Promotora mandou periciar restos fetais após menina de 11 anos passar por aborto legal, diz Intercept

HC da UFSC
Instituto Geral de Perícias foi encaminhado ao hospital para fazer exame (Reprodução/Google Street View)

A promotora Mirela Dutra Alberton, que foi contra o aborto legal da menina de 11 anos que engravidou vítima de estupro em Santa Catarina, pediu que os restos fetais fossem recolhidos por policiais do Instituto Geral de Perícias no Hospital Universitário da UFSC para a realização de uma necrópsia. A informação foi divulgada pelo Intercept nesta quarta-feira (6).

De acordo com a publicação, apesar de o procedimento ter sido realizado conforme a lei, a promotora abriu uma investigação para determinar a “causa que levou à morte do feto”. O requerimento para que os restos fetais foram recolhidos foi enviado ao perito-geral da polícia científica de Santa Catarina em 24 de junho.

No documento, com o título “urgente”, Alberton pediu um exame pericial para confirmar se houve a aplicação de cloreto de potássio para a parada dos batimentos cardíacos ainda no útero, ou seja, se foi realizada a assistolia fetal.

A decisão, ainda segundo o Intercept, afirmava que o hospital havia sido intimado a encaminhar “toda a documentação e relatório médico detalhado” sobre a realização do aborto em até 48 horas.

Quando a menina de 11 anos recebeu alta, o portal informou que o procedimento foi feito por meio de medicamentos. Dessa forma, o feto saiu do útero já sem batimentos cardíacos, como recomendado para casos acima de 22 a 24 semanas de gestação.

Procurada pelo Intercept, a polícia científica disse que não se pronunciaria até a finalização dos procedimentos médico-legais. Já o HU da UFSC disse que “as informações confidenciais sobre o caso da menor apenas foram compartilhadas com órgãos que detêm poder requisitório previsto em lei, em autos sob sigilo” e que se “solidariza com a criança e seus familiares, bem como com a sua equipe assistencial”.

Vale reforçar que, como a menina que passou pelo aborto tem menos de 14 anos, é indiscutível que ela tenha sido vítima de estupro de vulnerável.

Relembre

O MPF (Ministério Público Federal) informou, no dia 23 de junho, que a menina de 11 anos que engravidou após ser estuprada e foi impedida de realizar um aborto conseguiu passar pelo procedimento e interrompeu a gestação.

O Hospital Universitário da UFSC cumpriu parcialmente a recomendação expedida pelo MPF e realizou o procedimento. O órgão também instaurou um inquérito policial para investigar a atuação do centro de saúde no caso.

Na recomendação, o MPF reforçou que o aborto legal não requer qualquer autorização judicial ou comunicação policial, “assim como não existem, na legislação, limites relacionados à idade gestacional e ao peso fetal para realização do procedimento”.

Uma reportagem do Intercept denunciou a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer, que teria pressionado a menina a não realizar o aborto. Em despacho de 1º de junho, a magistrada, titular da Comarca de Tijucas, argumenta que a ida da vítima ao abrigo se deve ao “risco que a mãe efetue algum procedimento para operar a morte do bebê”.

Imagens obtidas pelo site, de uma audiência realizada no dia 9 de maio, mostram uma conversa entre a juíza e a criança. “Suportaria ficar [grávida] mais um pouquinho?”, questiona a magistrada. Na sequência, ela chega a questionar se a vítima “quer escolher o nome do bebê” e se o abusador “concordaria pra entrega [do bebê] para adoção”.

Durante a audiência, a promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público Catarinense, também defendeu a continuidade da gestação. “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele”, disse.

Quando o aborto é permitido?

Segundo o IFF (Instituto Fernandes Figueira), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o Brasil está entre os 25% dos países do mundo com legislações mais restritivas em relação à interrupção da gravidez. Por aqui, o aborto é autorizado em caso de estupro, quando a gestação representa risco à vida da mãe ou quando o feto é anencéfalo, ou seja, quando o cérebro não se desenvolve adequadamente.

No caso de violência sexual, a vítima deve preencher cinco documentos que serão anexados ao prontuário médico. São eles:

  1. Termo de relato circunstanciado – É feito pela mulher que solicita a interrupção ou pelo representante legal no caso de incapaz. O documento deve conter as informações de dia, hora, local em que ocorreu a violência, características, tipo, descrição dos agentes violadores, se houveram testemunhas, cicatrizes ou tatuagens no violador, características de roupa, etc. Este documento deve ser assinado pela mulher e por duas testemunhas: no caso o médico que ouviu o relato e um enfermeiro, psicólogo ou assistente social;
  2. Parecer técnico – Documento assinado pelo médico ginecologista que, após anamnese, exame físico, ginecológico e análise do laudo do ultrassom atesta que aquela gestação tem idade gestacional compatível com a data alegada do estupro;
  3. Aprovação de procedimento de interrupção da gravidez – Este documento nada mais é que uma ata, onde se reúne a equipe multiprofissional que fez o atendimento. Todos assinam com a aprovação desta interrupção, concordando com o parecer técnico (que a data da gestação é compatível com a data do estupro) e que não há suspeita de falsa alegação de crime sexual;
  4. Termo de responsabilidade (assinado pela mulher) – Este documento contém uma advertência expressa que a paciente assina ciência de que ela incorrerá de crime de falsidade ideológica e de aborto criminoso caso posteriormente se verifique inverídicas as informações;
  5. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Termo que esclarece sobre os desconfortos, riscos, possíveis complicações, como se dará o procedimento de interrupção da gestação, quem vai acompanhar, a garantia do sigilo (salve solicitação judicial). Este documento é assinado pela mulher e deve conter claramente expressa a sua vontade consciente de interromper a gestação, dizendo também que foram dadas todas as informações sobre a possibilidade de manter a gestação e a adoção ou até a desistência do procedimento a qualquer momento.
Edição: Roberth Costa
Sofia Leão[email protected]

Repórter do BHAZ desde 2019 e graduada em jornalismo pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Participou de reportagens premiadas pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, pela CDL/BH e pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo em 2021.

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