Indígenas denunciam Bolsonaro no Tribunal de Haia por genocídio e crimes contra a humanidade

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Essa é a segunda denúncia contra Bolsonaro ao tribunal internacional (Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou um comunicado no Tribunal Penal Internacional (TPI) denunciando o governo Bolsonaro por genocídio e crimes contra a humanidade. O tribunal, vinculado à ONU (Organização das Nações Unidas), tem sede em Haia, na Holanda, e competência para julgar crimes contra a humanidade, crimes de guerra, de genocídio e de agressão. A denúncia acontece no Dia Internacional dos Povos Indígenas.

A organização solicitou que a procuradoria do Tribunal de Haia examine os supostos crimes praticados pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra os povos indígenas, desde o início do mandato presidencial, em janeiro de 2019, mas com atenção ao período da pandemia da Covid-19. Esta é a primeira vez na história que os povos indígenas vão diretamente ao TPI, com seus advogados indígenas, para se defenderem das violações apontadas.

“Acreditamos que estão em curso no Brasil atos que se configuram como crimes contra a humanidade, genocídio e ecocídio. Dada a incapacidade do atual sistema de justiça no Brasil de investigar, processar e julgar essas condutas, denunciamos esses atos junto à comunidade internacional, mobilizando o Tribunal Penal Internacional”, destaca Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib.

O presidente pode ser o primeiro brasileiro a se tornar réu no TPI. A denúncia, porém, não é inédita para Bolsonaro. No fim de 2019, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (Cadu) e a Comissão Arns enviaram uma comunicação ao tribunal alegando que atos de Bolsonaro contribuíram para o desmatamento e queimadas na Amazônia e implicavam crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de indígenas. Em dezembro do ano passado, o tribunal iniciou a avaliação preliminar do pedido.

Comunicado

O comunicado protocolado reúne denúncias de lideranças e organizações indígenas, documentos oficiais, pesquisas acadêmicas e notas técnicas, que pretendem servir como comprovação do planejamento e execução de um projeto anti-indígena explícito, sistemático e intencional encabeçado por Bolsonaro.

Para a Apib, os ataques às terras e aos povos indígenas foram incentivados pelo presidente em muitos momentos ao longo de sua gestão. No comunicado, a organização menciona a explícita recusa do governo federal em demarcar novas terras, até projetos de lei, decretos e portarias que tentam legalizar as atividades invasoras, estimulando os conflitos.

“O desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos indígenas desencadeou invasões nas Terras Indígenas, desmatamento e incêndios nos biomas brasileiros, aumento do garimpo e da mineração nos territórios”, diz trecho do comunicado, que tem 86 páginas.

“Os povos indígenas permanecerão vigilantes, como historicamente fizeram. É dever do governo federal brasileiro respeitá-los, como expressão fundacional de um Estado Constitucional de Direito”, aponta mais um trecho do documento, produzido em conjunto com o Cadu e da Comissão Arn, que encabeçaram a denúncia anterior contra o presidente ao tribunal. A construção coletiva do comunicado durou cerca de um ano.

Por que levar ao TPI?

A Apib lembra que o tribunal dificilmente lida com casos que envolvam países com algum grau de democracia, mas que pretendem mostrar à instituição, com o comunicado, que é possível o cometimento dos crimes mais graves em ambientes como o do Brasil, que consideram estar passando por uma “desdemocratização”. De modo geral, a articulação espera que os crimes cessem e que a comunidade internacional possa ficar atenta às violações que ainda estão em curso no país e podem tomar proporções ainda mais graves caso não haja medidas efetivas.

A organização ainda entende que o sistema judicial brasileiro não tem sido capaz de responsabilizar o presidente, já que nenhum dos seus atos mencionados no documento foi objeto de investigação ou abertura de investigação formal no país. A articulação ainda lembra das interferências de Bolsonaro na Polícia Federal, o alinhamento da Procuradoria Geral da República com o presidente, e as investidas do chefe máximo do Executivo contra o STF (Supremo Tribunal Federal). Esses pontos demonstram, para a articulação, que o presidente não tem demonstrado apreço à independência das instituições.

A APIB reforça que é responsabilidade dela, como associação representativa dos povos indígenas brasileiros, de acionar todos os mecanismos disponíveis para prevenir, reparar ou responsabilizar o genocídio dos povos tradicionais e demais violações de direitos humanos.

Dia Internacional dos Povos Indígenas

O Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado no dia 9 de agosto, foi instituído pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), uma agência especializada das Nações Unidas,  em dezembro de 1994. A data se refere ao dia da primeira reunião do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Populações Indígenas, realizada em Genebra, na Suíça, em 1982. 

Já em 1985, esse mesmo grupo iniciou os preparativos da redação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. O documento foi finalizado e aprovado em 2007 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU). Apesar dos esforços para definir os direitos dos indígenas, segundo a ONU, a população representa cerca de um terço da população mais pobre do mundo, além de sofrerem com uma série de outros problemas, como ameaça às suas culturas e identidades. O número é alto para um povo que representa apenas 5% da população mundial, com 370 milhões de pessoas.

Além da denúncia à Haia, a Apib ainda prepara para o mês de agosto uma série de mobilizações dos povos indígenas na luta por direitos. Um acampamento chamado de ‘Luta pela Vida’ está marcado para acontecer entre os dias 22 e 28 deste mês, em Brasília (DF). “Vamos ocupar mais uma vez os gramados da esplanada para impedir os retrocessos contra os direitos dos nossos povos”, reforça a coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara.

“Estamos fazendo um chamado de mobilização para Brasília, em plena pandemia, porque hoje a agenda anti-indígena do governo federal representa uma ameaça mais letal que o vírus da Covid-19. A vida dos povos indígenas está ligada aos territórios e nossas vidas estão ameaçadas. Estaremos mobilizados nas aldeias, nas cidades, em Brasília e no tribunal de Haia para responsabilizar Bolsonaro e lutar pelos nossos direitos”, destaca Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.

Edição: Giovanna Fávero

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