Com professores de máscara, aluna da UFMG não consegue fazer leitura labial durante aulas: ‘Cadê acessibilidade?’

Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da UFMG ainda não tomou providencias
Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da UFMG ainda não tomou providencias (Amanda Dias/Arquivo BHAZ)

Um mês após um estudante autista perder sua vaga reservada a PCD’s (Pessoas com Deficiência) na UFMG, a Universidade Federal de Minas Gerais voltou ao centro do debate sobre acessibilidade e inclusão. O desabafo de uma aluna chamou atenção nas redes sociais, nessa quarta-feira (4).

Uma universitária de 25 anos denuncia ter dificuldade para compreender as aulas, já que possui deficiência auditiva e, com os professores de máscara, não consegue realizar leitura labial e acompanhar os conteúdos. Em nota ao BHAZ (veja na íntegra abaixo), a UFMG disse que realiza criteriosos estudos para atender à demanda da estudante e reconhece que ainda há muito o que se fazer pela inclusão e permanência de pessoas com deficiência no ambiente acadêmico.

Poliane Bicalho Silva é aluna do 6º período de engenharia civil e, em conversa com o BHAZ, explica ter procurado o NAI (Núcleo de Acessibilidade e Inclusão) da UFMG, mas que não recebeu auxilio até hoje. De acordo com dados da universidade, 490 alunos com deficiência estavam cadastrados no NAI até o primeiro semestre de 2020. Para o atendimento desses estudantes há apenas cinco técnicos. Além deles, o Núcleo possui duas diretoras, três secretárias, oito intérpretes e dois revisores de braile.

“Eu tenho deficiência auditiva, necessito de leitura labial para comunicar com as pessoas”, explica a jovem, que tenta uma solução junto ao NAI desde o final de março. Mesmo com a liberação do uso de máscaras em locais fechados de Belo Horizonte, a UFMG permanece com a obrigatoriedade dentro dos prédios, o que impossibilita que Poliane entenda o que os professores estão comunicando.

A estudante conta que o NAI sugeriu uma alternativa, a partir da utilização de um aparelho que faz a transcrição do que estava sendo dito para o celular. A jovem comprou o dispositivo, porém a tecnologia não funcionou da forma esperada. “Eu comprei um microfone de quase mil reais para tentar fazer transcrição, ou seja, o aplicativo ia escutar o professor falar (por isso o microfone) e iria traduzir o que ele falou pelo celular”, explica.

“Mas como é muita linguagem técnica o aplicativo escreve tudo errado, então não funciona. O NAI sugeriu usar o aplicativo, mas nem se ofereceu para arcar com os custos. Eu, no desespero, comprei porque precisava muito e agora vi que não presta e estou com mais prejuízo”, relata.

Poliane ainda conta que alguns dos professores tentam achar uma solução, mas nada definitivo. “Eles ficam tentando achar solução. Muitos professores não se importam, não é a função deles se preocuparem com isso e sim do NAI. O colegiado está tentando o que pode, tipo achar monitor para a matéria que eu tô tendo mais dificuldade”.

‘Sempre enrolam’

Poliane explica que a solução para possibilitar a acessibilidade durante as aulas seria a compra e distribuição de máscaras transparentes para os professores, possibilitando, assim, que ela possa ler os lábios. “Eles [NAI] sempre enrolam. Marcaremos reunião para arrumar solução, mas até hoje nenhuma solução”, diz.

Segundo a universitária, a compra da máscara chegou a ser aprovada há um mês, porém o Núcleo de Acessibilidade ainda não tomou as providências necessárias. “Para agilizar o processo, ofereci para o NAI [para eu] comprar as máscaras, porque não posso esperar mais. Pedi garantia de reembolso, já que eu já tomei prejuízo com microfone e eles nem ofereceram para arcar com isso”, conta.

“Fui olhar a máscara transparentes que não embaça que minha fonoaudióloga me indicou, inclusive mandei para o NAI comprar. Só que o kit de 3 máscaras custa tipo R$89. Não dá para eu comprar e esperar o NAI decidir se vai arcar com isso depois”, continua, lembrando do prejuízo com o microfone.

Poliane também revela que até o momento ainda não recebeu respostas do NAI sobre previsão de solução. “Foi sobre o reembolso essa foto que eu postei no twitter”, explica a aluna referindo-se ao print que compartilhou nas redes. Nele, um responsável do Núcleo responde a estudante sobre a compra de máscaras.

“Boa tarde, Poliane! As máscaras ainda não foram compradas, mas caso você faça a compra, não tenho certeza se haverá a oportunidade do NAI lhe reembolsar. Estamos negociando com os colegiados dos cursos para a compra das máscaras, porque são muitos alunos atendidos pelo NAI. Mas vou verificar se existe essa possibilidade”, finaliza a mensagem.

A aluna ainda ressalta que não está falando mal da universidade, mas sim querendo respostas para a situação dela. “Só tô querendo pressionar a UFMG tomar atitude mesmo solucionar o meu problema”.

Problemas no EAD

Poliane ainda conta que seus problemas com a acessibilidade na UFMG começaram antes das aulas voltarem ao modelo presencial. Ela ingressou na universidade em 2020, teve algumas aulas presenciais, mas a rotina foi logo interrompida pela pandemia de Covid-19. As aulas retornaram em agosto do mesmo ano, porém na modalidade online. “Tenho passado por muito perrengue no EAD também. Porque era uma luta, para conseguir legenda nas vídeoaulas e o NAI nunca se dispôs para por”, diz a estudante.

“Eu tinha que implorar pela boa vontade do professor para por para mim. Uns sensibilizavam pela minha situação e colocava, eu passava tutorial pra eles. E outros ignoravam, eu tinha que aprender sozinha mesmo. Se não eu iria ter que trancar. E não era justo trancar por causa disso”, desabafa.

Poliane explica que as aulas online aconteciam, em sua maioria, ao vivo pela plataforma Teams, da Microsoft. “Quando começou o EAD, foi muito complicado, pois eram ao vivo, no Teams mesmo. Não tinha como [a aula] ter legenda. Eu entrava em contato com NAI, no 1º semestre EAD, e não tive muito apoio em ter aula. Ou seja, nem assistia, estudava sozinha e tal”, relata a estudante.

“O NAI ofereceu monitoria. Na época, eram matérias de ciclo básico, mas monitoria era para tirar dúvida e era muito complicado dar aula por escrito pelo WhatsApp. Não era a mesma coisa”.

Poliane cobrou legendas e uma maior acessibilidade do Núcleo responsável, porém recebia o retorno de que eles não possuíam recursos para tal. “Então eles sugeriram os próprios professores legendarem as aulas, mas o professor já tem aquele trabalhão de preparar aula, dar aula, muitos deles nem dominavam tecnologia, sabe?”, conta. “Então muitos deles nem conseguiam ajudar e outros nem tentavam”.

‘Ajudou mais que o NAI’

A situação de Poliane ficou um pouco melhor no online, quando um professor sensibilizou-se com a dificuldade dela e a ensinou a legendar as aulas. “Agradeço bastante a ele, me ajudou muito. Fez muito mais que o NAI e a própria UFMG”. “Ele me passou um tutorial, só no último semestre EAD, de como colocar legenda. No semestre passado eu passava tutorial para todos os professores colocarem. Uns colocavam, mas tinha uns que dificultavam, sabe?”, conta.

Poliane procurou novamente o Núcleo de Acessibilidade para poder disponibilizar um técnico que ficasse responsável por legendar as aulas. “O NAI falou que tinha arrumado um monitor que ia por. Mas você acha que esse monitor apareceu? Nunca vi!”. “Como já estava exausta mentalmente deixei para lá. Eu tentei estudar sozinha, até aula particular [fiz] para ver se eu aprendia essa matéria”, finaliza.

‘Há muito o que se fazer’

Procurada pela reportagem, a UFMG disse que “adota políticas e iniciativas que promovem a inclusão de pessoas com deficiência (PcD) desde a década de 1990”. Segudo a universidade, o NAI foi criado em 2014 com o objetivo de reduzir as barreiras pedagógicas, instrumentais, arquitetônicas, de comunicação e informação, em relação as pessoas com deficiência (PcD). O Núcleo implementa e auxilia no aprimoramento das ações de acessibilidade na instituição.

“As adaptações impostas pela pandemia da covid-19 para garantia da qualidade dos processos de ensino-aprendizado, como a utilização de recursos tecnológicos assistivos e/ou máscaras especiais que possibilitam a leitura labial, têm sido objeto de criteriosos estudos pela equipe do NAI, em diálogo com o Comitê de Enfrentamento ao Novo Coronavirus da UFMG”, diz um trecho da nota enviada ao BHAZ.

“Muito já se avançou nas ações de acessibilidade, inclusão e permanência das PcD na Universidade, que reconhece, no entanto, que ainda há muito o que se fazer. Por isso, a UFMG se coloca ao lado da comunidade na construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva – da qual a universidade faz parte”, diz o texto.

Nota da UFMG na integra

“A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) adota políticas e iniciativas que promovem a inclusão de pessoas com deficiência (PcD) desde a década de 1990. Em 2002, a UFMG instituiu uma Comissão Especial com objetivo de assegurar aos estudantes e servidores com deficiência a sua permanência na Universidade. O trabalho dessa comissão gerou ações de grande magnitude que desencadearam na criação do Núcleo de Acessibilidade e Inclusão (NAI) da UFMG, em 2014, voltado à eliminação ou redução de barreiras pedagógicas, instrumentais, arquitetônicas, de comunicação e informação, para o cumprimento dos requisitos legais e aprimoramento das ações de acessibilidade na instituição.

Desde então, o NAI tem desenvolvido suas atividades com o desafio de acolher os estudantes e demais PcD de sua comunidade e, em respeito aos seus direitos, propor e implantar melhorias no sentido de superar as barreiras que vão sendo identificadas. Para isso, o NAI está em constante diálogo com a comunidade universitária e com o Comitê Gestor da Formação Transversal em Acessibilidade e Inclusão, dentre outros atores, para tratar de demandas gerais e específicas das PcD, em suas diversidades.

As adaptações impostas pela pandemia da covid-19 para garantia da qualidade dos processos de ensino-aprendizado, como a utilização de recursos tecnológicos assistivos e/ou máscaras especiais que possibilitam a leitura labial, têm sido objeto de criteriosos estudos pela equipe do NAI, em diálogo com o Comitê de Enfrentamento ao Novo Coronavirus da UFMG. Muito já se avançou nas ações de acessibilidade, inclusão e permanência das PcD na Universidade, que reconhece, no entanto, que ainda há muito o que se fazer. Por isso, a UFMG se coloca ao lado da comunidade na construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva – da qual a universidade faz parte”.

Edição: Roberth Costa
Giulia Di Napoli[email protected]

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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