Moradores têm feridas após contato com minério ‘carregado’ pela enchente na Tereza Cristina; MPMG apura o caso

Reprodução/WhatsApp+ Divulgação/AME Vila Betânia

A lama “carregada” pelo Ribeirão Arrudas durante as tempestades históricas que atingiram BH nos últimos dias pode ter causado, além de tristeza e prejuízos, problemas para a saúde dos moradores de vilas localizadas às margens da via.  

Moradores que trabalham no processo de limpeza da região encontraram minério em meio a lama trazida pelo curso d’água. As autoridades, como o MPMG (Ministério Público de Minas Gerais), já foram acionadas para apurar a situação.

Divulgação/AME Vila Betânia

O BHAZ teve acesso a uma denúncia apresentada ao MPMG em que, conforme o documento, alguns moradores da região que tiveram contato com a lama apresentaram feridas nos pés e nas mãos. A causa seria a presença do material na área.

Além das lesões, a população estranhou o mau cheiro do barro, as manchas de ferrugem nas roupas e o fato de que a lama está impregnada nas ruas há muitos dias. Outro fator apontado é a enorme quantidade de material que foi retirada dos bueiros. Os dejetos estariam entupindo as estruturas e impedindo a passagem da água.

Divulgação/AME Vila Betânia

O que aconteceu?

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, a possibilidade é de que o minério encontrado tenha sido arrastado pelo aumento da carga do rio, já que a chuva atingiu um volume histórico.

Antes do fim do mês de janeiro, na manhã de quarta-feira (29), o acumulado de chuvas chegou a 932,3 mm (milímetros) . Anteriormente, o mês mais chuvoso da história foi janeiro de 1985, quando choveram 850 milímetros. 

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Outro fator apontado é de que o Arrudas nasce na região da Serra do Rola Moça, onde há mineração. A forte chuva pode ter empurrado grande quantidade do material para dentro do rio. Ambos os especialistas descartam a possibilidade de mineração ilegal ou descarte de rejeito irregular.

Trecho da ata registrada pelo MPMG (Reprodução/WhatsApp)

O caso será investigado pelo MPMG e, também, pela Semad (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), que, em nota (veja abaixo), disse que a fiscalização ambiental será acionada.

O caso também deve ser levado às comissões de Direitos Humanos da ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais) e da Câmara dos Deputados, em Brasília.

Minério no barro

Segundo o morador da região e presidente da associação de moradores AME Vila Betânia, Gladson Reis, desde a última enchente, na sexta (24), os detritos de minério estão sendo encontrados em meio ao barro.

“Desde o dia 25 de janeiro nós já achamos muito minério. E o pior é que essa lama, com esse material que a gente sabe que é tóxico, está entrando para dentro das casas. Eu já vi muita enchente aqui na região, mas é a primeira vez que eu vejo esse tipo de material e essa quantidade de lama”, relatou ao BHAZ.

Segundo Gladson, a população está preocupada com a origem do material. “Nós não sabemos de onde vem esse minério, pode ser de mineradora ilegal, pode ser que estejam jogando isso no rio. Não sabemos. Talvez nós estejamos diante da maior tragédia ambiental de BH”, acrescentou.

Os moradores registraram imagens do material recolhido. O BHAZ enviou as fotos para dois especialistas em mineração, ambos da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais): o professor Deck Nader, do departamento de Engenharia de Minas; e o professor Carlos Barreira Martinez, fundador do centro de pesquisas hidráulicas da UFMG e especialista em barragens de mineração.

Divulgação/AME Vila Betânia

Os professores avaliaram que o material aparenta ser itabirito, um importante minério de ferro extraído em Minas Gerais. “É difícil saber a procedência do material, mas, visualmente aparenta ser itabirito”, explica Deck. “Tem todo o jeito de ser itabirito”, concordou Martinez.

De onde vem o minério?

Para o presidente do projeto Manuelzão e do Fórum Mineiro de Bacias Hidrográficas, Marcus Vinícius Polignano, as pedras de minério podem ter vindo da região onde está a nascente do Arrudas.

“O rio nasce na Serra do Rola Moça e passa por região onde há mineração. Como tivemos uma quantidade de chuva muito grande, o nível do rio aumenta e sai levando o que há pela frente. Com isso, é possível que ele tenha arrastado esses passivos de mineração ativa ou até mesmo de atividades mais antigas. Não é uma coisa improvável de acontecer”, explicou.

Divulgação/AME Vila Betânia

O professor Deck Nader reitera a teoria de que o material tenha sido arrastado pela água. “A enchente levou carro, levou tudo e por que não levaria pedras? Acho que não é motivo para essa preocupação. O volume de água em BH e região metropolitana foi muito grande e deve ter carreado esse material”, afirma.

Ainda de acordo com o professor de Engenharia de Minas, é nula a possibilidade de que o material tenha vindo de mineração ilegal ou descarte irregular de rejeitos. “Isso é extremamente improvável, pois BH e região são muito bem fiscalizados pela ANM (Agência Nacional de Mineração) e órgãos competentes. Além disso, há empecilhos ambientais e legislatórios para montar uma mineração, imagina fazer algo ilegal. Não há chances de ser isso”, ressaltou.

Denúncia

Preocupados, os moradores recolheram os detritos e levaram ao MPMG. A denúncia foi recebida pela promotora Luciana Ribeiro da Fonseca, após reunião com os representantes das comunidades, na manhã dessa quinta-feira (30). O encontro aconteceu na sede da promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo.

Termo de entrega do material ao MPMG (Reprodução/WhatsApp)

A promotora determinou que o Nucrim (Núcleo de Recursos Criminais do MPMG) analise o minério levado pelos moradores para investigar a origem do material e como ele foi parar no local. Segundo a Ata da reunião, o objetivo é “verificar se houve derramamento, doloso ou culposo, de rejeitos e outros matérias” no rio.

Estiveram presentes na reunirão, representantes da deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) e do deputado federal Rogério Correia (PT). Em conversa com o BHAZ, o petista garantiu que a denúncia será levada adiante nas duas casas legislativas.

“Tanto eu como a Beatriz, apresentaremos essa denúncia nas comissões de Direitos Humanos, tanto na Câmara, quanto na Assembleia. É preciso uma preocupação por conta o material tóxico, material diluído clareamento minério em quantidade imensa.

O que diz o poder público?

A denúncia chegou à Semad que afirmou que também vai apurar o caso. “A mesma foi incluída no planejamento da equipe de fiscalização ambiental para apuração e avaliação da pertinência da notícia, com tomadas de providências que se fizerem necessárias’, diz em nota

A PBH (Prefeitura de Belo Horizonte) informou que tem acompanhado o caso e dado assistência à saúde dos moradores da região. A prefeitura orientou que as pessoas com feridas realizassem higienização no local e procurassem um centro de saúde no caso de qualquer alteração no quadro de saúde.

“Os profissionais de saúde que atenderam a população que teve contato com água de enchente passaram orientações sobre as doenças que podem ser causadas por água contaminada e também ensinaram como observar o surgimento de sintomas. Em relação a feridas, as pessoas foram orientadas a realizar higienização no local e procurar centro de saúde no caso de qualquer alteração no quadro de saúde. Além de verificar a situação de saúde dos moradores, as equipes de saúde da família ofereceram vacinas contra tétano e hepatite A para aqueles que não estão com vacinação em dia”, disse a PBH.

Rafael D'Oliveira[email protected]

Repórter do BHAZ desde janeiro de 2017. Formado em Jornalismo e com mais de cinco anos de experiência em coberturas políticas, econômicas e da editoria de Cidades. Pós-graduando em Poder Legislativo e Políticas Públicas na Escola Legislativa.

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