora de Belo Horizonte, e outra semelhante ser morta no Rio de Janeiro por sua atuação política. Foi só após ver conquistas como as de Áurea Carolina e Marielle Franco, ambas do PSOL, que a advogada acreditou ser possível ocupar uma cadeira na Assembleia Legislativa de Minas.

A história da mineira de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, é mais comum do que se imagina. Uma pesquisa do professor da Universidade de São Paulo (USP) e cientista político Bruno Speck analisou a influência da eleição de mulheres em pleitos seguintes, com base nos resultados das disputas em todos os 5.570 municípios do Brasil entre 2004 e 2012, e constatou que a vitória de uma mulher nas urnas estimulou o registro de novas candidaturas femininas nos anos subsequentes.

No período analisado, em um quarto das cidades brasileiras, as mulheres disputavam a cadeira de chefe do Executivo Municipal. Onde houve vitória de uma mulher, a chance de ter um número maior de novas candidatas na próxima eleição para prefeito foi 76% maior em comparação com os municípios onde um homem venceu o pleito anterior. Isso ocorria quando a prefeita eleita disputava seu primeiro mandato.

O professor da USP considera que o estudo se aplica para outros cargos eletivos, apesar de ter sido feito com base em uma disputa para prefeituras. “O efeito contágio é no sentido de mulheres que venceram eleições influenciarem outras a entrarem para a carreira política. É perceptível que o fato de uma mulher dirigir uma prefeitura tem um impacto positivo sobre potenciais candidatas”, explicou Bruno Speck. Na avaliação do pesquisador, a ampliação da presença das mulheres na política brasileira vai ter que passar justamente por essa criação de exemplos.

Incentivo e inspiração

Militante há anos em movimentos sociais como o Brigadas Populares, a advogada Andréia de Jesus tomou a decisão de concorrer ao cargo de deputada estadual pelo PSOL mesmo nunca tendo sido filiada. A candidata conta que as histórias de Áurea e Marielle a inspiraram e mostraram que era possível – e necessário – brigar pelo que se acredita.

A candidata Andréia de Jesus (Lorena Zschaber/Divulgação)

“Precisamos ter representantes do movimento social na política, não dá para confiar em alguém para representar as nossas pautas”, defende Andréia. A advogada trabalhou na construção da candidatura de Áurea Carolina, com o coletivo Muitas, mas não imaginava que a atual vereadora receberia tantos votos. “Isso abriu um precedente enorme para essas lutas de identidades, da mulher, da periferia, da negra”, diz.

Andréia pondera que a construção partidária no país ainda é um desafio para a inclusão das mulheres. “Esse é um ambiente extremamente patriarcal, mesmo dentro da esquerda. Há uma limitação para as mulheres atuarem e tomarem decisões dentro do partido”.

Também candidata a deputada estadual, a pedagoga Selma Carmo (Novo), de 37 anos, concorda que exemplos positivos dão força para as mulheres enfrentarem o desafio de ir às urnas, mesmo em um ambiente que ainda é visto como território dos homens. “Me motiva aumentar a representatividade feminina. Às vezes, até as próprias mulheres me falam ‘o que você está fazendo se metendo nisso’. Mas não vejo assim”, afirma. A candidata, também estreante, cita o exemplo da presidenciável Marina Silva (Rede), que já disputou as eleições várias vezes: “Penso que não podemos desistir de conquistar o nosso espaço”.

A candidata Selma Carmo (Arquivo Pessoal)

Essa falta de espaço dentro dos partidos, para formação e incentivo de lideranças femininas, é histórica e não é exclusividade de nenhuma legenda. Com um cenário desfavorável, muitas vezes, a primeira barreira para elas entrarem na política pode ser a auto-exclusão, analisa o cientista político Bruno Speck.

Aos 58 anos, Margarete Oliveira (PPS) tenta chegar à Câmara Federal. Mesmo sem conhecer a pesquisa do professor, ela vivencia na prática o que a academia constata. “Parece que a mulher ainda tem medo de se lançar na política. Muitas ainda acreditam que precisam ser apenas donas de casa e mães”, aponta, acrescentando que, com isso, as mulheres estão perdendo espaço por não ocuparem a política.

“A verdade é que muitas candidatas existem apenas para cumprir uma cota, não entram de fato para concorrer e ganhar. Isso tudo deixa a gente chateada e triste”, desabafa a mineira de Contagem, na região metropolitana. Margarete tentou, em 2016, uma vaga na Câmara Municipal da cidade.

Confira a entrevista completa com o professor Bruno Speck, do Departamento de Ciência Política da USP

Como mudar esse estereótipo enraizado na nossa sociedade de que a política não é lugar para as mulheres? A desconstrução é um pouco difícil de imaginar porque estamos lidando com opiniões e atitudes das pessoas. O que podemos fazer, falo do ponto de vista da academia, é constatar. É lamentável, mas é uma característica da opinião pública de que a presença da mulher na política não é pacífica ou amplamente aceita. Mudar isso passa por longos processos, de décadas, de mudanças dessas atitudes, e também através da prática e dos bons exemplos, mais do que propriamente tentar convencer as pessoas do contrário.

Até que ponto a eleição de uma mulher estimula o surgimento de novas candidaturas femininas? Pelo que verifiquei nos dados, é perceptível que o fato de uma mulher ganhar as eleições e dirigir uma prefeitura tem um impacto positivo sobre potenciais candidatas. Na próxima eleição, inicialmente, tem-se mais candidatas concorrendo.

O que é o efeito contágio que o senhor cita em sua pesquisa? No meu caso se refere ao efeito intra-elite, no sentido de mulheres que estão em cargos, que venceram as eleições, influenciarem outras a pensar e entrarem para a carreira política.

Foto: Bárbara Ferreira

O senhor chegou a conversar com essas mulheres? O que imagina que elas apontam como mais estimulante? Eu não fiz essas entrevistas, o próximo passo seria justamente esse, descer da análise estatística para a realidade. Contudo, imagino que o exemplo positivo tenha, sim, um impacto sobre mulheres que pensam em iniciar uma carreira. Nós vemos muito na literatura acadêmica a exclusão de várias fases da inserção das mulheres no processo representativo. E a primeira é a que o indivíduo, a mulher, imagina que poderia ter um papel ativo, e já nessa fase ela se auto-exclui. Imagino que um pouco em função do que ela enxerga na realidade, da dificuldade de outras candidatas em serem nomeadas pelos próprios partidos. Depois, de não terem recursos suficientes durante a campanha eleitoral e terem que enfrentar o preconceito do eleitorado. Então, o primeiríssimo passo é fazer as mulheres se candidatarem.

O senhor usou como base o Executivo, mas acha que no Legislativo seria da mesma forma? Sim. Existe uma ideia de que você precisa de uma massa crítica de mulheres para disputar os cargos superiores; passa primeiro por aumentar a presença das mulheres nas câmaras municipais e nas prefeituras para que essas mulheres depois possam disputar cargos de governadoras e deputadas. Temos um mapa por onde os políticos são recrutados. Então, grosso modo, prefeitas ou ex-prefeitas são boas candidatas para disputar assembleias ou a Câmara dos Deputados, ou quando o município é grande, até disputar o cargo de governadora. E, por sua vez, mais mulheres no cargo de deputada federal aumenta a chance de uma delas disputar o cargo de senadora ou governadora. É nesse triângulo entre prefeitas de capital, senadoras e governadoras que as mulheres precisam entrar.

O senhor cita algumas características tradicionais do envolvimento da mulher na política que, muitas vezes, acontece por meio de associações de bairro, em contrapartida à atuação dos homens, que se dá mais diretamente em partidos políticos. O que explicaria isso? Isso é relatado na literatura. Não são pesquisas minhas, mas eu imagino que seja um pouco nessa linha de que a mulher, em princípio, vê o espaço político formal, os partidos, como um espaço onde tem menos chance. Então, ela se engaja politicamente, mas não especificamente por esse caminho tradicional. Ela busca outras formas de fazer valer a sua opinião e interesses. Mas, em última instância, se nós queremos uma representação mais equitativa, ela precisa entrar nesse espaço mais formal. Ela precisa estar lá. Ali é que são feitas as leis, os orçamentos, a distribuição de recursos, as políticas para mulheres.

Como o senhor vê o investimento que é feito pelos partidos na formação de lideranças femininas? Primeiro o recrutamento de políticos é uma das atividades mais importantes dos partidos. Formar novas lideranças é quase um monopólio dos partidos e, se eles não se sensibilizam, não enxergam a necessidade de recrutar mulheres, isso é um grande freio, digamos, para a representação equitativa. Agora, esses são processos de longo prazo, não se cria uma liderança de uma eleição para outra. Normalmente, as lideranças perdem muitas eleições até ganharem as primeiras. São lançadas muitas vezes mais para testá-las junto ao eleitorado do que propriamente para vencer a primeira eleição. Além disso, no Brasil, sabemos que os recursos financeiros são muito importantes, assim como o tempo de TV, para a decisão eleitoral. A ideia de alocar 30% dos recursos da campanha eleitoral para as mulheres, como vários jornalistas já alertaram, pode ser burlada. A lei não tem uma regulamentação detalhada. Então uma das preocupações é que os partidos podem alocar os recursos só nas campanhas majoritárias. Os 30% já parecem ultrapassados se você pensar em uma representação equitativa. Acho que seria o caso de pensar na cota de 50% sendo alocados, com alguma garantia, para as eleições proporcionais também.

Campanha Libertas[email protected]

Somos um coletivo de mulheres jornalistas de Minas que já trabalharam em redações de grandes jornais de BH e em assessorias de imprensa. A Campanha Libertas – Por mais mulheres na política surgiu para fazer uma cobertura jornalística independente sobre as eleições de 2018 com foco nas mulheres.

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