Castigo com limão e crianças mordidas: Emei em Brumadinho é alvo de denúncias; diretora e professora são afastadas

Aluna da EMEI de Brumadinho
Mãe notou que filha estava voltando para casa com marcas de mordidas, que depois se tornavam hematomas (Arquivo pessoal)

Após a repercussão do caso do menino Benício, criança de 3 anos com deficiência que apareceu com ferimentos pelo corpo após a aula, surgem novas denúncias de agressão na Emei Parque da Cachoeira, em Brumadinho. Enquanto mães denunciam que os filhos foram feridos por outras crianças e até por uma professora em meio à falta de supervisão no ambiente escolar, uma ex-funcionária acusa a diretora da instituição de espremer limão na boca de uma criança, como punição. O BHAZ conversou com a diretora da Emei, que nega as acusações, e a ex-funcionária que a denuncia, além de procurar a Polícia Civil e a Secretaria de Educação da cidade.

A diretora e as professoras responsáveis pela supervisão de Benício foram suspensas após o relato dos ferimentos no menino vir à tona, segundo a Secretaria Municipal de Educação de Brumadinho. A decisão foi tomada nessa quarta-feira (4) depois de uma reunião com uma equipe multidisciplinar, que contou com a participação dos responsáveis pelos alunos e de reuniões com representantes do Parque da Cachoeira.

Em áudio, a ex-colaboradora da Emei de Brumadinho, Denisiana Nunes França, e a diretora, Zélia Maria Ribeiro, aparecem conversando sobre a nova acusação, referente ao castigo com limão. Ao BHAZ, a diretora negou as acusações e falou em retaliação da ex-funcionária (leia mais abaixo).

A Polícia Civil informou que “tomou conhecimento” dos fatos ocorridos na instituição e que todas as providências estão sendo adotadas. “Outras informações serão fornecidas com o avançar da investigação”, completa a corporação em nota.

Limão na boca

O trecho de conversa a seguir foi enviado ao BHAZ por Denisiana Nunes França, que hoje é cuidadora de idosos. A reportagem optou por não reproduzir o áudio, por conta das crianças de 3 anos expostas no diálogo.

“Você lembra quando o [nome da criança] chegou aí e ele mordia todo mundo? E aí o que você fez? Você pegou ele, levou na cozinha, passou limão na boca dele falando que era pimenta, para ele não morder”, diz a ex-funcionária no áudio, confrontando a diretora.

“Por que o [nome de outra criança] podia bater em todo mundo, podia morder todo mundo? Por qual motivo? Ele é queridinho da professora?”, completou. Em resposta, a diretora diz que a escola “fez a mesma coisa com ele”, ou seja, que também passou limão na boca da segunda criança citada.

Denisiana, então, rebate Zélia Maria e diz que “com ele vocês não fizeram isso, não”. “Fez com o [nome da primeira criança], porque ele é feio, porque ele é preto, porque ele é gordo”, diz a cuidadora, que alega que a diretora protegia a segunda criança porque os pais dele teriam condições melhores, e por ele ser branco. “Então ele podia morder todo mundo, podia bater em todo mundo. É justo? Isso é professora?”, finaliza.

Em conversa com o BHAZ, a ex-funcionária reiterou as acusações. Ela conta que acabou se envolvendo em uma desavença com a diretora por discordar do castigo contra a criança de 3 anos. Denisiana também fala sobre uma “cadeirinha do pensamento”, outra espécie de “castigo” ao qual os alunos eram submetidos por mau comportamento. Segundo ela, havia diferença no tratamento entre as crianças.

“[A primeira criança] ia mais para a cadeirinha do pensamento. Os dois mordiam, faziam a mesma coisa, mas o tratamento era diferente”, disse. A cuidadora ainda disse que Zélia Maria teria tirado da carne da merenda das crianças na escola para utilizar em uma festa de confraternização da Emei. Depois de um ano na instituição, o contrato de Denisiana não foi renovado e ela deixou a Escola Municipal de Educação Infantil.

Diretora nega

A diretora, por outro lado, nega todas as acusações da ex-funcionária, dizendo que “ela deu muito trabalho” na Emei. “Como ela não voltou para trabalhar conosco, ela está usando todas essas artimanhas para me prejudicar”, disse ao BHAZ.

Segundo ela, não houve nenhum castigo. “Eu sempre tomo limão de manhã porque eu fico de jejum, faço uso de limão todas as manhãs, só tenho um rim, tenho muita pedra, então falam que é bom. Essa criança mordia muito, e nesse dia a professora me pediu ajuda, disse que estava mordendo demais”, explica.

Zélia Maria conta que pegou a criança pela mão e a levou à cozinha, onde ela tomaria as próprias gotas de limão. “Espremi o limão no meu copo, perguntei ‘você quer experimentar?’. Coloquei umas três gotinhas na colher. Pronto, só isso”, diz. A diretora garante que nunca espremeu o limão na boca da criança, além de negar que exista uma “cadeirinha do pensamento” para a disciplina dos estudantes.

Crianças feridas

Além da denúncia sobre o caso do menino Benício e do castigo com limão, também vieram à tona outros relatos que apontam negligência na Emei Parque da Cachoeira. O BHAZ conversou com duas mães que relatam que as filhas voltaram feridas da instituição, uma delas com diversas mordidas pelo corpo. Temendo represálias, as duas preferiram não se identificar.

Mordidas e hematomas

Uma delas, que trabalha como doméstica durante o dia e não tem opção a não ser deixar a filha na Emei, é mãe de uma criança de 1 ano e 4 meses. Em fevereiro, ela começou a notar que a filha estava voltando para casa com marcas de mordidas, que depois se tornavam hematomas. A mãe diz que procurou a diretora, que teria dito que é normal que crianças se mordam.

Hematoma
Menina de 1 ano e 4 meses começou a aparecer com marcas de mordida em casa (Arquivo pessoal)

“Em um braço, eram cinco mordidas, não dava nem para encostar. Eu dei remédio e ela passou uma semana sem ir à escola. Em fevereiro, ela começou a chegar com três, quatro mordidas, dois machucados na perna… E bebê não fala, mas quando eu chegava na porta da creche ela chorava, não queria ficar”, relata.

Imagens enviadas pela mãe mostram os hematomas no corpo da criança e os dois ferimentos na perna dela. Segundo a doméstica, a Emei sugeriu que os machucados tivessem sido causados por picadas de aranha, e ela acusa a instituição de não colocar o lençol nos berços das crianças de maneira adequada.

Mordida
Mãe diz que escola teria justificado ferida com picada de aranha (Arquivo pessoal)

“No final de março, voltei para conversar. Disseram que a minha indignação era porque a monitora preferida da minha filha não trabalhava mais lá, e não era por isso. Falaram que ‘criança morde mesmo’, jogam a culpa nas crianças e não admitem que os monitores não estão olhando. Minha filha já chegou em casa com uma mordida tão forte no joelho, que ele ficou praticamente preto. Chegava em casa, com fome, com sede, com assaduras, sem banho tomado…”, protesta.

A mãe conta que procurou a Secretaria Municipal de Educação, onde explicou a situação à secretária. Em seguida, Zélia Maria e duas monitoras da Emei também foram até o local, onde negaram as acusações. A doméstica ainda diz que foi orientada pela Secretaria a não registrar boletim de ocorrência junto à Polícia Militar, mas que, após a reunião, a própria diretora registrou um boletim contra ela.

“Não se faz isso com criança. Se você tem um problema com um adulto, você pode buscar os meios legais, mas não se mexe com uma criança indefesa. Eu preciso trabalhar, e deixo minha filha na escola para ver ela sendo maltratada? Se não trabalharmos, como vamos comer, criar nossos filhos? Tem coisa nessa história que não encaixa. Uma mãe não se engana, quando sente, sente mesmo”, completa a doméstica.

Tapa na mão

Outra mãe contou ao BHAZ que começou a perceber um comportamento diferente na filha, à época com 2 anos, logo após ela entrar na Emei de Brumadinho no ano passado. “Nós sempre a ensinamos a contar tudo que acontece quando ela está longe da gente. Ela disse que não iria mais à escola, porque a professora deu um tapa na mão dela”, relata.

Horas depois, a auxiliar administrativa perguntou novamente à filha sobre o que aconteceu, e ela deu o mesmo relato. No dia seguinte, ela procurou a diretora da instituição, que teria dito que isso nunca havia acontecido antes. Em conversa com a professora da filha, a mãe conta que a profissional negou a acusação e se defendeu, dizendo que também tinha filhos.

“Não me convenceu. Até esse ponto, minha filha não aceitava mais ficar com a professora, só queria ficar com outra, que é muito carinhosa. Se nada aconteceu, por que ela perdeu a confiança na primeira professora? Mas os questionamentos não deram em nada, eu saí de lá como barraqueira e minha filha como mentirosa”, conta.

Depois do ocorrido, a criança não quis mais voltar à escola e só voltou no início deste ano, agora com quase 4 anos. “Ela só voltou porque é da sala da segunda professora, aí é que eu vi que o problema era realmente a primeira. Mas não deu em nada, porque é a palavra da criança contra a do adulto. Não tinha hematomas, não tinha como provar, porque se tivesse, não teria ficado só por isso”, finaliza a mãe.

Caso Benício

Uma criança de 3 anos apareceu com um ferimento na cabeça, sangramento e hematomas pelo corpo durante a aula em Brumadinho, na Grande BH, nessa terça-feira (3). Benício, que é PcD (pessoa com deficiência), também estuda na Emei Parque da Cachoeira, e os ferimentos teriam ocorrido enquanto a professora se ausentou da sala de aula por alguns momentos. A mãe da criança chamou a Polícia Militar quando soube do caso. Em nota, a Secretaria de Educação lamentou o ocorrido e disse que o menino foi agredido por um colega enquanto dormia. A família contesta essa versão.

Segundo a PM, a mãe recebeu uma ligação da diretora da escola. A educadora pediu à mãe que fosse até o local, pois o filho estava machucado e precisaria de atendimento médico. Quando chegou na escola, ela viu o menino com um corte profundo na parte superior da cabeça, com sangramento intenso. Além disso, ele tinha outros hematomas pelo corpo.

Junto à diretora, a mãe foi até uma UPA para acompanhar o filho. Por lá, a educadora não soube explicar direito o que havia acontecido. A profissional da Educação disse que a professora da criança apareceu com o menino no colo, já machucado. A docente teria se ausentado da sala de aula por alguns instantes, para levar outra criança ao banheiro e, quando voltou, o garoto já estava machucado. Leia a matéria completa aqui.

O que diz a Secretaria de Educação?

Procurada pelo BHAZ, a Secretaria Municipal de Educação de Brumadinho informou que, além da suspensão da diretora e de duas professoras, também foi decidido em reunião que “o município vai dar apoio médico e psicológico às crianças”.

Ainda conforme o órgão, na manhã desta quinta-feira (5), a Emei Parque da Cachoeira acionou a Polícia Civil para fazer a entrega das imagens do circuito interno. A instituição afirma que comunicou a mãe de Benício para que ela estivesse presente, mas ela teria dito que não era necessário.

Sobre os outros casos relatados ao BHAZ, a pasta informou que não teve conhecimento e que, até o momento, não recebeu novas denúncias além do caso do menino Benício. “A Secretaria de Educação está trabalhando para que todo o caso seja esclarecido o mais rápido possível”, finaliza a nota (leia na íntegra abaixo).

Nota da Secretaria Municipal de Educação de Brumadinho

“A Secretaria Municipal de Educação comunica que suspendeu a diretora da EMEI Parque da Cachoeira e as duas professoras que estavam responsáveis pelos alunos no momento em que uma das crianças foi supostamente agredida por outra.

A decisão foi tomada no fim da tarde de quarta-feira (04/05) depois de uma longa reunião com uma equipe multidisciplinar, que contou com a participação dos responsáveis pelos alunos e de reuniões com representantes do Parque da Cachoeira.

Ficou decido também que o Município vai dar apoio médico e psicológico às crianças.

A Secretaria informa ainda que na manhã de hoje (05/05) a escola chamou a Polícia Civil para fazer a entrega das imagens do circuito interno e que comunicou a mãe do aluno Benício para estar presente, mas a mesma disse não ser necessário.

A Secretaria de Educação está trabalhando para que todo o caso seja esclarecido o mais rápido possível”.

Nota da Polícia Civil

“A Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) tomou conhecimento dos fatos ocorridos em uma unidade escolar, em Brumadinho, e todas as providências estão sendo adotadas. Outras informações serão fornecidas com o avançar da investigação”.

Edição: Roberth Costa
Vitor Fernandes[email protected]

Sub-editor, no BHAZ desde fevereiro de 2017. Jornalista graduado pela PUC Minas, com experiência em redações de veículos de comunicação. Trabalhou na gestão de redes do interior da Rede Minas e na parte esportiva do Portal UOL. Com reportagens vencedoras nos prêmios CDL (2018, 2019, 2020 e 2022), Sindibel (2019), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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