Perfil aponta supostas fraudes em cotas raciais; coordenador na Globo Minas é um dos denunciados da UFMG

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Especialistas criticam a exposição das pessoas, mas defendem importância da fiscalização das cotas raciais (Guilherme Silveira/Facebook/Reprodução + Twitter/Reprodução)

Atualizada às 22h do dia 4/6/2020 para incluir o posicionamento da UFMG.

Um perfil foi criado no Twitter nesta quinta-feira (4) para denunciar supostas fraudes em cotas raciais realizadas em universidades públicas mineiras. Um dos casos de maior repercussão é sobre um coordenador na Globo Minas que teria burlado as normas para se formar na UFMG. Especialistas reforçam a importância da cota e de seu uso correto, e também alertam para o perigo de promover exposições em redes sociais.

O movimento começou justamente no encalço do aumento da visibilidade da luta antirracista nos últimos dias, ocorrido após o assassinato de George Floyd durante uma abordagem policial nos Estados Unidos (relembre aqui). O perfil incentiva a denúncia de supostas fraudes ao assegurar o anonimato.

“Se você conhece algum branquelo que roubou a vaga de negros, pardos ou indígenas em alguma universidade pública de Minas Gerais nos mande na DM. Totalmente anônimo!”, afirmam os criadores, em texto publicado no Twitter. Ao lado da foto do acusado, os perfis citam qual a instituição, data e curso de matrícula.

Alguns dos estudantes denunciados já chegaram a se formar na graduação e são profissionais do mercado, como é o caso de Guilherme Silveira, coordenador de telejornais da Globo Minas. Procurado em duas oportunidades, na manhã e no início da tarde, o denunciado preferiu não se manifestar. Procurada, a emissora também não tinha se posicionado até a publicação desta reportagem, que será atualizada tão logo os envolvidos se manifestem.

A conta já tinha listado, até às 15h de hoje, estudantes da UFMG, UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto), UFU (Universidade Federal de Uberlândia, Cefet-MG (Centro Federal de Educação Tecnológica) e UFSJ (Universidade Federal de São João Del-Rei).

A exposição das supostas fraudes tem reverberado nacionalmente. Outros Estados, como Maranhão e Rio de Janeiro, também têm listado e exposto a imagem de pessoas que usaram cotas raciais para se matricular em universidades públicas.

Como funciona a lei

Segundo o presidente da Comissão de Promoção da Igualdade Racial da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Gilberto Silva, a fraude das cotas pode ter consequências administrativas, mas também do Código Penal. No caso das universidades ou concursos públicos, pode acarretar na perda do ingresso por meio das cotas.

Para aqueles que já graduaram, Gilberto ressalta a possibilidade de reparação financeira. Para isso, deve haver uma ação do Ministério Público Federal e da própria universidade. O fraudador pode ser levado a ressarcir as mensalidades que usufruiu de maneira indevida.

“Caberá tanto à administração, quanto ao Ministério Público ver a melhor maneira de denunciar e representar contra essa pessoa. Eu entendo que possa ter uma equiparação a uma particular. A universidade pública não tem o pagamento de mensalidade, mas ela tem o ônus de manter o aluno”, detalha.

O advogado explica que algumas medidas já foram tomadas para reduzir as fraudes em cotas raciais. “É importante lembrar que existe uma portaria normativa, editada em abril de 2018, feita pela Secretaria de Gestão de Pessoas do Ministério do Planejamento. Ela traz os dispositivos de como deve ser uma banca para avalização das pessoas que estão ingressando nas vagas por cotas”, afirma.

Gilberto destaca que as comissões têm a função de fazer a análise exclusiva do fenótipo, para aferir se a condição do candidato é aquela que ele declarou no momento de fazer a inscrição. “Isso é muito valoroso e é uma forma de coibir as fraudes, bem como uma forma de ter melhor fiscalização”, conclui.

‘Cota não é privilégio’

Apesar de ainda enfrentar resistência em alguns setores da sociedade, as cotas raciais são um direito garantido. Para o professor universitário e psicanalista Alessandro Pereira dos Santos, é importante reforçar que cota não é privilégio.

“É o reconhecimento parcial do Estado de que nem todos têm acesso. Então é preciso sim políticas públicas que permitem o acesso. Lembrando que, desde o início, os brancos já estão nas universidades. Então não se trata de retirar os direitos dos brancos. É fazer da universidade um lugar plural”, explica.

Segundo o professor, as questões enfrentadas nos debates sobre cotas raciais no Brasil estão ligadas à falta de discussão sobre o racismo estrutural no país. “Esse racismo define o lugar dos pretos, negros, indígenas e brancos. E é estrutural porque ele é construído. A colonização que nós sofremos foi definindo esses lugares e isso tem a ver com acesso”, expõe.

Alessandro afirma que as políticas públicas criadas nas últimas décadas, como as cotas raciais e ações afirmativas, buscam reverter esse fenômeno. “E o que a gente percebe? Como a gente não discute abertamente sobre o racismo no Brasil, não se define abertamente quem é preto e quem não é”, continua.

“Nós ficamos em vários momentos nessa discussão a partir da pigmentação da pele. O que é muito pouco. Então pensar em aspectos das cotas raciais é inclusive discutir aspectos étnicos. Que contam com a cor da pele, mas extrapolam essa dimensão”, acrescenta.

A exposição como denúncia

Apesar das exposições nas redes sociais estarem recebendo muito apoio, os especialistas consultados pelo BHAZ identificam alguns problemas no método. Tanto do ponto de vista legal, como da contribuição aos debates sociais.

Para o advogado Gilberto, a apresentação da imagem da pessoa é muito complicada. Mesmo que as informações das admissões em universidades sejam públicas, é tudo apresentado por escrito. “Então essa exposição das pessoas que estão ali, pode ser questionada pelo direito a imagem”, acrescenta.

Já o professor Alessandro acredita que essa forma de apresentação não constrói avanço na discussão racial. “A exposição pode convocar ao ódio e, nesse sentido, as relações permeadas pelo ódio não nos permitem reconhecer as diferenças”, afirma.

“Acho que a gente precisa também preservar o povo preto, porque construir a partir do ódio pode romper pontes importantes. O uso da imagem e a forma como ela circula na atualidade expõem a todos nós, pretos e não pretos”, conclui.

O próprio perfil que denuncia supostas fraudes recuou após uma acusação específica. Uma das denunciadas respondeu à publicação afirmando que, de fato, fez a inscrição de maneira equivocada, mas jamais realizou a matrícula na UFMG.

“Já que tiveram o trabalho de desenterrar a lista de 2017, gostaria de vir aqui me posicionar. Primeiramente eu não faço e nem nunca fiz Jornalismo na UFMG. Segundamente, eu estava apenas acompanhando a nota de corte para uma pessoa conhecida”, argumentou a denunciada, antes da publicação com sua foto ser deletada.

“Terceiramente, como minha nota dava pra passar e eu não tirei meu nome do SISU no último dia de inscrição, meu nome acabou indo pra lista de aprovados. Mas eu nunca cheguei a nem fazer a matrícula. Na verdade, nem me lembrava disso”, complementou.

Universidades respondem

O BHAZ entrou em contato com todas as universidades de Minas Gerais citadas no perfil de Twitter. A UFU informou que as denúncias encaminhadas pela ouvidoria da instituição são apuradas. “Ao final do processo, se a comissão concluir que a ocupação é de fato indevida, o discente é desligado”, acrescenta, por nota (leia na íntegra abaixo).

A UFOP também afirmou que apura denúncias recebidas, mas passou a adotar ainda uma validação das autodeclarações étnico-raciais no ato da matrícula. “A validação é realizada por meio de heteroidentificação étnico-racial, a cargo de comissões designadas para esse fim”, destaca, em trecho do comunicado (leia na íntegra abaixo).

A UFSJ, por sua vez, também reforçou a criação de uma comissão para realizar a validação e afirmou que apura todas denúncias recebidas – inclusive de admissões ocorridas antes da implantação de tal comissão.

“Caso se confirme [a denúncia], a UFSJ cancela a matrícula dos envolvidos nos casos apurados. Vale destacar que nenhuma das denúncias a esse respeito recebidas pelas vias oficiais deixa de ser verificada pela Administração Superior”, disse, por meio de nota (leia na íntegra abaixo).

A UFMG seguiu a linha dos posicionamentos citados acima e, ainda, manifestou preocupação com “informações que circulam em algumas plataformas de redes sociais”.

“Em que pese a atuação da UFMG na defesa de que as cotas sejam destinadas para aqueles estudantes que se encaixam nos critérios estabelecidos pela lei, a instituição não aprova a exposição precoce de estudantes e de suas identidades, que podem resultar em ‘linchamentos virtuais’. Denúncias devem ser encaminhadas, de forma sigilosa, à Ouvidoria da UFMG (https://www.ufmg.br/dgi/ouvidoria/)”, diz, em trecho de nota (leia na íntegra abaixo).

Até o fechamento desta reportagem, o Cefet-MG não respondeu à tentativa de contato do BHAZ. Caso queira se pronunciar, a matéria será atualizada.

Como se entra por cotas na UFMG

No site da UFMG, a instituição informa que as pessoas que têm direito às cotas étnico-raciais são as pessoas negras (pretas ou pardas) e indígenas. Para ser classificado nessas vagas, o candidato precisa fazer uma autodeclaração, uma carta consubstanciada e passar pela avaliação de uma comissão complementar.

A autodeclaração é feita no momento da inscrição do candidato, enquanto a carta consubstanciada é entregue no registro acadêmico. Esse documento deve explicar os motivos pelos quais a pessoa se autodeclara negro ou indígena. O documento é entregue no registro acadêmico.

A comissão de heteroidentificação fica responsável por confirmar as informações atestadas nos documentos, de acordo somente com as características físicas do próprio candidato. No caso de indígenas, é exigida também a declaração de pertencimento ao grupo étnico, com assinatura de três lideranças.

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Comunicado da Ufop na íntegra

1) A administração pública tem o poder-dever de apurar as denúncias que lhe são encaminhadas. Essa apuração ocorre por meio de sindicâncias, fundamentadas na Lei nº 9.784/1999, na Lei nº 8.112/1990, no Estatuto e no  Regimento Geral da Universidade Federal de Ouro Preto, baseando-se  na Lei nº 12.711/2012 e na Recomendação nº 41/2016, do Conselho Nacional do Ministério Público. Respeitado o direito à defesa e ao contraditório e, apurando-se que o sindicado não é, de fato, o beneficiário da reserva de vaga, a instituição procede ao seu desligamento do curso (cancelamento da matrícula).

2)Conforme colocado anteriormente, mediante o recebimento de denúncia, a Universidade verifica a situação acadêmica dos denunciados e, identificado o ingresso por cota de recorte étnico-racial até o primeiro semestre letivo de 2018, procede aos encaminhamentos necessários ao processo sindicante. A partir do segundo semestre letivo de 2018, a UFOP vem realizando a validação das autodeclarações étnico-raciais no ato da matrícula.


3)Não há previsão legal, em nível institucional, de aplicação de penalidades aos estudantes que tenham colado grau no curso.


4)Desde o segundo semestre letivo de 2018, a Universidade Federal de Ouro Preto realiza procedimentos complementares de validação da autodeclaração étnico-racial apresentada pelos candidatos autoidentificados como negros (pretos ou pardos). A validação é realizada por meio de heteroidentificação étnico-racial, a cargo de comissões designadas para esse fim. Todos os procedimentos são previstos nos editais dos certames e são realizados no estrito respeito à dignidade da pessoa humana e ao direito à defesa e ao contraditório.

Nota da UFSJ na íntegra

“A Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) vem se posicionar sobre a circulação de denúncias no Twitter que envolvem possíveis casos de fraude no sistema de cotas em Minas Gerais.

A Universidade recebe e apura denúncias que chegam à instituição pelos canais competentes, no caso, a Ouvidoria. Durante o período de matrículas, a Comissão de Heteroidentificação analisa o perfil dos estudantes autodeclarados negros, pardos ou indígenas, a fim de saber se eles se enquadram ou não no perfil de cotista indicado, definindo seu direito ou não às vagas reservadas para o sistema de cotas. Para o caso de estudantes que ingressaram antes da criação dessa Comissão, em 31 de maio de 2019, a UFSJ segue o rito processual, por meio de uma comissão de sindicância. Caso a fraude seja comprovada, é instaurado processo administrativo, que vai investigar a denúncia; caso se confirme, a UFSJ cancela a matrícula dos envolvidos nos casos apurados. Vale destacar que nenhuma das denúncias a esse respeito recebidas pelas vias oficiais deixa de ser verificada pela Administração Superior”.

Nota da UFMG na íntegra

“A reserva de vagas nas instituições federais de ensino superior foi instituída pela Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, com o objetivo de corrigir desigualdades históricas presentes em nossa sociedade. A lei determina que 50% das vagas dos processos seletivos de graduação devem ser reservadas para estudantes de escolas públicas, e dentre esses, negros (pretos e pardos), indígenas, e pessoas com deficiência, modalidade incluída em 2017. 

Na UFMG, a reserva de vagas também integra a política de ações afirmativas que, além de programas de inclusão destinados a promover grupos socialmente discriminados, promove práticas acadêmicas de acolhimento, atenção e apoio aos estudantes em suas necessidades, em seu aproveitamento acadêmico e no enriquecimento de sua permanência na universidade. 

Ao longo dos anos a UFMG tem adotado medidas para aperfeiçoar os procedimentos para atender à chamada Lei das Cotas (Lei 12.711), exigindo dos candidatos que optaram pela modalidade de raça/cor no sistema de reserva de vagas a redação de uma carta consubstanciada de próprio punho com justificativas para a autodeclaração de pertencimento étnico-racial. Em 2019, foi ainda instituída a Comissão Complementar à Autodeclaração, responsável por realizar o procedimento de heteroidentificação, verificando a condição étnico-racial do candidato selecionado. A avaliação é condição obrigatória para efetivação da matrícula. 

Em 2018, a UFMG instituiu uma comissão de sindicância investigatória que analisou 61 denúncias de supostas fraudes de recém-ingressados. Desse total, 10 referem-se a estudantes que já se desligaram da instituição. Em 17 casos, a comissão validou a autodeclaração (pretos/pardos e indígenas) por meio da análise fenotípica. Processos administrativos disciplinares foram abertos pela UFMG para apurar casos restantes. Todos os processos administrativos disciplinares correm em sigilo para assegurar o direito à defesa e a lisura do processo.

Sobre informações que circulam em algumas plataformas de redes sociais, a Universidade manifesta preocupação. Em que pese a atuação da UFMG na defesa de que as cotas sejam destinadas para aqueles estudantes que se encaixam nos critérios estabelecidos pela lei, a Instituição não aprova a exposição precoce de estudantes e de suas identidades, que podem resultar em “linchamentos virtuais”. Denúncias devem ser encaminhadas, de forma sigilosa, à Ouvidoria da UFMG (https://www.ufmg.br/dgi/ouvidoria/)”.

Guilherme Gurgel[email protected]

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Escreve com foco nas editorias de Cidades e Variedades no BHAZ.

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