Barragem em Congonhas aterroriza moradores: ‘Apreensão é enorme e tempo para se salvar, pequeno’

População teme rompimento de Casa de Pedra (Reprodução/Sandoval de Souza)

As tragédias envolvendo os rompimentos da barragem mina Córrego do Feijão em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte, que tem saldo trágico de ao menos 65 mortos e mais de 250 desaparecidos, e de Fundão, em Mariana, em 2015, ecoam em diversos municípios mineiros que têm barragens. Minas volta a sofrer com um novo “mar de lama” e traz à tona o medo de moradores de cidades que convivem com estruturas similares. Em Congonhas, na região Central de Minas Gerais, a população convive, noite e dia, com a ameaça de rompimento de uma histórica barragem, a Casa de Pedra.

De acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad), há três barragens no complexo da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Congonhas, e um processo de revalidação de todo o complexo está em análise pelo órgão. Um dos pedidos da empresa é de Licença de Instalação para alteamento a jusante da barragem (veja nota da Semad abaixo). A população de Congonhas, segundo dados do IBGE de 2018, é estimada em cerca de 54 mil moradores. Grande parte seria afetada diretamente caso a estrutura se rompesse.

“A situação é que aqui temos uma barragem de rejeitos em uma área urbana, onde as residências estão a menos de 200 metros do reservatório. Se algo ocorrer, o tempo pra pessoa se salvar é muito pequeno”. A fala do ex-líder comunitário do bairro Residencial Gualter Monteiro, Rodrigo Ferreira da Silva, exprime o tamanho da preocupação da população com a barragem Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).

Localizada a 150 metros da comunidade do bairro Residencial Gualter Monteiro, a barragem, com capacidade de cerca de 50 milhões de metros cúbicos – volume similar ao de Fundão -, ainda é motivo de temor para aqueles que moram na cidade. “Em 1979, pequenas barragens de Casa de Pedra se romperam e ali começou a preocupação. Anos depois, em 2008, o bairro Santa Mônica ficou inundado com o rompimento da Barragem do Vigia. Já em 2015, o rompimento de uma barragem na Mineração Herculano, na cidade de Itabirito, nos deixou ‘ouriçados’”, conta Sandoval de Souza Pinto Filho, diretor de Meio Ambiente da União de Associações Comunitárias de Congonhas (Unaccon).

Sandoval atesta que o medo de rompimento da barragem é frequente. “Basta uma chuva e a apreensão é enorme. Tem gente que mora a 80 metros abaixo da barragem. O rompimento em Brumadinho só evidencia o nosso medo”, acrescenta, contando que um casal de amigos que trabalhava na Vale está desaparecido na tragédia que se abateu sobre o município da Grande BH.

O medo da barragem de Casa de Pedra se romper é passado de geração em geração. A fala de Sandoval sobre o medo em épocas de chuva é exemplificado em um caso contado por Rodrigo Ferreira. “Em 2018, houve uma forte chuva na cidade. As crianças de uma escola se assustaram com o barulho provocado por um trovão e começaram a gritar falando que a barragem tinha rompido. Foi um grande desespero, pois as professoras tiveram que acalmá-las e explicar que não houve rompimento”, diz.

Barragem antes da atuação do MPMG em Congonhas (Sandoval de Souza Pinto Filho/Divulgação)

Após o rompimento de Brumadinho, na sexta-feira (25), a Prefeitura de Congonhas emitiu uma nota tranquilizando a população, afirmando que os rejeitos não chegarão ao município. “A trajetória do rejeito segue na direção contrária ao município de Congonhas, ou seja, para a região Metropolitana de Belo Horizonte, podendo atingir o rio São Francisco”, diz trecho da nota.

As empresas que têm barragens estão sendo acionadas para que adotem medidas abordadas no Plano Municipal de Gestão de Barragens  com o objetivo de “evitar acidentes” como o de Brumadinho.

Imóveis desvalorizados

Rodrigo Ferreira destaca que os imóveis do bairro Gualter Monteiro, localizado próximo às barragens, já são desvalorizados e que o novo alteamento o prejudicaria ainda mais. “Ninguém quer comprar imóvel perto de barragem. As construções já são desvalorizadas. Esse projeto é sem noção, não conseguimos ficar tranquilos diante de uma situação como essa”.

Se dependesse de Rodrigo, a empresa não conseguiria a liberação para aumentar a estrutura, porém ele teme que o objetivo da CSN seja alcançado: “Queria que eles não conseguissem, mas como isso representaria muito menos dinheiro pro caixa do Estado, devem ter a liberação. É complicado”.

Populares se mobilizam para evitar rompimento

Com o objetivo de evitar o rompimento e consequentemente a destruição da cidade histórica – cujo núcleo da Basílica de Bom Jesus de Matosinhos é tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco -, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) foi acionado por populares. “Casa de Pedra é um complexo de 10 barragens e que já tinha problemas quando nós começamos a atuar em 2013”, conta Vinícius Alcântara Galvão, promotor de Justiça e curador do Meio Ambiente em Congonhas.

A CSN foi chamada pelo órgão para realizar ações de reparo e, por conta disso, foi assinado um termo de ajustamento de conduta (TAC). “Durante o ano de 2014, o acordo foi cumprido e a perícia do MP constatou que os problemas relativos à parte hidráulica e ao armazenamento de rejeitos estavam sanados”, diz o promotor.

Em 2017, novas falhas foram detectadas e o risco iminente voltou. “A população nos informou que existia infiltração na barragem e isso é muito perigoso. Perícia feita pelo MP constatou o problema e um novo TAC precisou ser assinado. E novamente, foi cumprido”, garante Galvão.

Na visão do promotor, o trabalho preventivo está sendo bem realizado, mas a CSN  precisa intensificar as ações do Plano de Emergência junto à população, que incluem técnicas de fuga e comunicação no caso de um possível rompimento. “Regularizamos a parte jurídica, por meio do TAC, apontamos as obras necessárias e regularizamos o processo ambiental. Podemos afirmar que impedimos que algo de pior acontecesse em Congonhas”, acrescenta.

O MPMG, de acordo com o promotor Vinícius Alcântara, está atento com o caso e poderá intervir. “O novo alteamento não foi autorizado, pois não receberam a liberação do Estado. Estamos superatentos, pois o assunto de barragens é muito delicado”, ponderou.

Licença em análise

Procurada pelo BHAZ, a Semad enviou a nota:

“Está em análise o processo de Revalidação da Licença de Operação (REVLO) da barragem, juntamente com outras estruturas do complexo minerário. O parecer único está sendo elaborado pelos técnicos da Semad e será disponibilizado para os integrantes do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), que usarão as informações para subsidiar seu voto.  A barragem tem Licença de Operação concedida em 24 de fevereiro de 2017 para seu estágio atual. A solicitação que está em análise pela Semad é de uma Licença de Instalação para alteamento a jusante da barragem.

Barragem B4

A barragem possui Licença de Operação Corretiva (LOC) para reaproveitamento de bens minerais dispostos na barragem, que foi concedida em 11 de agosto de 2017.

 Barragem B5

A empresa solicitou a descaracterização da barragem, através de Licenciamento Ambiental Concomitante (LAC), que está em análise pela Semad. Após a descaracterização a empresa dará continuidade ao processo para disposição em pilha. A estrutura atualmente dispõe de Licença de Operação concedida em 14/05/2003. A licença está em processo de revalidação.”

CSN

Procurada pelo BHAZ, a CSN informou que os esclarecimentos sobre a situação atual de suas barragens foram repassados aos órgãos competentes e que um comunicado será divulgado posteriormente pela empresa. A CSN garante que não há risco iminente de rompimento em Casa de Pedra.

 

Vitor Fórneas[email protected]

Repórter do BHAZ de maio de 2017 a dezembro de 2021. Jornalista graduado pelo UniBH (Centro Universitário de Belo Horizonte) e com atuação focada nas editorias de Cidades e Política. Teve reportagens agraciadas nos prêmios CDL (2018, 2019 e 2020), Sebrae (2021) e Claudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados (2021).

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