Clube da Esquina 50 anos: Coletivos musicais de BH mantêm vivas as referências do grupo

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Clube da Esquina completou 50 anos neste mês e a memória do grupo permanece ativa em coletivos belo-horizontinos (Reprodução/@miltonbitucanascimento/Instagram + Divulgação/Flávio Maia)

Falar de música mineira sem recordar do Clube da Esquina é tarefa quase impossível. O grupo de músicos e compositores influenciou e continua influenciando o setor tanto aqui, quanto Brasil e mundo afora. E, neste mês de março, o clube completou 50 anos – cinco décadas se passaram desde que a amizade entre Milton Nascimento e os irmãos Borges deu início a uma inesquecível parceria artística.

Para além dos movimentos que a cidade de Belo Horizonte faz para manter a memória do Clube da Esquina viva, como as placas especiais demarcando a esquina das ruas Divinópolis e Paraisópolis, e o Bar do Museu Clube da Esquina, no bairro Santa Tereza, a história também continua através da repetição da dinâmica criada por Milton e seus amigos.

Como seria o Clube da Esquina se ele existisse em 2022? Os amigos se reuniriam em uma esquina, com uma viola e uma guitarra nas mãos para criar melodias e versos? É praticamente isso que fazem os coletivos belo-horizontinos “ruadois” e “Posse Cutz” (porém, com a adição de computadores, smartphones e mesas de DJ).

Eles são o que se poderia chamar de “novos clubes da esquina”, mas sem a intenção de imitar o original. Esses coletivos musicais são formados por MCs, DJs, rappers e produtores, unidos pelo laço da amizade e pela vontade de juntar as diversas referências de cada um e criar um som único.

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O coletivo ruadois é um grupo de rap formado pelos MCs Mirall One e Well, pelo produtor musical George Lucas e pela DJ Akila. Apesar de ter nascido no ano passado, o coletivo é fruto de relações que vinham se estabelecendo em Belo Horizonte desde a época em que as batalhas de MCs estavam no auge na capital.

Mirral conta ao BHAZ um pouco de como tudo começou: “A partir de 2020, no meio da pandemia, eu convidei o Well para fazermos um som juntos, a gente se identificou e viu que os dois gostavam das mesmas coisas. Fomos estreitando a amizade e, no meio de uma partida de jogo online, fomos tendo ideias. Cada um tinha seu trabalho solo mas queríamos fazer uma coisa diferente”.

Grupo encontra denominador comum

A partir disso, os dois foram se agregando a artistas que estavam dispostos a colaborar criativamente, e George, Gabriel e Camila (DJ Akila) entraram na cena. Isso acabou fazendo o grupo encontrar um denominador comum: o garage.

“Surgiu a necessidade de criar algo que fosse nosso, condensar para facilitar. Ao invés do George trabalhar numa música do Mirral e numa música minha, trabalha em uma musica de nós dois”, exemplificou Well.

Após a formação oficial, feita no ano passado, o coletivo já lançou uma sessão para o YouTube, um EP e um single. Além disso, eles já se apresentaram em várias edições da festa urbana Beagrime, que acontece na Casa Sapucaí, bairro Floresta.

Clube da Esquina como referência

Naturalmente, o ruadois tem o Clube da Esquina como uma grande referência, além de conseguirem observar certas semelhanças entre eles e o grupo cinquentenário. DJ Akila diz: “O Clube da Esquina é um acontecimento que mudou muita gente. Você reconhecer quem começou aqueles movimentos é uma forma de você estar reproduzindo o que eles fizeram antigamente”.

“Então acho que é um tipo de referência até mesmo sentimental, de pertencimento, voltar de novo à sua origem para poder ser reconhecida, colocar um som que não seja igual ao que eles faziam mas ter em mente que outras pessoas estiveram ali fazendo”, completa a integrante.

Well se inspira na resistência tida pelo Clube da Esquina no início da ditadura, que vivenciou a censura imposta pelo governo militar. “É encorajador saber que alguém lá atrás passou por momentos tão difícieis e continuaram acreditando na própria arte. Olhando para o período que a gente vive com essas violências, ataques, intolerância, é encorajador saber que podemos enfrentar isso”.

Lugares diferentes que se complementam

George vê semelhanças ao olhar para a estrutura do ruadois e do Clube da Esquina: “A gente é muito diferente, viemos de lugares diferentes. Então você tem o Milton que é voz e violão, o Toninho Horta que é super do jazz, o Beto Guedes e o Lô Borges que são mais do rock…”.

“E a gente do ruadois tambem é assim, tem várias referências. Eu sou mais do rock, do rap e do jazz, o Well é mais do rap, a Camila tem muito de rap e também muito de música eletrônica, o Mirral mais rap… Somos nós quatro mas sempre vem gente de fora fazer música conosco e acaba puxando influências de mais pessoas”.

Mirral, Well, DJ Akila e George formam o coletivo ruadois (Gabi Gomes/Divulgação)

Posse Cutz

O coletivo Posse Cutz também nasceu em um ponto de encontro na cidade de Belo Horizonte, e que é bastante conhecido pelo público jovem e pelo mais tradicional, o edifício Maletta, no Centro. Em meados de 2013, Disco Rebel (nome artístico de João Pedro) produzia beats e conheceu alguns músicos e rappers através de um grupo de rap no Facebook, e o prédio se tornou o local para eles trocarem ideias.

“Comecei a ter um estudiozinho em casa, fomos juntando algumas músicas com esse nome ‘Posse Cutz’ cada um soltando suas músicas, e em algum momento a gente conseguiu fazer uma festa para soltar essas músicas ao vivo. Na época era bem restrito e só tinha o duelo de MCs”, conta Rebel.

Já no ano de 2015, o que era um selo pelos quais esses artistas lançavam suas músicas começou a funcionar como uma gravadora e a denominar a festa que faziam, tudo em paralelo. O grupo conseguiu trazer artistas de rap e se apresentar para o público até o início da pandemia, com a suspensão dos eventos presenciais.

Coletivo se condensa

O Posse Cutz começou com um grande número de integrantes, conforme contou Rebel, que acabou se condensando em um grupo de cinco pessoas. Hoje, o coletivo conta com Larissa como DJ, o Disco Rebel como rapper, o Igrow como MC, o Aeoner como DJ e produtor e o Card como MC e produtor.

A entrada de Larissa e Card aconteceu justamente através festas produzidas pelas formações anteriores da Posse Cutz. Com a volta dos eventos presenciais, o coletivo continua focando nas festas e trabalhando como um selo para lançar os trabalhos dos artistas integrantes – e tudo de forma colaborativa.

“Por exemplo, eu tenho microfone, às vezes alguém tem uma câmera, alguém trabalha melhor em alguma outra coisa, então é se juntar coletivamente e conseguir apresentar essas coisas ao vivo, e às vezes conseguir fazer até um show”, explica Rebel.

‘História deles tem muito a ver com a nossa’

O coletivo conta que o Clube da Esquina influencia o trabalho deles em todos os sentidos, seja como uma referência musical, nos objetivos ou na hora de samplear uma criação ou outra dos músicos do clube.

“Acho que a história deles tem muito a ver com a nossa, de a gente se conhecer no Maletta e querendo, de alguma forma, apresentar trabalhos como uma turma de amigos que convive, e de alguma maneira quer produzir”, diz Rebel.

Card complementa: “É sobre essa união de todo mundo que de alguma forma quer fazer acontecer a sua arte”. Larissa diz: “Não sei se tem alguém que não conheça o Clube da Esquina no Brasil… Só na Posse Cutz devem ter uns oito vinis do Clube da Esquina”.

Membros da Posse Cutz se apresentam em casa de shows de BH (Álex Lekin/Divulgação)

Coletivo IMuNe

O Coletivo Imune (Instante da Música Negra) nasceu com um objetivo bem claro: fomentar a música de artistas mineiros negros. Bia Nogueira, a fundadora, pregou esse sonho – literalmente – na porta do guarda-roupa pois queria lançar um disco e não encontrava espaço na cena musical mineira para pessoas negras.

A partir da própria dificuldade, Bia, que é cantora, produtora e eleita profissional do ano pelo prêmio SIM São Paulo, notou que vários paus juntos poderiam montar uma canoa resistente. “Se você fomentar sua cena, você fomenta sua carreira, consequentemente”, diz a cabeça do projeto.

Com a ideia na cabeça, Bia chamou sua banda em fez um show em BH, em meados de 2016, e durante o concerto, lançou o coletivo Imune. “Quem apareceu lá para assistir o show, era preto e artista, eu convidei para o coletivo, com a ideia mesmo de fomentar a música preta e fomentar nossas carreiras”.

Projeto decola em Belo Horizonte

O projeto conseguiu fazer várias mostras de grande sucesso em Belo Horizonte, o que deu espaço para os artistas do coletivo lançarem seus trabalhos, e também agregou novos músicos e compositores ao movimento. “Saiu artista da cara do chapéu, de todos os lugares da região metropolitana”, brinca Bia.

Bia conta que vários artistas do coletivo conseguiram lançar seus primeiros singles, primeiros clipes, discos, inclusive ela própria. “Assim que fizemos o coletivo, todos nós quisemos apresentar trabalhos. Eu lancei clipe, a Cleópatra fez o primeiro show dela em uma mostra do Imune, então a gente sentiu a necessidade de produzir, foi ‘vamo botar a nossa cara o mundo’, artisticamente”.

Uma das formações do Coletivo Imune (Leo Leles/Divulgação)

Coletivo se transforma

Após passar por várias fases, o coletivo hoje conta com três membros (Bia, Cleópatra e Rafael Sales), mas a veia criativa não os deixou em nenhum momento. “O que era um coletivo de fomento à música preta acabou virando um coletivo de criação artística. A gente via que nós tínhamos, apesar das diferenças, um pulso criativo que vinha a acontecer quando estávamos juntos”.

Em 2020, os três, que são cantores, fizeram uma série de lançamentos juntos, incluindo oito músicas e oito clipes, gravado no período em que a pandemia da Covid-19 estava em momento de alerta. “A gente se juntou e falamos ‘olha, vamos fazer música, porque isso pode nos fazer bem, dar destaque para a questão da afromineiridade na música”.

Bia Nogueira conta que a inspiração cultural-musical do Imune passa pelo Clube da Esquina, especialmente por Milton Nascimento. “Especialmente para os meninos que são instrumentistas, o Rafael Sales e o Guilherme Ventura, que hoje não está mais no coletivo mas já foi, você ouve as músicas e vê que tem uma inspiração de Clube da Esquina e do Milton Nascimento”.

“Mas eu acho que essa nossa vontade de se reunir para fazer música, essa nossa atração, acho que é muito inspirada no Clube da Esquina, tirando a parte técnica e estética é muito inspirada nisso no clube, de se juntar na rua”, observa Bia Nogueira.

Clube da Esquina vive

Ruas de uma capital e a vontade de fazer música. Talvez sejam esses os pontos em comum entre o Clube da Esquina e os coletivos ruadois, Posse Cutz e Imune. Todos unidos com o objetivo de criar, se ajudar e fazer acontecer.

Fica claro que, mesmo cinquenta anos após a formação do grupo e de todo o legado deixado internacionalmente, desde então, para a música, o Clube da Esquina está longe de ser apagado. Ele vive na casa do artista, desde quando ele era pequeno, e os pais colocavam o disco “Clube da Esquina” para tocar.

Ele vive em um sample da viola de Lô Borges, em um trocadilho feito com os versos de Milton Nascimento. Ele vive no dia a dia, na plataforma de streaming preferida, em que o Clube da Esquina de repente fica na nossa mão. Vive em um desfile de uma marca internacional, no balançar de cabeças de Kanye West e Pharrell. Ele vive na transformação que a arte pode causar – e que causa.

Edição: Giovanna Fávero
Andreza Miranda[email protected]

Graduada em Jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2020. Participou de duas reportagens premiadas pela CDL/BH (2021 e 2022); de reportagem do projeto MonitorA, vencedor do Prêmio Cláudio Weber Abramo (2021); e de duas reportagens premiadas pelo Sebrae Minas (2021 e 2023).

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