Duas mulheres casadas com vítimas da intoxicação pela cerveja Belorizontina protestaram nesta sexta-feira (21) após os casos não terem sido contemplados no acordo firmado entre Ministério Público de Minas Gerais e a Cervejaria Três Lobos, fabricante das cervejas vendidas pela Backer.
O acordo prevê uma indenização de R$ 500 mil para cada vítima que teve a intoxicação confirmada por perícias. Até então, são nove pessoas que tiveram o consumo da cerveja reconhecido como causador dos danos à saúde. José Osvaldo de Faria, que morreu em 2020 após um ano e cinco meses internado, não foi uma delas.
A esposa de José, Eliane Faria, protestou contra o acordo, que considera uma injustiça. “Todo aniversário do assassinato da Backer, eu estou lá, sofrendo, dando entrevista e revivendo. Sabe o que é estar cego, sangrar pelo olho, sangrar pelo nariz, sangrar pela boca? Um ano e meio sentindo dor, cego, sem poder mexer”, disse.
‘Da noite para o dia’
Vanderlei de Paula Oliveira, marido da pedagoga Aline Valadão de Oliveira, convive com várias sequelas depois da contaminação, mas também ainda não foi contemplado. A esposa dele esteve no Ministério Público nesta tarde.
Segundo ela, um marco temporal foi estabelecido no acordo “da noite para o dia”, determinado a partir do momento em que se constatou um furo no tanque da cervejaria. Isso teria feito os casos de José e de Vanderlei não terem a causalidade confirmada, com resultados inconclusivos.
“Havia todo um relatório, tanto para tanto o marido dela quanto para o meu, descrevendo outras irregularidades. Tínhamos fotos, tínhamos todas as provas. Fomos incluídos como vítimas, e agora eles demarcaram isso e nós não estávamos cientes”, afirmou Aline Oliveira.
De acordo com o promotor Fernando Abreu, nos casos ainda sem confirmação, não há elementos suficientes para afirmar ou negar que os danos foram provocados pela cerveja contaminada por dietilenoglicol e monoetilenoglicol. Agora, os casos devem ser abordados na esfera individual de cada processo.
“Nossa indignação é que nós não tivemos a oportunidade de reaver isso, e agora é muito simples dizer ‘corram atrás individualmente’. A gente sabe que isso tira força no criminal, tira responsabilidade. Cada vez que meu marido tem que sair, que tem que se expor e fazer uma perícia é reviver um sofrimento. A partir do momento em que não se coloca como vítima, é negar algo que aconteceu conosco”, completou a esposa de Vanderlei.
O acordo
O acordo entre o MPMG e a Cervejaria Três Lobos prevê uma indenização de R$ 500 mil para cada vítima que teve a intoxicação confirmada. A informação foi divulgada nesta sexta-feira (21) pelo promotor de Justiça Fernando Abreu.
Além da indenização pelos danos extrapatrimoniais individuais, o acordo também determina que cada parente de primeiro grau das vítimas receba R$ 150 mil por danos morais.
O acordo vale para casos em que o consumo da cerveja Belorizontina foi reconhecida pela Central de Apoio Técnico (Ceat) do MPMG como causadora dos danos à saúde. De acordo com o promotor, dos 15 casos envolvidos na ação civil pública, nove vítimas tiveram essa intoxicação confirmada.
Um caso foi descartado pelas perícias judicial e do MP, e outros ainda não tiveram a causalidade confirmada.
As vítimas e parentes agora podem decidir se vão ou não aderir ao acordo. “Caso a vítima ou familiar entenda que o valor fixado no acordo para fim de indenização é aquém daquele que ele acredita ser adequado, pode perfeitamente buscar a esfera da Justiça individual”, explica o promotor.
Segundo inquérito da Polícia Civil, mais de 20 pessoas teriam desenvolvido uma síndrome que causa insuficiência renal aguda por conta das substâncias, e dez pessoas morreram.
O que diz a cervejaria?
Por meio de nota, a Cervejaria Três Lobos informou que “tem trabalhado ininterruptamente com o objetivo de buscar a reparação de todo e qualquer dano relacionado ao acidente” e que vem custeando as necessidades emergenciais das vítimas, com quatro milhões de reais já empregados independentes do acordo.
Sobre o nexo de causalidade, a empresa sustenta que “o reconhecimento da procedência do pedido se dá exclusivamente em razão da responsabilidade objetiva pelo fato do produto, não sendo admitido qualquer ato ou fato doloso ou culposo, por parte dos réus, que tenha contribuído para a ocorrência dos fatos e dos danos objeto de julgamento na ação civil pública”
Segundo a cervejaria Três Lobos ninguém que tenha a mínima possibilidade de ser vítima foi excluído do acordo da Backer.
Nota na íntegra
“A Cervejaria Três Lobos informa que tem trabalhado ininterruptamente com o objetivo de buscar a reparação de todo e qualquer dano relacionado ao acidente.
Para tanto, estabeleceu relações construtivas com as autoridades públicas e vítimas, tendo iniciado procedimentos de mediação, sob a coordenação da Satisfactio – Câmara de Conciliação e Mediação, devidamente credenciada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Desde essa época, a empresa vem custeando as necessidades emergenciais, inclusive com a disponibilização de tratamentos de saúde em atendimento clínico e domiciliar. Tanto que já foram empregados, aproximadamente, quatro milhões de reais no socorro às vítimas, independente de acordo.
Contudo, a partir do estabelecimento da indenização para as vítimas, o Ministério Público de Minas Gerais – MPMG reconheceu que, para fazer jus à indenização estabelecida, deverá o nexo de causalidade entre a contaminação das cervejas e os danos à saúde efetivamente causados a cada indivíduo, ser reconhecido e afirmado pela Central de Apoio Técnico-CEAT, órgão técnico do MPMG, nos casos já avaliados e outros, que eventualmente surjam, respeitado o marco temporal de setembro de 2019.
O reconhecimento da procedência do pedido se dá exclusivamente em razão da responsabilidade objetiva pelo fato do produto, não sendo admitido qualquer ato ou fato doloso ou culposo, por parte dos réus, que tenha contribuído para a ocorrência dos fatos e dos danos objeto de julgamento na ação civil pública.
Posto isso, a Cervejaria Três Lobos ressalta que ninguém, que tenha a mínima possibilidade de ser vítima, foi excluído. Contudo, a empresa não pode pagar para quem não tenha hipótese alguma de ser vítima, em detrimento dos demais”.