Cuca muda postura e se pronuncia sobre acusação de estupro na Suíça: ‘O mundo está mudando’

11/03/2024 às 09h53
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Após a estreia pelo Athletico Paranaense nesse domingo (10), o técnico Cuca se pronunciou sobre a acusação de estupro na Suíça (Reprodução/Globo)

Após a estreia pelo Athletico Paranaense nesse domingo (10), o técnico Cuca se pronunciou sobre a acusação de estupro na Suíça. Durante entrevista coletiva, o treinador leu uma carta escrita por ele em que diz que a sua angústia não acabou depois da anulação do processo.

“Eu pensei que eu estava livre da minha angústia quando solucionei meu problema com a anulação do processo e a indenização. Mas entendi que não acabou porque não dependia apenas da decisão judicial, mas que eu precisava entender o que a sociedade esperava de mim”, diz ele em um trecho.

Cuca afirma que se reclusou e evitou falar sobre o assunto durante tanto tempo, “porque o mundo do futebol e dos homens em que vivo não tinha me cobrado nada”.

“Mas o mundo está mudando, acho que para melhor, e por isso estou me dando conta de que não adianta eu entender o que é ser um grande treinador, pai, avô e esposo se eu não entender que o mundo é feito de outras coisas além do futebol, que eu faço parte disso também”, disse.

Na ocasião, Cuca também pediu perdão às mulheres e disse que se compromete a fazer “parte da transformação”. “Vou fazer isso com o poder da educação. Quero ajudar. Quero jogar luz, usar a voz que tenho para, ao mesmo tempo que me educo, educar também outros homens, principalmente os jovens que amam futebol”, declarou (leia o pronunciamento na íntegra abaixo).

Anulação do processo

A Justiça da Suíça anulou o caso contra Cuca, 35 anos depois de ele e outros três jogadores do Grêmio terem sido condenados pelos crimes de coação e ato sexual com menor. Os casos ocorreram em 1987, durante passagem do time gaúcho pela Europa. 

O tribunal de Berna-Mittelland anulou a decisão contra Cuca e a tornou pública em janeiro deste ano Após a saída do time paulista, o treinador contratou advogados e reabriu o caso sob o argumento de que foi julgado à revelia, ou seja, sem a presença do réu ou de advogados para representá-lo na ação, portanto, deveria ser realizado novo julgamento.

“Hoje eu entendo que deveria ter tratado desse assunto antes. Estou aliviado com o resultado e convicto de que os últimos oito meses, mesmo tendo sido emocionalmente difíceis, aconteceram no tempo certo e de Deus”, declarou Cuca o ex-treinador do Galo em nota enviada à imprensa, que ainda foi indenizado em cerca de R$ 50 mil.

O Ministério Público da Suíça discordou da proposta de novo julgamento. A vítima, que na época do caso tinha 13 anos, morreu em 2002, aos 28. Um filho dela preferiu não participar e, com isso, a presidente do tribunal decidiu anular o caso.

Pronunciamento do Cuca na íntegra

“Hoje eu sei que isso não é só sobre mim, mas é sobre mim também. Eu escolhi me recolher durante muito tempo e mesmo assim pude seguir  minha vida. Uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir com a vida dela sem permanecer machucada. O impacto dura pra sempre.

Eu pude levar minha vida contornando a história porque o mundo do futebol e dos homens em que vivo não tinha me cobrado nada.

Mas o mundo está mudando, acho que para melhor, e por isso estou me dando conta de que não adianta eu entender o que é ser um grande treinador, pai, avô e esposo se eu não entender que o mundo é feito de outras coisas além do futebol, que eu faço parte disso também.

Eu enxergava sim os problemas, inclusive recorrentes aqui no nosso universo do futebol e dos homens. Mas me calei porque a sociedade permite que o homem se cale.

Aliás, permitia.

Agora eu entendo, mesmo sem ainda conseguir me aprofundar para falar do jeito que seria certo, eu entendo que não posso mais me recolher, ficar calado, porque silêncio soa como covardia.

Venho buscando ouvir mais, aprender, compreender. Não posso mudar o passado. Quantos de nós, homens, que agora me escutam, são capazes de olhar o passado e rever atitudes?

O mundo é um lugar muito diferente para homens e mulheres e quando a gente enxerga isso a gente pode até resistir, mas alguma coisa começa a mudar.

E esse é o primeiro passo. Depois, o sentimento é de real desejo de mudança. Só que as mudanças honestas e verdadeiras levam tempo, exigem dedicação, estudo, são dolorosas e desafiadoras.

Já entendo que a realidade tem que ser transformada para que o mundo seja um lugar mais seguro para as mulheres. O mundo do futebol ainda é um mundo de muito preconceito.

Entendi que quando me cobram não é só sobre mim, é sobre a forma como tratamos as mulheres. Não estou falando isso como fala isolada para agradar alguém, ou da boca para fora. Se fosse assim teria me manifestado antes. Falo isso de coração.

Quero e me comprometo a fazer parte da transformação. Vou fazer isso com o poder da educação. Quero ajudar. Quero jogar luz, usar a voz que tenho para, ao mesmo tempo que me educo, educar também outros homens, principalmente os jovens que amam futebol.

Sucesso repentino é desafio. Muitos se perdem pelo caminho com fama e dinheiro. Somos levados a acreditar que podemos tudo, inclusive desrespeitar as mulheres. Precisamos dar aos mais novos a oportunidade de não errarem como tantos de nós erramos.

É ali que podemos sensibilizar, colocar para pensar, orientar. Sucesso, dinheiro e fama não servem para nada se você se perder no caminho.

Eu pensei que eu estava livre da minha angústia quando solucionei meu problema com a anulação do processo e a indenização. Mas entendi que não acabou porque não dependia apenas da decisão judicial, mas que eu precisava entender o que a sociedade esperava de mim.

O que vocês vão ver de mim daqui para frente não serão palavras, serão atitudes. Podem me cobrar. Obrigado por me escutarem e boa noite”.

Larissa Reis

Graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e repórter do BHAZ desde 2021. Vencedora do 13° Prêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, idealizado pelo Instituto Vladimir Herzog. Também participou de reportagem premiada pela CDL/BH em 2022.

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