Mais de 100 trabalhadores em situação de escravidão são resgatados de fazenda da Souza Paiol

Trabalhadores da Souza Paiol
Trabalhadores eram mantidos sem direitos trabalhistas e sem condições dignas de trabalho (Grupo Especial de Fiscalização Móvel/Divulgação)

A Souza Paiol, maior fabricante de cigarros de palha do Brasil, foi responsabilizada por manter 116 trabalhadores em condições análogas à escravidão na colheita de palha de sua produção. A fiscalização trabalhista resultou no maior resgate de trabalhadores nessas condições realizado em 2021.

O caso foi divulgado pela Repórter Brasil nessa terça-feira (26). Os trabalhadores eram mantidos em uma fazenda em Água Fria de Goiás, sem direitos trabalhistas e sem condições dignas de trabalho. Entre os resgatados estavam cinco adolescentes, e um deles tinha apenas 13 anos.

“Não tinham nenhum direito trabalhista, dormiam em alojamentos péssimos, não recebiam equipamentos de proteção individual e o motorista do ônibus que os levava para a colheita não era habilitado”, explicou o auditor-fiscal do trabalho Marcelo Campos, que coordenou a operação feita pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), ao veículo.

Fome

De acordo com os trabalhadores, a jornada começava às 5h da manhã, mas eles não tinham direito a café da manhã. Ou seja, trabalhavam com fome até 11h, quando a primeira marmita chegava. Por causa disso, eles temiam sofrer um mal súbito durante o expediente.

Depois da marmita das 11h, eles recebiam apenas mais uma pelo resto do dia, com refeição precária. Para combater a fome, os trabalhadores passaram a improvisar fogareiros dentro dos alojamentos. Os locais tinham paredes sem revestimento e vedações, e eram cheios de goteiras.

Sem dignidade

Além da fome, os homens também não recebiam itens de higiene básicos como sabão ou papel higiênico. Durante a pandemia de Covid-19, mesmo quando não estavam vacinados, eles compartilhavam uma garrafa de água e os alojamentos eram superlotados.

Ainda segundo relato do auditor-fiscal à Repórter Brasil, as facas usadas pelos trabalhadores para separar a palha da espiga eram cobradas pelos contratantes. Até pelas pedras usadas para amolar as facas e as as fitas adesivas usadas para proteger os dedos era cobrado um valor, contrariando norma que determina que o empregador deve disponibilizar, gratuitamente, as ferramentas de trabalho aos funcionários.

“Eles não recebiam luvas e nenhum equipamento de proteção individual. Como o movimento para separar a palha é muito rápido e repetitivo, os trabalhadores usam fitas nos dedos para diminuir as feridas”, contou Campos.

Fazenda da Souza Paiol
Resgatados sofriam com fome e falta de equipamento próprio (Grupo Especial de Fiscalização Móvel/Divulgação)

Resgate

A operação de resgate dos trabalhadores começou no dia 13 de outubro e foi encerrada na última quarta-feira (20). Na data, todos os 116 receberam as indenizações pagas pela Souza Paiol, que somadas chegam a R$ 900 mil.

Ainda segundo a reportagem, as negociações entre o dono da empresa, José Haroldo de Vasconcelos, e os contratantes da mão de obra eram “totalmente informais, sem documentos assinados e baseada apenas em acordos verbais”.

O empresário determinou que dois contratantes para que eles recrutassem os trabalhadores. Esses dois contratantes passaram a tarefa para outros três , que são chamados de “gatos”. Para o coordenador da operação, a estratégia era uma forma de ocultar o responsável pela exploração. Foi um depósito de R$ 600 mil realizado por Vasconcelos que permitiu a identificação do responsável pela contratação dos “gatos”.

‘Terceirizados’

Procurado pela Repórter Brasil, o dono da Souza Paiol disse que os trabalhadores não trabalhavam para ele e que são terceirizados. “Eles vendem palha para mim como vendem para outras fábricas de cigarro de palha”, disse o empresário.

Questionado sobre a transferência de R$ 600 mil, ele afirmou que foi um adiantamento que fez para pagar a palha do milho. “A responsabilidade é de quem contrata essas pessoas”, completou.

Para o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Defensoria Pública da União (DPU), este não é o caso. Os órgãos vão  propor um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Souza Paiol. 

Ainda conforme a reportagem, Vasconcelos já havia sido alvo de operação do Ministério Público de Minas Gerais e da Receita Estadual. Os órgãos o acusaram de sonegação fiscal e de não ter pago cerca de R$ 20 milhões em impostos.

De acordo com as investigações realizadas em 2019, o volume de produção e venda não declarado gerou um lucro que pode ter sido usado para a aquisição de mais dez imóveis em bairros nobres de Belo Horizonte e Nova Lima, na região metropolitana. O empresário disse que assumiu a dívida, negociou e está pagando as parcelas da quantia que sonegou. 

Edição: Giovanna Fávero
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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