Motoristas de Uber em BH trabalham mais de 50 horas por semana, aponta pesquisa

Motorista de Uber
Maioria trabalha somente como motorista de app (Foto ilustrativa: Amanda Dias/BHAZ)

Atualização às 11:27 do dia 11/08/2023 : Reportagem atualizada para incluir posicionamento da Uber.

Enquanto a jornada de trabalho determinada pela lei brasileira é de até 44 horas por semana, motoristas que prestam serviço para a Uber em Belo Horizonte e região metropolitana trabalham, em média, 51 horas semanais. É o que aponta pesquisa divulgada nesta quinta-feira (10) pelo Observatório das Plataformas Digitais (OPD), da UFMG.

O levantamento ainda mostra que a maior parte dos colaboradores da Uber não dirige como forma de complementar a renda: mais de 69% dos entrevistados atuam exclusivamente como motoristas em aplicativos de transporte, enquanto 30,9% exercem a ocupação junto com outras atividades.

Para Fábio Tozi, professor do Departamento de Geografia da UFMG e coordenador da pesquisa, os resultados fazem “cair por terra” os argumentos de que o trabalho de motorista de aplicativo é flexível e que não há uma dependência financeira do serviço.

A pesquisa “Dirigindo com a Uber” ouviu, entre outubro e novembro de 2022, pouco mais de 400 pessoas que prestam serviço para o app como motoristas, em diversos turnos. Foram contemplados os municípios de BH, Nova Lima, Betim, Contagem, Vespasiano, Lagoa Santa, Pedro Leopoldo e Ribeirão das Neves.

O OPD é uma iniciativa do grupo de pesquisa Continente, do Departamento de Geografia da UFMG, e realizou a pesquisa em parceria com o MPT (Ministério Público do Trabalho) em Minas Gerais. O desenvolvimento metodológico é do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Procurada pelo BHAZ, a Uber defendeu que a pesquisa tem “lacunas na metodologia” e “resultados que não representam a realidade dos motoristas parceiros” da plataforma (veja mais abaixo).

Perfil dos motoristas

Dos 400 condutores entrevistados, a esmagadora maioria é composta de homens, e apenas 3,7% são mulheres. Entre os homens, 64,4% se autodeclaram negros, e 47,7% têm entre 40 e 59 anos.

Perfil
OPD/Divulgação

O coordenador da pesquisa também reforça que os homens negros que colaboram com a Uber são mais jovens que os não negros. “Muitas vezes, podem ser pessoas que não têm acesso a outras fontes de renda”, aponta Fábio Tozi.

Entre as motivações para trabalhar como motorista de aplicativo, 49,6% disseram que procuraram a atividade como forma de obter trabalho remunerado, enquanto 23,2% queriam complementar a renda. Apenas 4,5% dos entrevistados trabalham como motorista na Uber e em pelo menos dois outros trabalhos.

Necessidade econômica
OPD/Divulgação

Em BH e nas cidades da região metropolitana contempladas, 53,6% dos motoristas consultados na pesquisa também trabalhavam para a 99, além da Uber. Outros 17,5% dirigiam para o aplicativo InDrive.

“No Brasil, os aplicativos de transporte se tornaram uma fonte principal de renda. São duas empresas [Uber e 99] que controlam o mercado, e não há opções para quem quer trabalhar com isso. Elas definem a remuneração, as normas de trabalho, o preço. Não é um trabalho eventual nem flexível, é um trabalho contínuo de longas jornadas”, defende Tozi.

Jornadas exaustivas

Os pesquisadores questionaram os entrevistados quanto à quantidade de horas trabalhadas na semana anterior ao levantamento. Em média, em BH e região, os motoristas haviam dedicado 51 horas do trabalho ao transporte por aplicativos. Só na capital, a média foi de 52 horas.

O maior número registrado nas entrevistas foi de um condutor que disse ter trabalhado 19 horas por dia na semana anterior. Somente 29,8% dos motoristas exerceram jornadas que ficaram entre 20 e 44 horas semanais.

Horas trabalhadas
OPD/Divulgação

“É um volume altíssimo de trabalho, acima do previsto na legislação e do que o corpo aguenta. A saúde do motorista, as condições de estresse e cansaço interferem diretamente na capacidade de direção”, diz o professor da UFMG.

Segundo ele, os condutores costumam fazer longas jornadas principalmente durante a tarde, fazendo pausas só quando estão extremamente cansados, quando precisam ir ao banheiro, ou quando estão com fome. Mais de 90% dos entrevistados também trabalha aos finais de semana.

Pausa
OPD/Divulgação

Remuneração

Entre outubro e novembro de 2022, em média, os motoristas entrevistados receberam R$ 5.532 pelo trabalho. O Observatório das Plataformas Digitais ressalta que, apesar de os valores parecerem atraentes em um primeiro momento, é preciso subtrair os s custos operacionais e dos instrumentos de trabalho necessários.

Cerca de 65% dos entrevistados pagam pelo veículo usado: 24,7% com aluguel, e 40,5% com prestações de financiamento. 100% gasta dinheiro com combustível, 61,6% com limpeza do carro, e 74,2% com seguro.

Trabalho precário

Para Fábio Tozi, os resultados da pesquisa “Dirigindo com a Uber” apontam para uma precariedade no trabalho como motorista de aplicativos de transporte. Ele defende que seja criada uma legislação específica para os trabalhadores de plataformas, não só de transporte, mas de entregas, por exemplo.

A esperança do pesquisador está no novo grupo de trabalho criado em maio pelo governo federal para discutir a regulamentação do trabalho por meio das plataformas digitais. O grupo conta com 15 representantes do governo, incluindo quatro do Ministério do Trabalho e Emprego, que ficou encarregado de coordenar os trabalhos.

“As empresas não têm mudado o procedimento, elas dominam o mercado, então não veem necessidade disso. É o momento do grupo de trabalho debater esse tema, e esperamos que esses dados cheguem até essas pessoas que estão deliberando sobre isso”, diz o coordenador do levantamento.

Ele também refuta a ideia de que, com a regulamentação, as empresas deixariam de atuar no país. “Outros países fizeram, e o Brasil é um dos maiores mercados do mundo para os apps de transporte. Acredito que as empresas se adequariam para que o trabalho seja o mais próximo possível do que entendemos como digno”, finaliza.

O que diz a Uber?

Por meio de nota, a Uber afirmou que as “lacunas na metodologia” apontadas são evidenciadas por pesquisas realizadas com amostragem mais ampla e representativa da categoria.

“Além de considerar um grupo reduzido (apenas 400 pessoas) e sem desenho claro de amostragem para retratar o universo, as estatísticas apresentadas foram calculadas a partir de questionário declaratório, sem cálculo probabilístico ou checagem de respostas”, diz a empresa.

Em relação aos custos da atividade, a Uber defende que não há indicação de quais itens foram considerados para se chegar aos valores apresentados, citando “imprecisões de controle e oscilações” do levantamento.

“Mesmo com essas falhas, o próprio trabalho reconhece que a renda líquida dos motoristas supera tanto o salário mínimo como a renda dos demais trabalhadores da região”, afirma a nota.

A plataforma ainda cita uma pesquisa realizada pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) que aponta para uma jornada média de 22 e 31 horas semanais, além de um levantamento do Datafolha que diz que 48% tem a atividade com aplicativos como complemento de renda.

Nota da Uber na íntegra

“O documento do Observatório das Plataformas Digitais tem lacunas na metodologia e resultados que não representam a realidade dos motoristas parceiros da Uber, o que é evidenciado por pesquisas realizadas com amostragem mais ampla e representativa da categoria.

Além de considerar um grupo reduzido (apenas 400 pessoas) e sem desenho claro de amostragem para retratar o universo, as estatísticas apresentadas foram calculadas a partir de questionário declaratório, sem cálculo probabilístico ou checagem de respostas.

Em relação aos custos da atividade, por exemplo, não há indicação de quais itens foram considerados para se chegar aos valores apresentados. O próprio relatório evidencia que os dados apresentam “imprecisões de controle e oscilações” e que foram encontradas “discrepâncias entre as apurações”, ou seja, inconsistências nas respostas dos entrevistados quando comparados os valores declarados por dia, semana e mês.

Mesmo com essas falhas, o próprio trabalho reconhece que a renda líquida dos motoristas supera tanto o salário mínimo como a renda dos demais trabalhadores da região.

Uma pesquisa realizada pelo Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) a partir dos registros administrativos dos aplicativos (viagens efetivamente realizadas) calculou que os motoristas trabalham em média entre 22 e 31 horas semanais, e tem renda líquida entre R$ 2.925 e R$ 4.756 por mês. O trabalho do Cebrap se baseou também em 1.518 entrevistas, em amostra aleatória e representativa do 1,3 milhão de motoristas que trabalham com aplicativos no Brasil.

Outra pesquisa, realizada pelo Datafolha com uma amostragem representativa (1.800 motoristas), identificou que metade (48%) tem a atividade com aplicativos como complemento de renda. Entre os motivos mais importantes para dirigir, 85% consideram a flexibilidade e autonomia da atividade.”

Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

SIGA O BHAZ NO INSTAGRAM!

O BHAZ está com uma conta nova no Instagram.

Vem seguir a gente e saber tudo o que rola em BH!