‘Tem que me servir calado’: Homem se recusa a pagar por isqueiro, humilha garçom e bar de BH denuncia racismo

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O homem proferiu diversos xingamentos racistas contra o funcionário, que se recusou a aceitar o isqueiro após o uso (Reprodução/@mercadinhobicalho/Instagram)

Um homem de 59 anos foi preso em flagrante na noite dessa quinta-feira (27), depois de ofender um garçom com xingamentos racistas no bar Mercadinho Bicalho, localizado no bairro Santa Tereza, na região Leste de Belo Horizonte. Segundo a PM, tudo começou depois que o autor pediu ao funcionário que lhe trouxesse um isqueiro, mas insinuou que não pagaria pelo produto. O estabelecimento denunciou o caso nas redes sociais (veja abaixo).

Após acender o cigarro, o cliente devolveu o objeto ao garçom, que disse que não poderia pegá-lo de volta por ele já ter sido usado. A proprietária do estabelecimento foi até a mesa para entender a situação, momento em que começaram as ofensas.

“Eu não vou pagar o isqueiro, esse ‘negão’ aí…”, disse o homem, que logo foi interrompido pela vítima. “O senhor me chamou de ‘negão’? Repete do que o senhor me chamou”, questionou o jovem de 27 anos, em tom de esclarecimento.

‘Você tem que me servir calado’

No local, haviam cerca de 40 clientes e alguns deles chegaram a repreender o homem pelos xingamentos racistas. Não havendo mais possibilidade de diálogo, os militares foram acionados pela dona do bar e, antes que eles chegassem, o autor insistiu nas ofensas.

“Negão, quem é você? Eu tenho dinheiro e pago a minha conta, você tem que me servir calado”, teria dito o homem ao funcionário em tom depreciativo. Segundo testemunhas, o homem se referia a todo momento à cor da pele do trabalhador, com os termos “negão”, “neguinho” e “meu companheiro de raça”.

Chegando ao local, a Polícia Militar conduziu o homem, a vítima e demais testemunhas para a delegacia. Às autoridades, o autor disse que não teve o intuito de ofender o funcionário. “Ele relata que usou o termo ‘negão’ apenas por ter o costume familiar de chamar as pessoas assim, por ser natural da Bahia. E disse que não entende por que a vitima ficou ofendida”, consta no registro policial.

‘Calados não ficaremos!’

Pelas redes sociais, a proprietária do estabelecimento compartilhou um relato sobre o episódio e repudiou os ataques racistas sofridos pelo funcionário. “Na grande maioria das vezes a gente vem aqui pra falar de coisa boa mas vamos pular dessa vez. Essa é a primeira vez que registramos um boletim de ocorrência de racismo/injúria racial”, diz a publicação feita no perfil do bar Mercadinho Bicalho.

“Nossos clientes que estavam nas mesas da praça foram testemunhas de falas como ‘esse negão aí’, ‘neguinho’, ‘pessoa de cor’ usadas com conotação negativa para diminuir a vítima e ainda a seguinte fala ‘eu tenho dinheiro pra pagar você tem que me servir calado’. Estamos indignados, mas calados não ficaremos! Fora racista!!!”, acrescentou.

Nos comentários, dezenas de pessoas se solidarizaram com o funcionário e aplaudiram a postura do estabelecimento. “Isso não pode passar impune! Racismo, xenofobia, homofobia, misoginia precisam ser denunciados para que não se repitam. Parabéns ao Mercadinho pela atitude! Tamos juntos!”, escreveu um seguidor.

“Se todos estabelecimentos tivessem essa conduta tenho certeza que estaríamos em um degrau acima nessa questão. Abraço fraterno em todos”, elogiou outro usuário da rede social.

‘Sentimento de revolta’

Ao BHAZ, a proprietária do estabelecimento, Larissa Bicalho, conta que nunca havia presenciado um episódio de racismo tão explícito. Ela garante que vai até o final para que a justiça seja feita.

“O meu sentimento é de revolta, de angústia e de humilhação. Porque além de nosso funcionário, ele é nosso parceiro de vida, ele é meu companheiro. Então foi uma coisa que doeu muito, nós somos um casal inter-racial. A gente às vezes percebe alguns olhares, que não podemos julgar, mas que acontecem. E dessa vez não ficou só no olhar”, relata ela.

“As falas dele, fora do contexto, podem parecer que não são graves. Em alguns momentos realmente alguns clientes se dirigem à ele e outros garçons como ‘negão’, mas com a liberdade que eles dão. Se incomoda eles, eles já falam no mesmo momento”, explica.

Fiança e liberação

Procurada pelo BHAZ, a Polícia Civil informou que “ratificou a prisão em flagrante do homem, de 59 anos, pelo crime de injúria racial”. Ele foi ouvido na delegacia e liberado após pagar fiança de R$ 1,2 mil.

“O procedimento foi remetido à 1ª Delegacia de Polícia Civil Leste para prosseguimento da investigação e completa elucidação dos fatos”, diz a nota da polícia (leia na íntegra abaixo).

Nota da Polícia Civil na íntegra

Nesta quinta-feira (27/1), a Polícia Civil de Minas Gerais, por meio da Central Estadual do Plantão Digital, ratificou a prisão em flagrante do homem, de 59 anos, pelo crime de injúria racial, no bairro Santa Tereza, na capital. Ele foi ouvido pela Autoridade Policial de plantão, que arbitrou o pagamento de fiança no valor de mil e duzentos reais, conforme determinação legal. O suspeito pagou a fiança arbitrada e, em seguida, foi liberado. O procedimento foi remetido a 1a Delegacia de Polícia Civil Leste para prosseguimento da investigação e completa elucidação dos fatos.
camilaabsantos@scarletlemos1 curtidaResponder

oncevaibhRecebam nossa indignação e nosso abraço carinhoso, pessoal. Ao Kleyson, figura simpática e sempre gentil com todo mundo, nossa solidariedade. Acordar com mais um caso flagrante como esse em 2022, nos causa profunda tristeza.36 curtidasResponder

karineapdiasMuito triste toda essa situação! Parabéns @mercadinhobicalho pela atitude, não calar diante desses momentos é necessário para punir esse tipo d

Edição: Giovanna Fávero
Larissa Reis[email protected]

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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